quarta-feira, 31 de agosto de 2011

SEXO E DESTINO - CHICO XAVIER E ANDRÉ LUIZ


CONTINUAÇÃO

CAPÍTULO 7

Duas semanas precisamente sobre o desastre em Copacabana e Marita amanheceu preparada à desencarnação.
Moreira inspirava piedade. Aqueles dias abençoados de ensinamento e dor lhe haviam alterado a vida íntima. Percebendo que a menina entrara nos derradeiros lances da decadência orgânica, chorava, consternado.
Marita desligava-se, a pouco e pouco, de toda a relação com o mundo corpóreo. Nem mesmo o calor daquele amigo generoso que a sustentava, qual se lhe ofertasse um pulmão suplementar, a interessava mais... Conquanto imóvel, sentia-se agora lúcida, profundamente lúcida.
Os olhos quedavam quase apagados; no entanto, o apoio magnético incessante lhe descerrava a luz da visão espiritual.
Nos últimos dois dias, atingira avançada renovação. Assinalava com absoluta clareza as palestras freqüentes que Cláudio mantinha com médicos e enfermeiros, gravava as preces e os comentários de Agostinho e Salomão, na hora do passe.
De começo, ao experimentar que as mãos paternas lhe asseavam o corpo, desesperava, clamando de si para consigo que não se conformava com tanta humilhação... Lançava pensamentos de revolta contra o destino que a jungia daquele modo a um homem que odiava; entretanto, à força de perceber-lhe a ternura reverente, expungindo-lhe as excreções que se lhe agarravam à epiderme ferida, acabou plantando no coração um sentimento novo. Enterneceu-se, transfigurou-se. Ouvia-o falar em Deus e, às vezes, identificava-lhe os dedos a lhe roçarem a fronte, ao mesmo tempo que entremeava afagos e orações... Num dos minutos comovedores em que ela cismava, sem atinar com os motivos daquela transformação, Félix aproximou-se... Acariciou-lhe paternalmente os (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 234) cabelos em desalinho e disse, na convicção de quem centralizava todas as energias, a fim de sugerir-lhe, com êxito, a atitude aconselhável: – Filha, perdoa, perdoa!... Ela registrou, emocionada, a voz desconhecida e recordou a mãezinha que a deixara no berço.
Sim – concluía –, somente o amor materno voltaria do túmulo para inclinar-lhe o coração incendiado à fonte da indulgência... Perdoar – monologou – que outra coisa lhe competia fazer diante da morte? Sim, devia partir olvidando mágoas e afrontas... Reconhecia-se na armadura dos ossos, à feição de pinto no ovo.
Tênue pancada ou breve movimento conseguiria despejá-la e deveria sair, conquanto não soubesse para onde... Por que não seguir, apagando as labaredas que lhe requeimavam os sentimentos?... Meditou naquelas mãos que a despiam, enxugando-lhe a pele molhada para vesti-la outra vez, com o carinho apenas visto nas mães quando tocam, de manso, os filhinhos doentes, e concluiu que lhe cabia desculpar, esquecer... Compadeceu-se, então, diante do pai irrefletido. Perdoar-lhe, sim!... Pensou nisso, com o júbilo de quem achara uma bênção... Ele agora a respeitava, limpava-a, orava... Viveria na Terra, talvez carregando amargas penas, enquanto que ela viajaria para regiões que ignorava, apegando-se, porém, à confiança naquela voz que lhe impelia o espírito atribulado à calmaria do perdão... Rememorou-lhe o pranto da noite em que lhe declarara a paixão despropositada e tocou-se de entendimento. Pobre pai aquele que nunca desfrutava refúgio no próprio lar!... Teria um cérebro normal um homem assim, varado em casa, diariamente, qual se fosse um cão infeliz? Quem poderia saber se ele se aproximara dela na condição de um enfermo buscando lenitivo que não sabia qualificar, na (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 235) turvação dos próprios sentidos? Provavelmente havia recebido, na pensão de Crescina, o assalto de um louco e não a injúria de um homem!... Por que não justificar o pai que se dementara?... Reconstituiu-lhe, na memória, os gestos de brandura e de amor, nos brincos da infância. Cláudio lhe fora o único amigo... Se chorava em pequenina, recolhia-se-lhe ao colo, buscando o regaço de mãe que não tivera. Demorou-se a revê-lo nas telas da imaginação, transportando-a nos braços para que se distraísse, admirando os bichos do jardim zoológico... Degustava, de novo, mentalmente, os sorvetes que ele lhe adquiria, prazeroso, nas tardes de verão... Recordava, recordava.... Não, não! – bradava-lhe a consciência, o pai não era perverso, era bom... Como recusar-lhe compaixão se Dona Márcia o abandonava, se Marina lhe evitava a presença?
Decerto, sofrera muito, antes de conturbar-se... Como não exculpar a loucura de uma noite, num benfeitor de vinte anos? Por que
não morrer, abençoando semelhante dedicação? De que modo condená-lo, se ele, Cláudio, prosseguia ali, paciente e abnegado, tolerando-a?... Recordou a mãe adotiva, imaginou-se à frente da irmã e aspirou, em espírito, à reconciliação com elas... Quem afirmaria que Dona Márcia e Marina também não estivessem sob desequilíbrios ocultos? quem diria com certeza que não fossem doentes? Naquele instante em que se harmonizava com Cláudio, queria igualmente conciliar-se com ambas. Estavam perdoadas por todas as incompreensões e, no íntimo, pedia-lhes perdão por todos os dissabores que, involuntariamente, lhes tivesse causado!... No desfile das reminiscências, Gilberto não faltou. A figura do rapaz surdiu-lhe na cabeça, envolvida das doces vibrações do sonho que lhe constituíra a luz da vida!... Não conseguiria odiar a quem amava tanto!... Gilberto teria encontrado razões para afastar-se dela e também, naquelas reflexões graves e extremas, lhe aparecia na ternura revestido com a beleza de um companheiro amado e limpo!...(Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 236).
Ao enunciar esses pensamentos, Marita sentiu-se mais leve, quase feliz!...
Intentou movimentar-se, gritar ao pai que ela o considerava um homem de bem, que não detinha motivo algum para acusá-lo, que os sucessos na moradia de Crescina tinham sido apenas um lamentável engano, que ela realmente morreria, rogando-lhe, no entanto, viver e continuar a ser bom!... Contudo, só ao pensar no próprio soerguimento, teve a impressão de que se algemava a uma estátua. Nenhuma reação favorável nos membros hirtos, nenhuma voz na garganta que lhe parecia de pedra; todavia, tão grande e tão heróico se lhe externou o esforço da alma renovada, que bagas de pranto lhe rolaram dos olhos semimortos.
Desde esse minuto solene de pacificação, começou a distinguir, vagamente, vozes e formas do plano espiritual, entre alegre e amedrontada, qual se estivesse acordando num clarão traspassado de bruma... Fitando-lhe o semblante orvalhado de lágrimas, Nogueira, reanimado, chamou o médico.
Aquilo não seria indício de reação, de melhora?
O facultativo, porém, meneou a cabeça, circunspecto, e pediu mais tempo de observação, a fim de pronunciar-se, concluindo, no entanto, de si para consigo que a menina se achava em condição pré-agônica, transtornada, delirante... Clareado o dia que antecedeu a noite da desencarnação, o clínico prestimoso convidou Cláudio a entendimento e comunicoulhe,
por fim, que a moça não mais viveria muitas horas. Para a Ciência, tudo terminava... Que ele, pai afetuoso e crente, orasse segundo a fé que alimentava no coração, buscando forças...
Nogueira baixou os olhos e agradeceu, humilde. Telefonou para Agostinho e Salomão, participando-lhes o aviso.
Os amigos vieram à noitinha.

CONTINUA AMANHÃ

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