quarta-feira, 24 de agosto de 2011

SEXO E DESTINO - CHICO XAVIER E ANDRÉ LUIZ - PARTE 52


CONTINUAÇÃO

dispunha de meios para recuperá-la e que o óbito era questão para daí a alguns dias. O facultativo solicitara-lhe atenções especiais para Cláudio, esmagado de angústia. Recomendara-lhe nada dizer
ao marido, quanto à opinião aberta que expunha, parecer que formulava apenas para com ela, ao reconhecê-la mais calma, diante do sofrimento. Que ela, na condição de mãe, se premunisse contra emoções muito fortes, a fim de sustentar a família, no transe que sobreviria, a qualquer momento.
Aquelas elucidações, no silêncio, feriram Moreira nas últimas fibras.
As notícias médicas, assim desdobradas, portavam para ele os efeitos de um tiro.
Não se resignava à idéia de perder Marita, no plano físico.
Ela, inconscientemente, despendia recursos fluídicos que se casavam com os dele, fornecendo-lhe sensações de euforia, robustez.
Retirava dela os estimulantes mentais que lhe vigorizavam a masculinidade, tanto quanto se valia habitualmente de Cláudio, para viver sobre a Terra como qualquer ser humano.
Entre a frustração e a inconformidade, designou Marina com um nome chulo e justificou-se, diante de mim, quanto à determinação de puni-la. Infantilizado, colérico, bradou que nós ambos víamos, juntos, o regozijo com que cismava no infortúnio da outra; que eu não lhe podia negar a frieza de sentimentos; que a minha palavra apoiasse a dele, em momento oportuno; que eu lhe servisse de testemunha.
Marina, porém, continuava meditando, aclarando, qual se aditasse, espontaneamente, impressões marginais ao tema que Moreira lhe propusera.
Amava a Gilberto, sim. Apenas a ele. Descobriria recursos para desvencilhar-se de Torres, pai. Quanto mais corria o tempo, com maior segurança afiançava a si mesma pertencer ao rapaz. (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 206)
Anelava desposá-lo, ser-lhe a mulher em casa e mãe de seus filhos...
No entanto, quando o esboço do lar futuro se lhe configurou na imaginação, o meu interlocutor arremeteu-se contra ela e bramiu: – Nunca!... Você nunca será feliz!... Você matou sua irmã... Assassina! assassina!... Agredida sem que me fosse permitido protegê-la, porquanto aminha interferência isolada se fazia desaconselhável, a benefício dela mesma, a jovem experimentou-se invadida de estranho malestar.
Aquelas incriminações percutiam-lhe fundo, qual se alguém lhe varasse o pensamento.
Ofegou em desassossego.
Começou a refletir, acerca de Marita, sob novos aspectos, estabelecendo confrontos. Debalde esgrimia idéias, tentando impugnar o remorso que se lhe infiltrava na consciência. Julgava contraditar-se. Gemia em desconforto. Ignorava-se em luta com uma Inteligência que se lhe mantinha invisível, a pedir-lhe contas do proceder. À medida, porém, que o adversário martelava as censuras, às quais aderia por saber-se culpada, passou a perder posição. Enevoava-se-lhe o raciocínio, mobilizou todas as energias para não desmaiar, temia a loucura... O contendor desafiara a fortaleza, proclamando-lhe as brechas.
A fortaleza resistiria, incólume, se fosse inteiriça; entretanto, as brechas existiam e, por elas, o inimigo lançava petardos de maldição e sarcasmo, gerando a demência e invocando a morte.
Em vão, diligenciei no silêncio, articulando agentes mentais de auxílio para que a vítima se libertasse; contudo, a menina, bastante hábil para movimentar-se, entre os homens, sem comprometer-
se na superfície das circunstâncias, jazia desarmada de (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 207) conhecimento enobrecedor, com que se advertisse, recuando na trilha percorrida para adotar direção diferente.
Marina, à mercê da força que lhe espatifava os recursos psíquicos, sentia-se derrotada... Da impassibilidade ante o desastre ocorrido com a irmã, transferiu-se à opressão, ao temor...
Ao toque do inquisidor que lhe vasculhava a cabeça, começou a imaginar que Marita, em verdade, não intentaria o suicídio, se nela houvesse achado uma companheira honesta e piedosa.
Rememorou a noite em que divisara Gilberto pela primeira vez. O jovem saía de um cinema, em companhia da irmã, amparando-a contra a chuva. Tamanha a doçura daqueles olhos, tão grande o carinho daqueles braços!... Julgou encontrar Nemésio mais moço. Comprometida com Torres, pai, presumia enxergar no filho os atributos de juvenilidade que lhe faltavam... Capricho ou afeição, apaixonara-se pelo rapaz, cortejara-o abertamente. Enlaçara-o com os dotes de inteligência, até acender-lhe na alma entusiasta o anseio de compartilhar-lhe sonhos e emoções. Convidara-o a entretenimentos, agarrara-lhe o coração. Instalara nele a necessidade dela, tornara-o dependente, escravo. Manobrava-o inteiramente, o que a irmã, inexperiente e sincera, não se animara a fazer, conquanto lhes conhecesse, através dele próprio, o compromisso oculto. Ao sabê-lo aprisionado à outra, requintara-se, aliás, nos processos de sedução. Acariciava-o, impunha-se, manietava-o, à maneira da aranha entretecendo o fio veludoso para cativar o inseto que se dispõe a devorar... Perante o libelo do juiz inesperado, perguntava-se pela tranqüilidade própria. Examinando escrupulosamente as atitudes que assumira, verificava, espantada, que lesara a si mesma. O remorso figurou-se-lhe trado invisível a verrumar-lhe o crânio. Lágrimas abundantes lhe subiram do peito aos olhos, lembrando jorros de (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 208) água que a broca somente consegue arrancar, ao subsolo, ao tatear lençóis mais fundos.
O médico, assistido pessoalmente pelo dono da casa, apanhou-a em crise de pranto. Não obstante apreensivo, consolou-a, erguendo-lhe o ânimo. Falou em cansaço. Elogiou-lhe a pontualidade e o devotamento de enfermeira, prescreveu-lhe tranqüilizantes.
Que ela repousasse, que não desamparasse a si mesma.
Marina, porém, não ignorava que a consciência se debatia em pânico, que era inútil qualquer tentame para largar o foro íntimo.
Quando o facultativo se despediu, retomou o choro convulso, diante de Nemésio que, intimidado, trancou a porta e se abicou, junto dela, no intuito de confortá-la e confortar-se.
Constrangido a facear com a cena de ternura, sem fundamentos de afeição recíproca, inquietei-me por Moreira, que zombeteava, lançando frases ultrajantes.
Nemésio rogava à moça tratar-se, refazer-se. Tivesse paciência, que se regozijassem ambos. Nada além de mais alguns poucos dias e estaria em pessoa, no Flamengo, para os derradeiros arranjos do casamento. Contava com ela e queria fazê-la feliz. Encantado, beijava-lhe o rosto molhado, qual se aspirasse a sorver-lhe as lágrimas, enquanto que a jovem, francamente conturbada, lhe arremessava olhares de esguelha, entremeados de compaixão e repulsa.
Convidei Moreira à retirada. Ele, porém, desapiedado, indagou se me falhava a coragem para conhecer Marina, tanto quanto ele, e, porque me inclinasse a defendê-la, acrescentou que não se achava ali na posição de carrasco. Escarninho, recomendou-me não acusá-lo, asseverando que detinha tanta culpa na indisposição da jovem quanto aquela que teria um bisturi na ablação de um tumor.

CONTINUA AMANHÃ

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