sexta-feira, 26 de agosto de 2011

SEXO E DESTINO - CHICO XAVIER E ANDRÉ LUIZ - PARTE 54


CONTINUAÇÃO

CAPÍTULO 5

No entardecer do dia imediato, enquanto seguíamos de perto a crescente renovação íntima de Cláudio que, por algumas vezes, já conseguira se entender com Agostinho, adquirindo mais amplos recursos de cultura espírita, a filha de Aracélia repousava, sob o
patrocínio de Moreira, que se reconfortava ao identificar o resultado compensador do próprio esforço. Ele mesmo, agora, compreendia que a moça se lhe afinava, com mais segurança, ao apoio
fluídico. E regozijava-se com isso.
A Providência Divina abençoava o lavrador bisonho, propiciando-lhe a ventura de contemplar os grelos promissores das primeiras sementes do bem que ele plantava.
Se algo distante do posto, durante alguns minutos, a jovem, cujo corpo espiritual se revestia de inexprimível suscetibilidade, em vista do desgaste físico, passava a gemer, denotando sofrimento agravado, para calar-se, em súbita acalmia, tão logo o sustentador retomasse a posição.
Moreira sentia-se útil, orgulhava-se. Encontrava motivos para conversar conosco, permutando impressões. Solicitava esclarecimentos, a fim de entrar em processos mais eficazes de auxílio.
Adquirira interesse para o trabalho. Assemelhava-se a um homem que houvesse debalde suspirado, muito tempo, pela condição de pai e, tendo achado uma criança, conseguira com ela ocupar o vazio do coração.
Cláudio, a seu turno, não se circunscrevia à própria transformação.
Desdobrava-se por dispensar à filha todo o carinho e toda a assistência de que se via capaz.
O facultativo amigo trouxera pela manhã um neurologista.
Falou-se em modificação do tratamento e na conseqüente internação da menina numa casa de saúde em Botafogo; entretanto, a (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 213) peritonite desaconselhava a mudança rápida. Por essa razão, concordou-se na aplicação maciça de antibióticos, até que a melhora
esperada autorizasse a medida.
O genitor não regateava cuidados, nem desencorajava qualquer providência tendente a socorrê-la, custasse o que custasse.
Chegada a noite, o irmão Félix veio até nós e, após felicitar Moreira pela tarefa que realizava, participou-nos a desencarnação de Dona Beatriz.
A esposa de Nemésio desligara-se, enfim, do corpo que o câncer combalira.
Verificada a estabilidade dos serviços em andamento, o instrutor convocou-nos a tomar-lhe o rumo, na direção dos Torres.
Seguimos.
De jornada, conquanto discreto, desabafou-se.
Preocupava-se por Marina. Indispensável protegê-la contra a obsessão começante.
Afastara-se Moreira; no entanto, permaneciam lá, no pátio interno, os arruaceiros e vampirizadores que ele contratara. Perseguidores gratuitos e infelizes que, inevitavelmente, trariam outros para tumultuar a vida mental da moça, comprometida pelo remorso.
Os termos e a inflexão de voz do irmão Félix acentuavam-lhe a grandeza de alma. Ele não via na filha de Dona Márcia a jovem corrompida que nós mesmos, em alegações destituídas de qualquer malícia, não hesitávamos enquadrar nas linhas da prostituição, nem lhe conferia certificado de aviltamento nas idéias recônditas.
Reportava-se a ela, como quem menciona terra nobre que a desídia do cultivador entrega à serpente. Marina, na conceituação dele, era uma filha de Deus, credora de veneração e ternura. Confiava nela, esperaria o futuro. (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 214)
Antes, porém, que as circunstâncias me exigissem algum pronunciamento, esbarramos com a moradia da família que a morte visitara.
Entramos atentos.
Lustres providos de luz intensa punham à mostra a reduzida assembléia que se habilitava ao velório.
Aqui e ali, frases convencionais, atiradas sem maior sentimento aos ouvidos do esposo e do filho da senhora desencarnada.
Nemésio e Gilberto não entremostravam grande pesar nas fisionomias cansadas e impassíveis. A moléstia prolongada no reduto doméstico estragara-lhes a resistência para a representação de peças sociais, mesmo singelas. Amarrotados pelas vigílias consecutivas, não ocultavam a própria desopressão. Referiam-se à morta, no feitio de um viajor atormentado que, de há muito, deveria
ter ancorado no porto do extremo refrigério.
O invólucro abandonado por aquela alma boa e veneranda recolhia atenções especiais, para apresentar-se no catafalco de luxo, ao passo que ela mesma, inconsciente, se asilava nos braços de irmãs afetuosas, sob o olhar comovido de Neves e de outros familiares em carinhoso desvelo.
O irmão Félix, assumindo o comando, deu instruções.
Beatriz, que se preparara laboriosamente para aquela hora, seria conduzida, com presteza, à organização socorrista do plano espiritual, no próprio Rio, até que restaurasse as forças, de modo a seguir viagem.
Tudo harmonia nas disposições traçadas.
Entretanto, quando o triste retrato físico de Dona Beatriz foi trazido ao estrado de repouso que se lhe improvisara, Marina apareceu em pranto de compunção. Chorava, tocada de dor sincera e inexprimível. Parecia, naquela reunião de etiqueta, a única (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 215) pessoa ligada por laços de amor à piedosa dama, que encerrava, calada e humilde, a derradeira página da existência naquela casa que a fortuna abrilhantava. Ao fitar aquele corpo hirto, caiu de joelhos, em lágrimas copiosas. Invejou aquela cujo último sorriso de complacência ali se estampava sereno, qual se estivesse satisfeita por deixá-la no lugar que ocupara, durante tantos anos, ao pé de um esposo que a enganara sempre.
Ah! Dona Beatriz!... Dona Beatriz!...
As palavras soluçadas escapavam daquele peito juvenil, como se quisessem traçar uma longa confissão.
Acercamo-nos da moça, no propósito de auxiliá-la; entretanto, Félix considerou que o desafogo lhe faria bem. Marina, fatigada de insônia e desgastada pela ação dos obsessores que lhe exauriam as forças, sentia medo.
Contemplava o envoltório descarnado de Dona Beatriz, através das lágrimas, refletindo nos segredos da morte e nos problemas da vida...
Se a alma sobrevivia ao corpo – pensava, inquieta –, decerto que a senhora Torres vê-la-ia agora sem o mínimo subterfúgio.
Certificar-se-ia de que ela fora, ali, não a enfermeira espontânea e sim a mulher que lhe dominava o esposo e o filho... Atemorizada, rogava-lhe entendimento, perdão.
Que diria aquela boca silenciosa para ela, se pudesse falar, depois de auscultar a verdade?...
Beatriz, porém, naquele instante conduzida ao refazimento, jazia inacessível às complicações da sociedade terrestre. E, em lugar dela, era o próprio remorso que se lhe alteava na imaginação,
acusando, acusando...
A mágoa da jovem provocava simpatia nos circunstantes e despertava, tanto em Nemésio quanto no filho, novos motivos de

CONTINUA AMANHÃ

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