quinta-feira, 1 de setembro de 2011

SEXO E DESTINO - CHICO XAVIER E ANDRÉ LUIZ - PARTE 60


CONTINUAÇÃO

Rogou orassem por ele, queria ser digno da fé que aceitara.
Pela primeira vez, pediu um passe em favor de si mesmo. Baixou os olhos e espalmou as mãos para recebê-lo, imitando o gesto de uma criança infeliz, suplicando uma esmola.
O velho farmacêutico e o negociante consolaram-no. Não seria justo reter a menina padecente num corpo qual aquele, deprimido e irrecuperável; no entanto, ao se despedirem, achavam-se ambos engasgados de emoção.
Cláudio, mais desolado que nunca, às nove horas solicitou licença para trancar-se. Queria estar só com a filha, dizer-lhe adeus.
Ninguém recusou aquele favor suplicado com humildade. Isolado à frente dela, Nogueira demorou-se a meditar... Recompunha o pretérito na memória, imaginando as estradas percorridas por ruínas das quais se via afastado para sempre. Entretanto, ao fixar a agonizante, pelo amor purificado que lhe passara a dedicar, simbolizava, na existência junto dela, o futuro de que se via distante. Entre o passado que lhe inspirava repugnância e o porvir na comunhão espiritual com a filha querida, sentia-se esmagado, sozinho...
Enternecia-nos as recônditas fibras da alma contemplar aquele homem vergado ao peso do suplício moral, fugindo a recordações para entrar em prece... Os gritos inarticulados do peito jugulado de angústia ao apelarem para Deus, no silêncio do quarto, assemelhavam-se a cânticos de dor que as lágrimas sufocavam!...
Às onze, o irmão Félix e outros amigos, incluídos Neves e Percília, estavam conosco.
Em todos os semblantes, a expectativa discreta, com exceção de Moreira, que se agitava em pranto.
O instrutor levantou-o num gesto de brandura, comunicando-lhe que a tarefa terminara. Que não se deveria vitalizar, por mais (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 238) tempo, aqueles pulmões que a morte começava a enregelar. O triste amigo obedeceu, em choro convulso.
Em seguida, impondo as mãos naquela cabeça despenteada, Félix transmitiu-lhe subitâneo calor. Marita senhoreou inopinada agilidade mental. Supunha-se reviver, renascer. Escutava os ruídos em derredor, com extrema acuidade auditiva... O benfeitor abeirou-se de Cláudio e segredou-lhe algo. Certo, sugeria-lhe conversar, despedir-se.
Ignorando-se tocado pelo mentor espiritual, vimo-lo revestido de estranha coragem. Nogueira ergueu-se, avançou dois passos e ajoelhou-se ao pé da agonizante... Pousou a cabeça rente ao corpo imóvel, mas a intensa emotividade traiu-lhe as energias. O pranto abalava-lhe os membros, ao jeito de tempestade sacudindo os galhos de um tronco prestes a cair.
Marita percebia-lhe o arfar do tórax, na escala ascendente dos soluços, e desejou acariciá-lo; contudo, os braços se lhe afiguraram parafusados à cama.
Amparado nas forças magnéticas de Félix, que passou a apoiá-lo inteiramente, Cláudio cobrou ânimo, recolheu o exemplar de “O Evangelho segundo o Espiritismo”, que deixara na cadeira
próxima, e falou com voz trêmula: – Filha do meu coração, se você me escuta, atenda a seu pai, por piedade!... Perdoe-me!... Não sei se você sabe que estou transformado... Conheci Jesus, minha filha, e sei hoje que Deus é
misericórdia, que ninguém morre, ninguém... Sei que a justiça está em nós mesmos, que sofremos pelos males que praticamos, mas Deus não nos recusa o resgate!... Compreendo o mal que fiz a
você, sou um criminoso, mais nada... Pense, minha filha, no remorso que carregarei pelo resto da vida!... Você sabe que vou agora caminhar sem ninguém, agüentando a solidão que mereço... 9Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 2390.
Onde você estiver, compadeça-se de seu pai!... Confie em Jesus e nos bons Espíritos!... Eles sabem que você não se suicidou, sabem que sou um assassino... Ah! minha filha, pense nesta palavra assim tão triste!... Assassino! Auxilie-me a lavar esta mancha da consciência! Rogue por mim aos enviados do Cristo, para que eu tenha a força de fazer o que devo fazer!... Cláudio fez ligeira pausa, ao ver que o rosto da filha se cobria de lágrimas e, ansiando reconhecê-la devolvida à própria consciência para que lhe assinalasse a renovação, guardou a íntima certeza de que ela o escutava, em plena lucidez, bendizendo-lhe os votos de melhoria. Aflito e expectante, na convicção de que estava sendo ouvido e entendido, continuou: – Apesar de tudo, filha querida, não fique triste com minha súplica!... Sou um réu, mas tenho esperança! Veja a revelação de Jesus que eu achei!... Em seguida, com as mãos trementes, num gesto de piedosa confiança, colocou-lhe o livro na destra inerme.
A filha desperta registrou a presença do volume sobre os dedos inteiriçados e respondeu com o pranto mais vivo, mais copioso.
Nogueira, encorajado por aquela manifestação de inteligência, levantou a voz e rogou-lhe escutasse o que tinha a dizer... Declarando saber-se diante de amigos espirituais, que lhe testemunhariam a sinceridade, e certo de que empenhava a própria alma nas afirmações que se dispunha a formular, abriu-se à filha.
Confessou ali, diante dela, todas as faltas de que se acusava; relatou-lhe o drama de Aracélia; asseverou que sinceramente ignorava fosse ela filha dele, o que apenas viera a saber por informação de Márcia, porquanto, leviano e inconseqüente qual fora, na mocidade, admitia, erroneamente, que Aracélia desempenhara o papel de companheira para vários homens; participou-lhe (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 240) que a esposa o chamara à realidade, na noite horrível em casa de Crescina; descreveu como se abatera, atormentado pelo arrependimento, desde que a vira prostrada, implorava-lhe perdão por havê-la induzido ao suicídio... Comunicou-lhe haver lido e aprendido muito sobre reencarnação, desde o primeiro dia de hospital, e asseverou-se persuadido de que ambos se achavam ligados, através de múltiplas existências; disse que a paixão alimentada por ele teria sido fruto da invigilância e da crueldade que ainda trazia no
coração... Acrescentava, porém, ali, ante os padecimentos dela que lhe constituíam sentença de dor inapelável, que prometia regenerar-se, por mais áspero o reajuste... Finda a longa exposição, que Marita assinalou, compungidamente, frase por frase,
Nogueira retirou o livro da mão pequenina e descarnada, rematando em choro convulsivo: – Tenho orado e tenho recebido a misericórdia de Deus para mim, malfeitor... Mas se a Bondade Infinita me pode favorecer ainda com nova esmola, abençoe-me, filha querida, dê-me um sinal de benevolência, antes de partir... Se você está ouvindo o réu que sou, acompanhe-me neste desejo... Ore também!... Rogue a Deus forças... Mova um dedo, um dedo só para que eu saiba que você perdoou a seu pai!... Não me deixe na incerteza, agora que vou recomeçar o destino, entregue às conseqüências de minhas próprias faltas!... Registrando os soluços paternos, que lhe revolviam a alma, a jovem associou-se-lhe aos votos. Desejou ansiosamente, veementemente, satisfazer-lhe o pedido... Perdão!... Perdão!... A palavra ressoava-lhe no espírito, à maneira de cântico que descesse do céu, ecoando nas paredes em torno!... Perdão!... Aquelas seis letras, enfileiradas em forma de sons, pareceram-lhe música da eternidade, que estivesse sendo executada no firmamento, em trompas de estrelas, cujos brandos acentos lhe aliviavam o coração!...

CONTINUA AMANHÃ

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