domingo, 28 de agosto de 2011

SEXO E DESTINO - CHICO XAVIER E ANDRÉ LUIZ


CONTINUAÇÃO

– Oh! mas não se preocupe, de modo algum; afinal, não sou mais uma criança... – Sim, mas o senhor compreende... Enquanto sua esposa estava de cama, a permanência de minha filha em sua casa era justa, mas agora... Sei que Marina não se encontra no convívio de estranhos, o senhor para nós não é somente o diretor da firma em que ela trabalha, o senhor para ela é também um amigo, um protetor,
um pai... – Muito mais do que isso!...
A senhora Nogueira estremeceu. Que projetava dizer o entrevistador com semelhante afirmação, diante das frases que articulara intencionalmente reticenciosas, aguardando que ele lhe fornecesse alguma esperança positiva no enlace próximo dos filhos?
Sem querer, tornou a refletir, de escantilhão, nas suspeitas de Cláudio. Os passeios e divertimentos do abastado comprador de imóveis com a menina, que ela admitira fossem apenas motivos de consolação para um velho sofrido, assumiriam o aspecto inconfessável que o marido lhes conferia? “Muito mais do que isso!...”
Aquelas palavras, no tempero de ternura com que eram ditas, varavam-lhe a cabeça. Acordavam-na para a realidade que nem deleve pressentira. Ainda assim, não se dispunha a acreditar. Impossível! impossível que Marina... Num átimo, empregou toda a sua curiosidade feminil no rico negociante, fisgando-o, de alto a baixo. Excessivamente humana
para não examinar o jogo em que se encontrava sem conhecer exatamente a posição que lhe competia na defesa do próprio interesse, descobriu no viúvo, que supusera arcaico e patriarcal, atrativos marcantes, suscetíveis de impressionar favoravelmente qualquer moça desprevenida. Conhecia Gilberto em pessoa, classificando- o, aliás, como sendo um rapaz notável; entretanto, concluía, ali, que o velho ganharia do moço em qualquer torneio de sedução. Ela que se orgulhava de experiências avantajadas, em (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 221) matéria de ligações afetivas, receava agora... Quis falar, inventando uma saída brilhante, mas engasgava-se. Os olhos conquistadores, na elegância daquele Brummel amadurecido e circunspecto, perturbavam-na.
Tremeu, desconcertou-se.
Nemésio sorriu, atribuindo-lhe a emoção ao contentamento de mãe que se garante, quanto ao futuro da filha, e observou: – A senhora não tem razões para afligir-se. Marina é credora de minha melhor consideração. Esteja convicta de que, nestes dois meses de trato diário, ela vem desfrutando a maior liberdade em minha casa. É hoje dona de nossa absoluta intimidade. Estou certo de que a senhora é dama de nossa época, sem clausura e sem preconceitos. Não se agastará, desse modo, ao saber que Marina em meu lar faz o que quer, gasta o que quer, dorme onde quer, sem que ninguém a incomode... Dona Márcia escutou as alegações com deferência e inferiu que Nemésio lhe estimava a filha desinibida, liberta. Mesmo assim, ficou sem saber onde Torres, pai, diligenciava chegar, em se reportando à independência que Marina usufruía... Não lograva perceber em que situação o cavalheiro a desejava mais livre, se junto dele ou se junto do filho... Hábil o suficiente para não se arriscar a qualquer apreciação capaz de arruinar-lhe vantagens futuras, recompôs as energias, esboçou um sorriso brejeiro e falou, afável: – Bem, eu não tenho uma filha namorando, no tempo dos mártires; no entanto, gostaria que o senhor fosse mais explícito... E, deixando-a quase a estatelar-se de pasmo, Nemésio copiou a doçura de um menino e confessou-lhe o próprio romance. Amava-lhe a filha, aspirava ao matrimônio. Enlutara-se, mas, em breves semanas, o tributo social desapareceria. Que ela, Dona Márcia, conservasse o segredo perante o marido. Rendera-se-lhe (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 222) ao entendimento afetuoso e extravasara o coração, solicitando-lhe auxílio.
Ante aqueles olhos dominados de assombro, que ele interpretava por júbilo materno, relacionou parte da fortuna que amontoara.
Enumerou seis dos melhores apartamentos que possuía, alugados em condições excelentes, salientou os negócios da imobiliária, cujos lucros eram satisfatoriamente compensativos, embora manejasse capitais alheios, a juros módicos, para os empreendimentos de maior vulto.
A senhora Nogueira sentia-se perplexa, esmagada. Não sabia em que pensar, se no inusitado da situação, se na sagacidade da filha. Reconhecia-se excedida em astúcia, atirada para trás.
Em fração de segundos, imaginou a posição de Gilberto. Como estaria o rapaz, arrebatado à outra?
Mulher experiente, conquanto, por vezes, chegasse a conclusões tardias quanto ao esposo e à filha, em matéria de inclinação e conduta, não se enganava sobre as ligações que Nemésio intentava esconder na conversação deleitosa. A inflexão apaixonada com que o viúvo esmaltava cada frase, no momento em que as flores no sepulcro da morta não haviam emurchecido, dispensava para ela quaisquer circunlóquios. Aquele homem lhe mencionava a filha, não na expectativa do admirador ingênuo, mas sim com a certeza do amante consolidado.
A que estouvamentos se entregara Marina, no lar dos Torres? – conjeturava, inquieta. Se empolgara o próprio chefe, enredandolhe o espírito nas teias de lamentável alucinação, que procedimento adotara perante o jovem, alterando-lhe os rumos? Inferindo,
porém, que as qualidades de Nemésio, com os cabedais financeiros de que se seguiam, não eram, em seu conceito, um partido para desprezar, ouvia tudo, imobilizando um sorriso complacente no rosto. (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 223)
Quando se dispunha, no entanto, a mergulhar no assunto, o telefone chamou.
A campainhada valeu-lhe por desafogo. Intervalo providencial que lhe modificava o pensamento, conferindo-lhe tréguas para analisar os episódios em curso.
Era o médico amigo, em aviso confidencial.
Satisfazendo-lhe a solicitação, formulada dias antes, participava-lhe a piora de Marita. Se desejasse vê-la com vida, não atrasasse a visita. Cláudio não compreendia a gravidade do problema e ainda sonhava com o reerguimento da moça; entretanto, nele, cínico amadurecido, já não havia lugar à esperança. Reportou-se à peritonite, ao processo renal, à caquexia, às feridas que haviam surgido das contusões... Dona Márcia agradeceu e fez-se pálida, a tal ponto, que Nemésio se viu forçado a correr de um lado para outro, a fim de ampará-la. Inteirando-se do que ocorria, ofereceu-se para conduzi-la até o leito da filha. Explicou que usufruiria não somente a satisfação de acompanhá-la, como também aproveitaria o ensejo para cumprimentar a jovem acidentada e levar um abraço pessoal ao pai de Marina, que considerava, antecipadamente, um amigo e familiar.
Assustada, aflita, a senhora Nogueira aceitou e, a breves instantes, os dois se punham de automóvel, a caminho do hospital, com as aparências de um casal elegante e feliz, rolando sobre o asfalto para uma visita de cerimônia.

CONTINUA AMANHÃ

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