sábado, 20 de agosto de 2011

SEXO E DESTINO - CHICO XAVIER E ANDRÉ LUIZ - PARTE 48


CONTINUAÇÃO

CAPÍTULO 3

Nogueira, reinstalado no aposento, ensimesmou-se, refletindo, refletindo...
Lá fora, a noite de chumbo e, com ele, o silêncio, apenas entremeado pela respiração sibilante da filha...
Se fosse unicamente Salomão o interventor inesperado! – pensava, cismarento –, e talvez não se permitiria maior detenção no assunto. Aquele vendedor de remédios que lhe confidenciara os sucessos da noite, inspirando-lhe, aliás, gratidão e simpatia, parecera-lhe excelente pessoa; entretanto, na simplicidade bonachona com que se apresentava, poderia não passar do crente de boa-fé, lamentavelmente embiocado na superstição... Agostinho, no entanto, agitava-lhe o espírito. Comerciante abastado e instruído, não se deixaria enrolar em tapeações. Conhecia-lhe a agudeza de raciocínio, a honestidade. Além disso, possuiria ocupações mais vantajosas em que aplicar atenção e tempo.
Que doutrina aquela, capaz de induzir um cavalheiro dinheiroso, a entrar em prece, num quarto de hospital, chorando de compaixão por arrasada menina, à beira da sepultura? Que princípios impeliam, assim, um homem educado e rico a esquecer-se, no socorro aos infelizes, a ponto de tocar-lhes as matérias fecais, imbuído daquele amor, que somente os pais conhecem nas entranhas do coração?
Fitou Marita que dormia, calma, e recordou os dois homens abnegados que lhe haviam trazido alívio, sem nada perguntar...
Ele que jamais se aproximara de ensinamentos religiosos, habitualmente tratados por ele com manifesta desconsideração, acolhiase agora a vasta série de porquês.
Abafado, agoniava-se com a sede de algo... Sem o apoio fluídico de Moreira, que dedicava todas as energias à moça em decúbito (Francisco
Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 190), lembrou o cigarro, mas dizia de si para consigo que não era mais o cigarro o objeto que desejava.
Aspirava a sair, correr ao encontro de Agostinho e Salomão, a fim de perguntar-lhes pela fé em Deus. Anelava inteirar-se de como conseguiam entesourar tanta crença. Ambos haviam suavizado a opressão que lhe supliciava a filha... Naquele instante, indagava a si mesmo se não era igualmente digno de piedade.
Marita repousava no sono das vítimas, que a justiça resguarda na paz inviolável da consciência, enquanto que ele se atormentava na vigília dos réus!... Reconhecia-se enfermo da alma, náufrago que afundava no redemoinho do desespero... Queria agarrar-se a alguém, a alguma coisa. Singela raiz de confiança mantê-lo-ia à margem da queda total!... A solidão asfixiava-o. Tinha fome de companhia.
Sugeri-lhe a leitura. Que ele abrisse o volume com que fora brindado. O livro conversaria em silêncio, ser-lhe-ia companheiro.
Não se comprometesse a digerir-lhe, de vez, todas as instruções.
Consultasse trechos, aqui e ali. Respigasse idéias, selecionasse conceitos.
Assimilou-me a indução e tomou a brochura, compulsando-a.
Ainda assim, tentou reagir. Acusava-se incapaz, inquieto. Não retinha a menor parcela de serenidade para ler com aplicação ao assunto. Insisti, porém.
Os dedos nervosos tatearam o índice. Relanceou o olhar, através das legendas. No capítulo 11º, esbarrou com um item sob o título: “Caridade para com os criminosos”. Aquelas sílabas invadiram-lhe o cérebro atribulado quais gazuas de fogo. Sentia-se descoberto por tribunal invisível. Sim! – monologou, desconsolado – é imprescindível examinar-se. Na própria conceituação, qualificava-se por malfeitor, foragido da grade. Durante o dia inteiro fora visto e acatado, ali, sob aquele teto, como sendo pai (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 191) carinhoso, mas sabia-se estuprador, filicida... Carregava a dor irremediável de haver impelido a filha querida à loucura e à morte!...
Que condenações enfileiraria aquele volume contra ele?
Merecia escutar a própria sentença, junto daquela que lhe caíra sob o golpe aniquilador...
Procurou a folha indicada e oh! surpresa!... O livro não lhe amaldiçoava a presença. Leu e releu, chorando, aquelas frases que ressumavam brandura e entendimento. Identificou-se à frente de um apelo à fraternidade e à compaixão, que não pintava os delinqüentes por seres infernais, ausentes da órbita do Amor Divino. A pequena mensagem concitava à tolerância e terminava rogando preces, a benefício dos que sucumbem na voragem do mal.
As lágrimas borbotaram-lhe mais profusamente dos olhos!...
Aquelas palavras chamavam-no a razão. Percebia que o mundo e a vida deviam estar banhados de profunda misericórdia. Classificava-se por matador e achava-se ali, reconsiderando o próprio caminho, com suficiente lucidez para analisar-se e pensar... Aquele primeiro contacto com as verdades do espírito fendia-lhe, de alto a baixo, a cidadela do ateísmo. Com a sofreguidão do sedento que atravessa longo deserto, mortificado de sede, atirou-se aos textos, de cujos caracteres idéias esclarecedoras e balsâmicas vertiam, sublimes, lembrando torrentes de água pura. Esquadrinhou vários temas... Adquiriu conhecimentos rápidos acerca da reencarnação e da pluralidade dos mundos, meditou nas maravilhas da caridade e nos prodígios da fé, através das chamas imortais do Cristianismo que ali renasciam para ele, reaquecendo-lhe o coração!...
Quando olhou o relógio, os ponteiros marcavam duas da madrugada.
Varara quatro horas, mergulhado no livro, sem perceber. Sentia-se outro. O cérebro clareara-se, crivado de pensamentos renovadores que lhe suscitavam ardentes inquirições. Aquela era uma (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 192) doutrina que lhe permitia sentir e indagar livremente, qual filho no regaço de mãe... Em verdade, conjeturava, se Deus não existisse, se não houvesse uma vida, além da Terra, por que se entregava, daquele modo, a tão funda compunção? Se tudo na existência acabaria em animalidade e lodo, que razões lhe ditariam o suplício moral, diante da filha, que lhe inspirava contraditórios sentimentos?
Amava tanto aquela menina desventurada!... Por que não lograra sustentar-se, na posição de pai, infenso aos impulsos do sexo? Que forças o haviam arrastado até à condição do verdugo em que se aviltara? A idéia da reencarnação relampejou-lhe na cabeça. Ele e ela remanesciam de experiências anteriores... Indubitavelmente, algemada a dominadoras alucinações afetivas, teriam vivido no passado, padecido e chorado juntos!... Aquela devoção por Marita era para ele comparável ao iceberg que mostra reduzido fragmento, ocultando o peso enorme na vastidão das águas... Naquele momento, algo lhe dizia, na acústica do espírito, que ele, Cláudio, a trouxera, de novo, para o mundo, através da paternidade, a fim de orientá-la com limpeza e abnegação!... A sabedoria da vida restituíra-lhe o carinho, no sorriso filial, por algum tempo, para que retificasse os erros do tirano amoroso que deveria ter sido em épocas passadas e as paixões cujos rescaldos lhe calcinavam agora o coração... As realidades do destino se lhe alteavam do pensamento, belas e difusas, como o brilho dos raios de luz ao fundirem a névoa... Ainda assim, não se desculpava. Reconhecia ter agravado os próprios débitos.
Entrevendo as realidades da vida Além-Túmulo, apelava para os amigos que vira partir!... Que se apiedassem dele e de Marita! que suplicassem a Deus para trocar-lhe a existência pela dela... Ele que se classificava pai criminoso expiaria, no mundo espiritual, as próprias faltas, para, em seguida, renascer na Terra, mutilado, ressarcindo os débitos contraídos. Que ele se afligisse, expungindo

CONTINUA AMANHÃ

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