segunda-feira, 29 de agosto de 2011

SEXO E DESTINO - CHICO XAVIER E ANDRÉ LUIZ - PARTE 57


CONTINUAÇÃO

CAPÍTULO 6

Valendo-nos da condução, seguíamos igualmente para o hospital, em objetivo de serviço.
Enquanto o automóvel chispava, a senhora Nogueira fitava Nemésio ao volante, apreciando-lhe a sisudez aparente e o porte desempenado. Inquietava-se consigo mesma, de vez que refletia naquilo em que não queria pensar. À vista daquele tipo galhardo, indagava-se por que razão Marina preferira o filho ao pai, se o genitor, cavalheiro dinheiroso e simpático, era, em tudo, a pessoa capaz de assegurar-lhe independência e posição.
De quando em quando, envolvia-lhe o perfil numa olhadela mais comprida e concluía, de si para consigo, que a juventude não tinha lógica.
Mais alguns minutos e penetramos no estabelecimento, onde o par foi recepcionado pelo facultativo com quem Dona Márcia se comunicara, momentos antes.
O médico, gentil, notificou ter avisado Cláudio quanto à possibilidade da surpresa, mas Dona Márcia desconversou, para não dar ao pai de Gilberto a impressão de que se dispusera a vir até ali pela primeira vez. Referiu-se à temperatura, comentou particularidades do ambiente, qual se repetisse observações corriqueiras. E o clínico, longe de perceber-se a servir de instrumento, respondialhe às perguntas calculadas, atendendo-lhe, involuntariamente, aos fins em pauta.
Foi assim que, ao transpor a entrada do aposento indicado, Nemésio guardava a convicção de acompanhar um símbolo vivo de ternura materna.
Cláudio, abatido, acolheu, a seu turno, os recém-chegados, entre sóbrio e atento. A princípio, o desconforto íntimo... Depois, a conformação. Sofria demais para escolher discutir e aprendera o (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 225) suficiente, naqueles dias de angústia, para inclinar-se a reclamações.
Aliás, ao facear com Nemésio, endereçou-lhe o olhar do homem atribulado que roga a outro homem comiseração e socorro.
Recebeu-lhe o amplexo franco, depois das apresentações promovidas pela mulher, e imaginou-se na condição de um aluno em exame.
Torres, que ele conhecia tão bem, conquanto a distância, figurou-se-lhe diferente. Sabia-o ostentando-lhe a filha em noitadas vadias e vezes diversas sopitara o ímpeto de esmurrá-lo, ao retirar-se humilhado de recintos alegres para não agüentar desacatos; entretanto, agora lhe contemplava o rosto, imbuído de sentimentos
novos. Identificava-se num teste de compreensão e de tolerância.
Num átimo, associou os ensinamentos espíritas cristãos que lhe metamorfoseavam o íntimo com Marita em decúbito, fixou Nemésio e Márcia, e deduziu que não lhe competia julgar aquele homem que lhe explorava a família. Mecanicamente recordou Jesus e a lição da primeira pedra... Estabeleceu confronto rápido e catalogou-se em nível inferior. Torres entretinha-se com uma jovem que lhe dava liberdade, e filha de outro homem. Ele, porém, não vacilara em abusar da própria filha, depois de encantoála na sombra, através de embuste soez. Com que direito assumiria, ante a própria vítima tombada, o papel de censor?
Indubitavelmente – concluía em reflexões instantâneas –, amigos espirituais traziam-lhe o negociante detestado, experimentando-lhe a renovação. E a ele próprio, também – considerou,humilde – cabia o dever de sopesar as próprias reações, categorizar-se tal qual era, no fundo da consciência.
Naquela prova de segundos, volveu o olhar para a esposa e não mais encontrou em Dona Márcia a inimiga cordial de tantos anos. Aquele semblante embonecado por excessiva maquilagem,
na presença das concepções novas que passara a nutrir, mascarava um coração insatisfeito, cujos desastres haviam sido provocados (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 226) por ele mesmo. Exterminara-lhe os sonhos, logo após o casamento.
Recordou-se de como se enfadara, desapiedado, da esposa, então menina cândida e espontânea, tão-só por vê-la disforme, na gravidez de que Marina sobreviera, e de como transferira, na direção de Aracélia, os instintos de homem selvagem. Desde o choque em que se vira coagida a criar duas filhas, em vez de uma, a personalidade real de Márcia desaparecera. Desequilibrara-se. E ele, ao invés de regenerar-se, recuperando-a, jamais regressara da caça de aventuras. Como exigir contas da mulher, se devia acusarse?
Nada lhe impedia fugir do auto-exame, abraçando conversas triviais; entretanto, inferiu que não conseguiria ausentar-se da própria alma. Mais justo esquadrinhar-se, suportar-se... Percebeu que Nemésio e Márcia, expectantes, lhe estranhavam a atitude e, muito mais para não incomodá-los que por subtrair-se a qualquer crítica, dirigiu o olhar para a filha desfigurada, que somente as energias de Moreira conjugadas com a alimentação artificial retinham no corpo físico, e falou para o genitor de Gilberto, com inflexão de profundo sofrimento: – Veja o senhor... Nossa filha está muito mal... Os recém-chegados fitaram, atônitos, aquele cadáver que ainda respirava...
Sentiu-se Dona Márcia esmagada de assombro, mesclado de piedade, mas reprimiu-se. Torres, por sua vez, apertou os dedos contra as palmas das mãos, num gesto peculiar de nervosismo. A moça descarnada devolvia-lhe a imagem de Beatriz. Recuou, automaticamente, procurando o pai de Marina a fim de exprimir-lhe amizade, mas deparou com Cláudio, de lenço ao rosto, tentando, debalde, sofrear o pranto que lhe escorria do queixo hirsuto.
A senhora Nogueira fez as honras. (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 227).
Conquanto abalada, não somente ao consignar a decadência da pupila, mas igualmente ao testificar a inesperada sensibilização do marido, controlou-se o bastante para falar com desembaraço.
Doseou as verdades que ouvira do médico, respeitando o pesar do esposo, recapitulou a versão do acidente que ela mesma engenhara, para satisfazer aos amigos, e rogou desculpas pelo traumatismo com que Cláudio se apresentava. Confessava-se também machucada – observou, polidamente –; contudo, ao ver o
marido subjugado pelo desgosto, não tivera outro recurso senão reabilitar a resistência própria, a fim de que não escasseasse comando
à situação.
O esposo, em lágrimas copiosas, compreendeu que ela mentia para impressionar e que enfileirava frases bem-postas, no intuito de dar a entender que não arredava pé do hospital; no entanto, não lhe rebateu as afirmativas.
Limitava-se a chorar em silêncio. Em lugar da indignação a que se rendia, em outros tempos, quando a via fingir, penalizavase agora. Imaginava-se na posição do viajor que houvesse espalhado farpas em todo o caminho, por onde seria fatalmente impelido a regressar...
Confirmando-lhe as impressões, Dona Márcia levantou-se e, contendo a repugnância que o cheiro desagradável do leito lhe causava, ajeitou os travesseiros da filha inanimada, derramou algumas palavras de carinho e, verificando que Nemésio se mantinha constrangido no ambiente que as exalações do processo renal tresandava, conclamou ao regresso.
Não seria lícito reter o senhor Torres por mais tempo, alegou.
Quanto a ela, que Cláudio a esperasse. Voltaria mais tarde.
Despedidas e protestos de solidariedade surgiram à tona.
O irmão Félix, presente, seguira o encontro em todas as minúcias e ponderou que se eu volvera ao estabelecimento, em

CONTINUA AMANHÃ

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