sábado, 27 de agosto de 2011

SEXO E DESTINO ´CHICO XAVIER E ANDRÉ LUIZ - PARTE 55


CONTINUAÇÃO

atração. À frente do choro pungente, ambos fitavam-na, enternecidos, exprimindo reconhecimento nos olhos, cada qual desejando nela a companheira ideal para casamento próximo, sem a menor suspeita, quanto às convicções um do outro.
Naquela mesma noite, assinalei a falta de Dona Beatriz no ambiente caseiro.
O afastamento da filha de Neves e dos amigos espirituais que lhe freqüentavam a companhia deixara a vivenda qual praça desarmada de quaisquer recursos que lhe garantissem a ordem.
Transcorrido algum tempo sobre o velório em si, vagabundos desencarnados nele tiveram acesso livre.
O nível dos pensamentos descambou para a conversação libertina.
Nem mesmo a dignidade que a morte infundia ao recinto foi acatada. Relatos jocosos irromperam, suplementados pela chacota dos próprios anedotistas. Um dos presentes comentou, entusiasta, os espetáculos debochados de que fora testemunha, em recente viagem ao estrangeiro, suscitando o interesse de vampirizadores que ouviam as narrações, seduzidos pela tentação de repeti-los, na versão deles próprios.
Não contentes, por fim, com os licores aristocráticos, desde muito guardados nos armários da família, beberrões encarnados e desencarnados impeliram Nemésio à encomenda telefônica de vinhos e uísques, rapidamente gorgolejados por gargantas sequiosas.
O irmão Félix, prevendo a leviandade, recomendara se aplicasse,à matrona desencarnada, recursos anestesiantes, a fim de que se lhe mantivesse o isolamento do licencioso festim, praticado em nome da solidariedade afetiva perante a morta.
Os derradeiros afeiçoados de Beatriz, no plano espiritual, se retiraram, discretos, e nós mesmos não tivemos outro recurso senão largar a residência, alta madrugada, depois do socorro a (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 217)
Marina, relegando os despojos da nobre senhora às grossas nuvens de emanações alcoólicas que instalavam, por toda a habitação, atmosfera dificilmente respirável.
Somente no dia seguinte, acabados os funerais, voltei do hospital ao ninho dos Torres, onde a filha de Cláudio se demorava.
Telefonemas diversos, entre mãe e filha, examinavam a nova situação. Dona Márcia reclamava o regresso, Nemésio desejava que a secretária lhe amparasse a moradia. Ele próprio, em dado momento, chamou Dona Márcia pelo fio, solicitando-lhe concessões.
Que Marina permanecesse orientando as servidoras que lhe atendiam a casa. Mais algumas semanas e tudo se aclararia satisfatoriamente.
A senhora Nogueira, honrada com a gentileza, não vacilava confiar. Aquiesceu lisonjeada, feliz.
Em cada frase que o chefe lhe deitara de longe aos ouvidos, pressentia a aliança de Nogueiras e Torres pelo casamento entre os jovens.
Marina, entretanto, explorada nas próprias energias pelos agentes da perturbação que Moreira lhe pespegara, definhava no leito. Trancara-se no quarto. Doía-lhe a deslealdade que cultivara, incessantemente, diante da filha de Neves, culpava-se pelo desastre que arruinara Marita, a quem não tinha coragem de visitar ou rever. Ela que se vira, até então, vitoriosa em todas as partidas, sentia-se derrotada, à feição de contendor arredado da arena pela própria imperícia. Chorava. Ouvia vozes, declarava-se perseguida por vultos estranhos. Fugia de todos, enfadada, nervosa. Se recebia Nemésio ou Gilberto, caía em crise de pranto que os conselhos não removiam e nem os medicamentos conseguiam sedar.
Escoados cinco dias de apreensões, Nemésio telefonou para Dona Márcia, com mais clareza, rogando-lhe permissão para um entendimento pessoal, no Flamengo, na manhã seguinte. Informa (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 218) do de que o chefe da família Nogueira não poderia afastar-se do hospital, insistiu com a interlocutora para que lhe acolhesse a visita. Marina andava abatida. Tencionava levá-la a Petrópolis.
Mudança de ares, renovação de paisagem. A menina tombara em prostração, à face dos sacrifícios que lhe exigira a esposa morta.
Pretendia homenagear-lhe a dedicação, com a permanência de alguns dias no clima serrano, mas, para isso, estimaria ouvir a família, fazer planos.
Dona Márcia, aspirando a expor respeitabilidade familiar, indagou se Gilberto iria também, como que temendo acumpliciar-se em alguma ligação indesejável e prematura entre os jovens. Nemésio, porém, apaixonado bastante pela moça, não era capaz de penetrar a sutileza da esposa de Cláudio, que assim se exprimia no intuito de fazer-se passar, diante dele, por severa guardiã das virtudes domésticas; e a senhora Nogueira, aguardando Gilberto para genro e ignorando a intimidade entre a filha e Torres, pai, não atinava, em toda a extensão, com aquele efusivo atestado de garantia moral que Nemésio, automaticamente, lhe oferecia, pedindo-lhe confiança.
Estivesse tranqüila. A moça seguiria exclusivamente com ele e uma governanta. Mais ninguém.
Dona Márcia louvou a medida, agradeceu.
Mesmo assim, a entrevista ficou marcada para o dia seguinte.
No momento aprazado, acompanhamos Nemésio ao Flamengo, como quem estuda ingrediente perigoso, antes de aditá-lo a processo curativo em andamento.
A recepcionadora não esqueceu particularidade alguma do bom-tom, à vista do luto em que os Torres haviam entrado.
Enfeites discretos na sala, hortênsias azuis, conjunto de peças em roxo para o café. (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 219).
O negociante quedou agradavelmente surpreendido. Cumprimentando a anfitriã bem-apessoada num modelo de algodão transparente e suave, não sabia se a progenitora era uma segunda edição da filha ou se lhe cabia interpretar a filha por segunda edição dela.
Comodamente sentados, a palestra começou pela troca de sentimentos recíprocos. Pêsames pela morte de Dona Beatriz, pesar diante do acidente ocorrido em Copacabana. Moléstia de Marita, cansaço de Marina. Devotamento de Cláudio pela filha hospitalizada. Elogio a parentes. Apontamentos ao redor das aperturas da vida.
Dona Márcia, com requintes de apresentação, comentava todos os assuntos propostos, com aprumo de inteligência. Otimismo irradiante, finura de trato.
Nemésio, encantado, fumava e sorria, admirando-lhe a personalidade.
Conversa vai, conversa vem, a viagem a Petrópolis surgiu à tona e o diálogo mais vivo desenrolou-se entre aquela que o visitante esperava para sogra e aquele com quem a interlocutora não contava para genro. – A senhora descanse – recomendava Torres, eufórico –, Marina seguirá em minha companhia, tudo em ordem. Creia que a mudança de ares é a terapêutica adequada. A pobrezinha merece repouso, excedeu-se em trabalho... – Não tenho objeções – acentuou a genitora de Marina, estranhando o lume daqueles olhos percucientes que lhe investigavam as reações –; no entanto, o senhor sabe... Sou mãe. Além disso, tenho o marido ocupado com a outra filha que, apesar de adotiva, é para nós um pedaço do coração... Uma viagem, assim, à pressa...

CONTINUA AMANHÃ

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