domingo, 21 de agosto de 2011

SEXO E DESTINO - CHICO XAVIER E ANDRÉ LUIZ - PARTE 49


CONTINUAÇÃO

as nódoas da alma; entretanto, que a filha vivesse e fosse feliz!... E, se lhe cabia continuar, ainda, no mundo, transportando no peito a angústia daquela hora, que a deixassem mesmo assim, abatida e muda, em seus braços! Teria forças para carregá-la. Serlhe-ia apoio, refúgio!... Que ela ficasse! que se lhe desse oportunidade de transfigurar, junto dela, todos os caprichos de homem rude em manifestações de amor puro... Aconchegá-la-ia, de algum modo, ao coração. Obteria uma cadeira de rodas, conduzi-la-ia a qualquer parte. Acolheria sem reclamar quaisquer obstáculos; entretanto, implorava à Providência Divina poupasse Marita ao gládio da morte para que não faltasse a ele o ensejo de reajuste e reparação!...
Abracei-o, sugerindo-lhe esperança. Que não esmorecesse.
Confiasse. Quem estaria na Terra, sem problemas? Quantos, naquela mesma hora, em outros lugares, se achariam em lutas semelhantes? Aquele volume, que lhe sacudia o pensamento, se mantinha, ali, qual sinal de trânsito, na estrada do destino. Valia interpretar o remorso por marca vermelha, suscitando parada.
Conviria frear o carro dos próprios desejos e pensar, pensar!... Todos atingimos um dia de reconciliação com a própria consciência; que não desertasse da luz que lhe acendiam na marcha. Compreendesse que a lei de Deus não se afirma em condenação, mas sim em justiça e que a justiça de Deus nunca se expressa sem piedade. Que ele meditasse, concluindo que se nós outros, os homens imperfeitos, já conseguíamos adicionar compaixão à justiça, por que motivo Deus, que é o Amor Infinito, haveria de exercê-la, implacável? Ali, transpúnhamos a escuridão da noite... A alvorada não tardaria e, com ela, o sol diurno que chegava sempre novo!... Que levantássemos todos os sentimentos para a renovação que começava!... Moreira, que me avistava enlaçado a ele, endereçou-me ansioso olhar, como a inquirir pelas idéias que eu lhe insuflava. Antes (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 194), porém, que me viesse substituir, cioso do lugar de conselheiro que me permitia ocupar, apelei para Cláudio, inclinando-o a iniciar, ali mesmo, a obra reparadora.
O bancário não vacilou.
Fundamente enternecido, levantou-se, caminhou na direção da cama e ajoelhou-se à cabeceira.
Confessava a si próprio que, pela primeira vez, depois de muito tempo, fitava o semblante da filha, sem que a mais leve tisna de fascinação sexual lhe alterasse os sentimentos.
Tremeu-lhe o coração, atormentado.
Acariciou-a com uma espécie de ternura que jamais experimentara, deixou que as próprias lágrimas lhe orvalhassem o rosto e suplicou, em surdina:
– Perdão, minha filha!... Perdão para seu pai!... A rogativa desfaleceu na garganta que os soluços embargavam... Marita evidentemente não respondeu; no entanto, o afago paternal instilou-lhe energia diferente e tanto Moreira quanto eu próprio registramos, espantados, o gemido que ela desferiu, denotando sinais de retorno a si mesma.
Cláudio, esperançado, desligou-se. O carinho impregnara-se nele de súbito respeito. Intimamente comparou aquele afeto imaculado que lhe nascia ao lírio alvo que desponta num charco.
Outros gemidos repetiram-se imprecisos, dolorosos... O genitor escutava-os, ralado de angústia. Daria o que tivesse para traduzir aqueles vagidos de criança inconsciente... Conjeturou, porém, que eles exprimiam padecimentos físicos inenarráveis e agoniou-se em choro convulsivo. O ex-vampirizador, transfigurado em servo diligente, ergueu-se, presto, e veio abraçá-lo, no intuito de propiciar-lhe reconforto, mas notei que os dois amigos (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 195) jaziam, agora, perto e longe um do outro. Juntos por fora e distantes por dentro. Ombros unidos e pensamentos opostos. Moreira fora atingido pelos acontecimentos, mas não tanto. Patenteava enorme afeição por Marita, lutava por ela, mas, no fundo, não escondia o propósito de seguir controlando Cláudio, no resguardo de seu próprio interesse. Identificando o parceiro tocado no coração pelos sentimentos edificantes que a leitura lhe sugerira, revelava o desapontamento semelhante ao de um pianista que surpreendesse o instrumento favorito com as teclas mudas. Alarmado, desfechou-me perguntas. Sosseguei-o, afirmando que o cérebro de Nogueira se anulava, naquele instante, por arrasadoras comoções; entanto, no íntimo, certificara-me de que ele havia dado um passo adiante e de que o companheiro menos feliz deveria elevar-se no mesmo diapasão para desfrutar-lhe a convivência, se não quisesse perder-lhe a companhia.
A mente do bancário emergia daquelas horas reduzidas de estudo compulsório, sob a tormenta moral, ao jeito de paisagem, quando varrida de terremoto. Nenhuma analogia com o que era antes. Em razão disso, enfadava-se o outro, melindrado, triste.
Mesmo assim, Moreira retomou o trabalho de manutenção da jovem prostrada.
Nisso, porém, chegaram dois auxiliares, Arnulfo e Telmo, que vinham, da parte do irmão Félix, colaborar no auxílio à menina.
Ambos simpáticos, espontâneos.
Apresentei-os ao mantenedor magnético, surpreso, cuja posição espiritual reconheceram, de pronto; contudo, na gentileza característica dos corações generosos, envidaram todos os esforços para não constrangê-lo com qualquer linha divisória de tratamento.
Rodearam-no de otimismo e bondade, qualificando-o na categoria de colega estimável. (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 196)
Na antevéspera, aquele irmão, que se avalentoava no Flamengo, não aceitaria tal camaradagem; todavia, Marita ali respirava, entre dois mundos... Fatigada, dispnéica... Por Marita, suportava as alterações, sofreava os impulsos.
A madrugada abeirava-se do dia.
Acercamo-nos de Cláudio.
Indispensável fazê-lo descansar, dormir.
Moreira, com iniludível desgosto a se lhe estampar na fisionomia, observou-nos o cuidado, na administração dos passes balsâmicos, aos quais o paciente aquiesceu sem qualquer contradita.
Aliás é de mencionar-se a sensação de alívio com que Cláudio nos respondeu ao toque sugestivo. Acabava de viver minutos de martírio inominável. Aspirava ao repouso, mendigava esmola de paz.
Todavia, enquanto se lhe relaxavam os nervos tensos à pressão do sono que lhe impúnhamos, brandamente, Moreira a tudo assistia, no crescente desagrado da pessoa que contempla a agitação e a mudança de sua casa, conturbada em serviços de reforma que não pediu. Lançava ondas de azedia e amargura no sorriso amarelo. Tudo para ele surgia deslocado, revirado... Entre o amigo que lhe fugia ao comando e a jovem, cujo corpo físico se decidia a preservar, sentia-se atônito, desenxavido... Compreendendo que não lhe seria lícito incompatibilizar-se conosco, simplesmente à face da assistência que o esposo de Dona Márcia recolhia de nós, aplicou-se com mais veemência às atenções para com a moça, cujos pensamentos mais profundos empenhava-se agora por auscultar. Marita, a seu turno, porque assimilasse mais amplo montante de força, acabou reassumindo o leme dos centros cerebrais, que ainda se lhe mantinham à disposição.
Recuperou a sensibilidade olfativa, percebia, raciocinava e ouvia

CONTINUA AMANHÃ

Nenhum comentário: