segunda-feira, 15 de agosto de 2011

SEXO E DESTINO - CHICO XAVIER E ANDRÉ LUIZ - PARTE


CONTINUAÇÃO

SEGUNDA PARTE

MEDIUM : FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER

Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 171

Capítulo 1

Quase cinco da manhã, quando nos vimos na intimidade dos Nogueiras.
A casa jazia quieta. Peças mudas, silêncio.
Agitava-se, porém, Dona Márcia, sob a colcha leve, cansada de vigília. Varara a noite em aflição. Na penumbra do quarto, apoiava o cotovelo no travesseiro e a cabeça na mão, de pensamento longe. Tinha os olhos empapuçados de chorar. A filha
adotiva não voltara. Ansiosa, esperava que o dia se levantasse...
Telefonaria para a residência dos Torres, para saber do regresso de Marina. Se preciso, chamaria Teresópolis. Queria comunicarse com alguém, desentranhar-se. Sentia medo, o coração palpitava catástrofe.
Consultei-a mentalmente, procurando noticias de Cláudio.
Alcancei-lhe a resposta inarticulada. Supondo reconsiderar os sucessos da noite, passou a lembrar-lhe o retorno, horas antes, totalmente embriagado. Chegara tateando paredes, esbarrando com os móveis. Inferira que ele tentara afogar o remorso em copázios de uísque. Ouvira-lhe os vômitos, escutara-lhe as descomposturas à porta, mas trancara-se, precavida. Carraspana e
ressaca rematando a criminosa aventura... Não desejava cenas.
Súbito, quebrou a linha de reflexões em que penetrara. Repeliu-me a influência, convicta de estar reafirmando para si mesma que atingira o ponto final da tolerância... Nada mais com Cláudio.
Convertera a mágoa em nojo. Aspirava a nova atitude, suspirava por desquitar-se, fugir...
Deixamo-la engolfada nas alegações negativas, buscando o aposento dos fundos. Nogueira aí se despejara em cama de solteiro, completamente equipado, sem alijar nem mesmo o paletó.
Estirava-se de lado, a expelir saliva grossa pelo canto da boca, (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 172) ressonando, tranqüilo, e, com ele, o vampirizador, relaxado sob os efeitos do álcool. Ambos largados, embrutecidos.
Demorava-me na inspeção, quando a campainha do telefone retiniu.
Com certeza, irmão Félix obtivera meios de abrir-me alguma porta, a fim de que me fosse possível atuar, favoravelmente.
Imprescindível atacar o problema, advogar a proteção de que fora incumbido.
Tornei à sala.
Dona Márcia, em “baby-doll”, punha o fone ao ouvido, carregada de escuros pressentimentos.
A voz de um homem simples repontou no auscultador:
– Estou falando com o “seu” Cláudio Nogueira?
– Na casa dele.
– Ele está?
Dona Márcia reconhecia de todo impraticável o ensaio de qualquer conversação com o esposo, escornado àquela hora, e respondeu, positiva:
– Não, não está.
– Quero falar com ele ou com a madama.
A interlocutora, experiente demais em trotes e adestrada no jogo das conveniências sociais, pressupôs estar em contacto com algum novo despropósito do marido, e indagou, prudente:
– Com quem estou falando?
– Com Zeca, lixeiro. Estou em Copacabana, preciso dar notícia de um desastre.
– Que desastre?
– A senhora é a dona da casa? (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 173)
– Não sou, mas trabalho aqui. Sou empregada...
Dona Márcia receava cair em complicações, na hipótese de transpor as raias do anonimato, e, a vista disso, antes que o desconhecido revidasse, acrescentou:
– Os patrões estão ausentes, mas posso dar o recado. – Olhe – gaguejou o informante –, o caso é com Dona Marita, a moça da loja.
– Que há? diga, por favor, que há?
A senhora Nogueira sentiu-se traspassada de angústia, enquanto, de minha parte, concluía que Félix angariara o concurso de um lixeiro prestimoso para transmitir a notícia, preparando o terreno que me cabia encaminhar ao plantio da compaixão.
– Diga aos patrões que ela foi atropelada...
– Onde? como? quando?
– Bem, eu não sei como foi, mas vi que era ela...
– Agora?
– Há uma boa meia hora, aqui perto, na Avenida Atlântica...
– Está aí?
– Não está, a ambulância já levou.
– Mas o senhor tem certeza?
– Tenho toda a certeza... Ela estava sem bolsa, ninguém a reconheceu...
Mas eu conheço Dona Marita, foi sempre amiga de minha mulher desde que veio para cá. Minha mulher é empregada
no edifício da loja... Coitada de Dona Marita, moça tão boa! Ela é
que conseguiu lugar para minhas duas filhas na escola!...
– Mas, escute – Dona Márcia cortou as referências, terrivelmente chocada –, como está ela? – Dizem que morreu... (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 174)
Embora calejada contra as emoções, a esposa de Cláudio abandonou o fone e afastou-se, pálida.
Arremessou-se à cama e agarrou a própria cabeça, entre as mãos, julgando enlouquecer... – Morta! Marita morta! – refletiu, atribulada.
Recordou o ultraje que a pobre menina experimentara naquela noite que o dia nascente esfumara, qual se expulsasse um pesadelo, e a mente divagou... Aracélia, a servidora e amiga... Vinte anos antes. O suicídio!... E agora a filha, na mesma tragédia, com o
mesmo homem... Decerto, Marita, envergonhada, procurara a morte. Inexperiente, sucumbira. Ajustava argumentos por dedução.
Crescina falara-lhe de encontro com Gilberto, no entanto, apanhara Cláudio em desconcerto flagrante. Tudo indicava a intromissão dele em algum arranjo dos jovens, para infligir à filha
o imperdoável insulto... Indubitavelmente, a desventurada menina preferira morrer...
Nesse entretempo, intervim. Assimilei-lhe os pensamentos de simpatia e fi-la meditar nas tribulações de Marita, dentro da noite,
esforçando-me por incliná-la à compaixão... Largasse o marasmo, sacudisse Cláudio, chamasse, implorasse... Se o marido não estivesse em condições de compreendê-la, que ela própria saísse à rua... Procurasse a moça... Telefonasse à Polícia, refletisse nela, como sendo sua própria filha... Corresse ao Pronto Socorro da Zona Sul, inquirisse funcionários, ouvisse médicos, visitasse a morgue... Alguém auxiliaria, encontraria a criatura que a Providência Divina lhe pusera nas mãos... Quem saberia? Talvez que ela ainda estivesse nas raias do fim a esperar-lhe as mãos piedosas, como quem aguarda uma bênção!...
Dona Márcia ouviu mentalmente. Ao recolher-me as sugestões, imaginou a filha estendida no necrotério, comoveu-se e chorou...

CONTINUA AMANHÃ

Nenhum comentário: