sexta-feira, 19 de agosto de 2011

SEXO E DESTINO - CHICO XAVIER E ANDRÉ LUIZ - PARTE 47


CONTINUAÇÃO

pública... Delitos que supunha para sempre esquecidos, nos escaninhos do tempo, assomavam-lhe agora à lembrança, exigindo reparação... Sobretudo, Aracélia!... A genitora de Marita que ele próprio aniquilara, a peso de sarcasmo e ingratidão, parecia alcançá-lo pelo túnel da consciência... A imagem daquela moça inexperiente da roça crescia-lhe por dentro. Lastimava-se, acusava, perguntava pela filha, pedindo-lhe contas!...
Conjeturava-se Nogueira às portas da loucura.
Não fosse a resolução de recuperar a filha prostrada, usaria o revólver contra si mesmo. Afigurava-se-lhe o suicídio como sendo a válvula de livramento. Adotá-lo-ia, raciocinava, taciturno. Se Marita morresse, não desejava sobreviver. Cerrar-lhe-ia os olhos e
destruir-se-ia sem compaixão.
Ao passo que as reflexões amargas lhe obscureciam a mente, colava-se Moreira aos pulmões da triste menina, num espetáculocomovedor de paciência e dedicação. De minha parte, assinalava-lhe o devotamento sincero, os propósitos puros. O corpo injuriado não lhe inspirava repugnância. Enlaçava Marita com a veneração de quem se consagra a uma filha padecente para quem todos os cuidados e todos os carinhos são sempre escassos... De quando em quando, passava uma das mãos no rosto para enxugar as lágrimas...
Aquele Espírito que eu conhecera áspero e agreste amava profundamente, porque é preciso amar a alguém, com extremada ternura, para sorver-lhe com alegria o hálito fétido e acariciar-lhe
a pele manchada de excrementos, com o enlevo de quem preserva um tesouro imensamente querido ao coração...
O silêncio era apenas cortado, de vez em vez, pelos movimentos da enfermeira que vinha fiscalizar o soro a descer no braço, gota a gota, ou aplicar injeções, segundo os avisos médicos.
O dia avançava. Três da tarde. Calor. Para Cláudio, as horas assemelhavam-se a correntes que arrastava no cárcere do remorso. (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 186)
A noção de isolamento agigantou-se-lhe no espírito. Voltou ao telefone e procurou por Marina.
A filha atendeu. Palestraram.
Cientificara-se do acidente por Dona Márcia; no entanto, esperava que a ocorrência desagradável não passasse de susto. Não, não lhe era possível comparecer no hospital. Dona Beatriz, que passara a considerar igualmente por mãe, piorara muitíssimo.
Aguardava-se-lhe o fim, a qualquer hora. Que o pai a desculpasse; entretanto, admitia que a irmã devia estar satisfeita ao saber-se assistida por ele. Impossível pedir mais.
Nogueira regressou ao quarto, esmagado pelo desânimo.
Ninguém para migalha de apoio, ninguém a entender-lhe o suplício moral.
Às cinco, no entanto, alguém apareceu, um velho que solicitara a recomendação de clínico prestimoso.
A sós com Nogueira, apresentou-se.
Era Salomão, o farmacêutico.
Declarou-se amigo da moça acidentada. Estimava-lhe a lhaneza de trato, apreciava-lhe as gentilezas. Vizinho da loja, partilhava com ela o café, quando obrigado ao lanche fora de casa.
Surpreendera-se com a notícia do atropelamento e deliberara visitá-la, mesmo porque acreditava tivesse sido um dos últimos amigos que Marita ouvira na véspera.
E, diante da curiosidade e do reconhecimento do interlocutor, narrou quanto sabia, pormenor a pormenor.
Evidente, concluiu, que alguma desilusão recôndita lhe ditara o gesto desesperado. Recordava-se, perfeitamente, de lhe haver notado o pranto que ela, em vão, buscava disfarçar. Teria ingerido
os soporíficos que lhe dera e, identificando-lhes o caráter inofensivo, (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 187 certamente que se projetara sob um automóvel em disparada...
Cláudio ouviu, chorando... Intimamente, aceitou a hipótese.
Sem dúvida, a filha não pudera sobreviver ao insulto de que ele próprio se acusava. Aquele desconhecido confirmava-lhe as impressões.
Refletiu no suplício moral da jovem humilhada, antes de se lançar ao gesto infeliz, sentiu-se o mais abjeto dos homens, no arrependimento que lhe azorragava todas as fibras da consciência,
e agradeceu ao interlocutor, sofreando os soluços. Abraçou Salomão, num impulso de louvável sinceridade, e salientou que ele, o visitante gentil, era o verdadeiro e talvez o único amigo daquela criança que procurara a morte e que tudo fariam para reaver.
O farmacêutico apiedado arriscou um alvitre. Confessou-se espírita e assinalou que os passes, sob a cobertura da oração, beneficiariam a menina prostrada. Ignorava quais os princípios religiosos de sua família; entretanto, possuía um amigo, o senhor Agostinho, a quem poderiam recorrer. Confiava na prece, no amparo espiritual. Se Cláudio permitisse, buscá-lo-ia. Nogueira aceitou com humildade. Afirmou-se sozinho. Não lhe seria lícito recusar um auxílio que lhe era oferecido com tanta espontaneidade.
Apenas admitiu que se via na obrigação de rogar o consentimento das autoridades.
O facultativo, que lhes atendeu ao chamado, ouviu a petição.
Homem experimentado em angústias humanas, fitou Marita, não só com a inteligência do técnico que observa um aparelho, a caminho do desmonte para verificações finais, mas também com o sentimento de um pai afetuoso, e asseverou que Cláudio dispunha do direito de prestar à filha a assistência religiosa que desejasse, e
que, em se abstendo de ferir o regulamento da instituição, fora do quarto, ali estava como em sua própria casa.
Compadecido, ele mesmo favoreceria a vinda de Salomão com o espírita que indicasse. E, às oito da noite, o boticário de (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 188)
Copacabana entrou com o amigo que carregava pequeno pacote, em que se encontrava um livro. Nogueira espantou-se. Aquele homem, que o saudava fraternalmente, e que lhe era apresentado por senhor Agostinho, freqüentava o banco, onde se alinhava entre os clientes mais respeitados.
Conhecia-lhe a posição de comerciante distinto, conquanto não lhe desfrutasse a intimidade. Entretanto, se o recém-chegado o reconhecia, não dava qualquer mostra.
Interessou-se delicadamente pela moça e inteirou-se de todas as minudências do desastre, com as atenções de quem escuta a própria família.
Logo após, entre Cláudio e Salomão, orou, emocionado. Suplicou a bênção do Cristo para a menina atropelada, qual se expusesse, diante de Jesus invisível, uma filha profundamente cara, e, em seguida, ministrou-lhe passes de longo curso com o devotamento de quem lhe transferia as próprias forças.
Cooperamos com ele, sob o olhar penetrante de Moreira, que tudo anotava como que sequioso de aprender.
A operação, saturada de agentes reconstituintes do plano físico, infundiu grande bem à moça, melhorando-lhe a condição geral. Relaxou-se-lhe mais intensamente o esfíncter da micção, a respiração desoprimiu-se e conseguiu entrar em sono calmo.
Cláudio solicitou a presença da enfermeira e, enquanto a serviçal modificava a rouparia, os três conversaram em saleta próxima.
Informado, então, de que Nogueira jamais tivera contacto com princípios religiosos, Agostinho ofereceu-lhe o livro que trazia, um exemplar de “O Evangelho segundo o Espiritismo”, e prometeu voltar na manhã seguinte.

CONTINUA AMANHÃ

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