segunda-feira, 22 de agosto de 2011

SEXO E DESTINO - CHICO XAVIER E ANDRÉ LUIZ - PARTE 50


CONTINUAÇÃO

com relativa segurança; contudo, estava hemiplégica, nada enxergavae extinguira-se-lhe a fala, de modo irreversível. A princípio,admitiu-se acordando no sepulcro. Ouvira muitas narrações, alusivasa mortos que despertavam no túmulo, lera depoimentosrelacionando sucessos dessa ordem e assistira a vários filmes dehorror. De alma opressa, supunha-se num transe desses, estendidaali no leito que tomava por ataúde, no silêncio de aflições inapeláveis... Forcejava por gritar, reclamando socorro; no entanto, veio-lhe a idéia de haver esquecido o processo de articular as palavras. Sabia-se pensando com a própria cabeça, mas ignorava agora os movimentos coordenadores da voz. Apesar de tudo, reconhecia-se consciente. Sentia, memorizava. Recordou os acontecimentos que lhe haviam inspirado o propósito de morrer. Arrependia-se. Se a vida continuava, para que provocar o fim do corpo? – considerava, desditosa. Lembrou as ocorrências da Lapa, a entrevista com Gilberto pelo telefone de Dona Cora, os comprimidos
de Salomão, o sono à frente do mar, o desconhecido prestes a assaltá-la, a corrida para o asfalto, a queda sob o automóvel em movimento... Depois, aquilo ali... O corpo estatelado que lhe parecia de pedra, a consciência ativa, as percepções aguçadas e a incapacidade de expressão... Intimamente, o esforço desesperado para fazer-se notar; no entanto, sentia-se entalada por gargalheira de chumbo. Irritou-se, debalde. Fremia de impaciência, de espanto, de dor... Mágoa e revolta, petitórios e indagações esmaeciamse-lhe, imanifestos, no âmago do ser. Por mais se empenhasse a chorar, desoprimindo-se, as lágrimas se lhe represavam no peito, sem nenhum canal que lhe extravasasse as agonias. Os olhos, tanto quanto a língua, se lhe figuravam desligados do corpo... Estaria morta – perquiria a jovem num misto de perplexidade e sofrimento –, ou quase a morrer?
Escutou os passos da enfermeira de plantão e registrou a respiração sibilante do pai, sem a possibilidade de identificar-lhes a (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 198) presença e, em vão, tentou pedir explicação para o cheiro nauseante que a cercava.
Transcorridas duas horas de angústia recôndita, que Moreira assinalava com acuidade e precisão, a moça como que se aquietou, mentalmente, e perscrutando-lhe, por minha vez, o campo íntimo, notei que se fixava lamentavelmente em Marina.
O companheiro desencarnado que, até então, se fazia suporte psíquico de Cláudio e que necessitava de base moral para garantir o próprio reequilíbrio, encontrou pasto robusto a nova desorientação.
Descobri o perigo, sem poder conjurá-lo.
Percebendo-se demitido da complacência do amigo que se lhe transformara em joguete, procurava-lhe na filha motivos outros em que se lhe facultasse permanecer atrelado à demência.
De nossa parte, não era possível pressionar a menina acidentada, no sentido de lhe sustar as lamentações. Qualquer dispêndio de energias, além das estritamente necessárias ao seu sustento, poderia precipitar-lhe a desencarnação.
Insciente das complicações que gerava com semelhante procedimento, a filha de Aracélia reconstituiu na imaginação as aperturas da existência. Acusava a irmã por todos os infortúnios.
Exibia-lhe a figura na tela da memória como sendo a inimiga imperdoável... Marina a furtar-lhe as carícias maternas, Marina a surripiar-lhe as oportunidades, Marina a roubar-lhe as afeições.
Marina a subtrair-lhe o eleito dos sonhos juvenis... Não valeram ponderações que lhe endereçávamos, inquietos.
A influência de Moreira, que lhe amimalhava as incriminações, surgia naturalmente muito mais vigorosa para ela, que diligenciava encontrar simpatia e adesão. (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 199)
Aquela desventurada menina desconhecia os poderes do pensamento.
Não sabia que, fora da indulgência e da brandura, invocava desagravo e, assim procedendo, não apenas enredava a família em duras provações, mas igualmente punha a perder o valioso trabalho de recuperação daquele amigo necessitado de afeição e
de luz.
O ex-assessor de Cláudio, ao absorver-lhe as confidências mudas, em que relacionava os pesares mais íntimos, dos quais não tivera ele conhecimento, retomava, a pouco e pouco, a brutalidade que, anteriormente, lhe marcava a expressão.
Esvaeciam-se-lhe as melhoras de espírito.
A pretexto de auxiliar a protegida, reavivava os instintos de vingador.
O olhar que se adoçara de compaixão, readquiriu a lividez dos alienados. Sumiram-se todos os indícios de retorno à sensatez e à humanidade que patenteava, desde o momento em que renteara com a moça abatida.
Inútil seria qualquer tentame para reconduzi-lo à serenidade.
Embebendo-se nos queixumes daquela que classificava como sendo para ele a mulher querida, restaurava em si mesmo a selvageria da fera sequiosa de sangue. Respondendo-nos às petições de
calma e tolerância, clamava que não, que não... Ninguém o faria renunciar à guerra pela tranqüilidade daquela que amava; alegava desconhecer, até então, o martírio que a irmã lhe aplicara durante a vida inteira e insistiria no desforço... Ao vê-lo abandonar o serviço a que voluntariamente se impusera, incapaz de refletir nas conseqüências da própria deserção, compreendi que o ex-obsessor convertido em amigo fora assaltado por crise de loucura e inclinei-me a considerar se o irmão Félix não errara solicitando a permanência de Marita no corpo desarticulado, tal a extensão dos males que o ex-vampirizador seria (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 200) capaz de estender, a partir daquela hora; no entanto, reprimi-me... Não! eu não detinha o direito de julgar o companheiro destrambelhado que se afastava de nós, enquanto o sol da manhã se aprumava no céu. O irmão Félix sabia o que fizera e, com certeza, em outro tempo, não me desequilibrara e nem desacertara em ponto menor...
Competia-me simplesmente trabalhar, socorrer.
Transferi nossos encargos às atenções de Arnulfo e Telmo e demandei a residência dos Torres, o único lugar para onde Moreira, a nosso ver, decerto rumaria.
Entrei...
Na casa silente, cochichava-se a medo. Lágrimas no semblante dos servidores humildes.
Dona Beatriz, em coma, esperava a morte.
Neves e outros afeiçoados do mundo espiritual rodeavam o leito. Dedicada enfermeira observava a senhora prestes a mergulhar no grande repouso, diante de Nemésio, Gilberto e Marina, que se acomodavam a pequena distância.
Aturdido, porém, verifiquei que Moreira não se achava ainda aí. A surpresa, entretanto, se desfez para logo, de vez que, transcorridos alguns momentos, o ex-acompanhante de Cláudio, seguido por quatro camaradas truculentos e carrancudos, penetrou, desrespeitosamente, o recinto... E, sem a menor comiseração pela agonizante, acercou-se da filha de Dona Márcia e gritou, encolerizado: – Assassina!... Assassina!...

CONTINUA AMANHÃ

Nenhum comentário: