domingo, 14 de agosto de 2011

SEXO E DESTINO - CHICO XAVIER E ANDRÉ LUIZ


CONTINUAÇÃO

para que a jovem não se afastasse, em espírito, do corpo desgovernado, passes reconfortantes nos centros de força, estímulos variados em diversas seções do campo cerebral, insuflações nos vasos sanguíneos. Operações minuciosas e demoradas. Acupuntura magnética do plano espiritual, em que o orientador patenteava notável mestria.
Quase quatro horas foram despendidas, ao fim das quais, Marita repousava tranqüilamente.
Reconfortado, via nos olhos do benfeitor a esperança luzindo...
Nisso, porém, um “gari” asselvajado largou a rua e caminhou em nossa direção, regando a areia... Dando com os olhos na menina adormecida, sentiu-se mordiscado de curiosidade. Não valeram recursos manobrados pelos vigias. O fanfarrão, relativamente moço, avançou para ela e sacudiu-a, rouquejando: “acorda, vagabunda”, “acorda, vagabunda”.
Feriram-se-me as fibras do sentimento, não só pela criança injustamente maltratada, mas também pela imensa dor que se estampou no semblante de Félix que, pela expressão agoniada,
tudo daria para materializar as mãos e impedir aquele assalto.
“Acorda, vagabunda”, “acorda, vagabunda”...
As palmadas estalavam no rosto, cujas lágrimas o vento enxugara,
piedosamente.
Frustrados, vimo-la abrir os olhos, estarrecida.
Que homenzarrão aquele que, ao vê-la estremecer, não se pejava de comprimir-lhe o busto com as mãos libidinosas?
Não obstante atordoada, perguntava a si mesma se teria morrido, se estaria no inferno renteando com um demônio...
Intentou gritar, mas a garganta esmorecera. Mesmo assim, ergueu-se, aterrada, e aligeirou o passo, cambaleante. Superando embaraços, ganhou a calçada em que um banco orvalhado convidava (FranciscoCândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 166) ao repouso, porém, não dispunha de serenidade para assimilar-nos as sugestões. Pisou, atarantada, no asfalto, indiferente aos princípios do trânsito... Oscilou, aqui e ali, estremunhada...
Automóveis deslizavam velozes, lambretas estrondeavam em correria. Pedestres iam e vinham, diligenciando alcançar o trabalho a distância ou regressando ao aconchego doméstico, depois das atividades noturnas. Agitavam-se funcionários da limpeza e veículos ocupados em serviços da madrugada.
Preparava a cidade o dia novo.
Seguíamos a pobre menina, espíritos contundidos por amargos presságios.
Parecia-me Félix um educador venerando, repentinamente descido a saracoteios na via pública, no propósito de salvar uma criança querida. Entre simpatia e respeito, eu acompanhava, penalizado, o grande instrutor que se apequenava e se afligia por ajudar...
Rapazes semi-embriagados na esquina próxima, ao fitarem Marita, vacilante, gargalharam, invectivando: “tipa de pileque! tipa de pileque!” Motoristas de passagem gritavam-lhe injúrias, e, sem que aparecesse algum braço humano que a sustentasse no atordoamento que lhe impunha reiterados tropeções, foi colhida e
projetada a pequena distância, por automóvel em velocidade excessiva, qual trapo de carne que se arremessasse, violentamente,
no chão.
O carro chispou, transeuntes acorreram.
Moças que regressavam de excursões alegres gritaram, alarmadas.
Uma delas prorrompeu em choro histérico, sendo contida à força. No trânsito interrompido, em que debalde se buscava positivar responsabilidades, todos os veículos despejavam curiosos que se reuniam em torno da jovem, inerme. (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 167)
O corpo planara, a cabeça batera contra a pedra e, em seguida a curta reviravolta, caíra de bruços.
Pessoalmente, achávamo-nos atônitos. Não contávamos com experiência bastante para ocasiões qual aquela em que o desastre consumado exigia improvisações. Todavia, entre os clamores de quantos apelavam para o socorro policial, irmão Félix sentara-se no asfalto. Aplicando vigorosos estímulos magnéticos sobre a cabeça da menina acidentada, fê-la cobrar energias para ganhar, mecanicamente, o decúbito dorsal, a fim de que respirasse indene de maiores dificuldades, através de movimentos que, para muitos dos circunstantes, significavam esgares da morte.
Marita aquietara-se de todo.
Tive a nítida impressão de que a base do crânio se fraturara, mas não me era lícita qualquer inquirição. A carga emocional pesava em demasia, para que me fossem possíveis quaisquer considerações de ordem técnica.
O irmão Félix, na atitude dos pais, profundamente humanos e sofredores, acomodava-se de tal modo que a cabeça da jovem se lhe estendia no regaço. Erguendo as mãos sobre as narinas em sangue, levantou os olhos e orou em voz alta, que eu destacava da multidão em crescente vozerio: – Deus de Infinito Amor, não permitas que tua filha seja expulsa da casa dos homens, assim, sem nenhuma preparação!... Dános, Pai, o benefício do sofrimento que nos consinta meditar! Ó Deus de amor, mais uns dias para ela, no corpo dolorido, algumas horas só que sejam!...
Calou-se o instrutor, como qualquer criatura terrestre, machucada
de angústia...
Logo após, acenou para mim e recomendou-me demandar o apartamento do Flamengo, para observar o que seria razoável obter, no tocante a medidas de auxílio. Que eu procurasse Cláudio
(Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 168)  ou Márcia, que lhes suplicasse apoio, compaixão. Ele, Félix, inspiraria alguém a telefonar. Os Nogueiras estariam entre ele e eu, a fim de que se inteirassem do acidente e fossem mentalmente movidos à piedade... Permaneceria ali, velando, fazendo quanto pudesse para que a desencarnação imediata não se verificasse...
Quando eu voltasse do Flamengo, reunir-nos-íamos de novo...
Ao vê-lo assim humilhado na abnegação de que dava testemunho, arranquei-me à pressa, não só para atender à incumbência, mas também para desabafar-me. Às vezes, é preciso que as lágrimas nos sirvam de confidentes, quando não haja alguém que nos ouça... Tanto trabalho daquele benfeitor sublime para salvar uma criança gravada de duras provas!... Tanto sacrifício de um orientador, cuja grandeza se quintessenciara nas Esferas Superiores, para ofertar-lhe os braços; entretanto, o malogro de tudo se me afigurava inevitável...
Antes que me arremessasse, da Avenida Atlântica para o Túnel
Novo, ouvi muitas vozes que se elevavam, exclamando: “morta!... morta!...” Incapaz de sopitar as lágrimas, voltei-me para contemplar no rosto do irmão Félix o efeito de semelhante notícia, concluindo comigo mesmo: “tudo inútil, tudo inútil!...” Mas, vigoroso impacto de esperança me banhou o coração!... Tive a idéia de que fontes imponderáveis de energia jorravam do firmamento claro e estrelado sobre aquele recanto de Copacabana, que o mar acariciava de perto, como a rogar-nos confiança em Deus, na linguagem ciciante das ondas!...
Não!... A batalha não arrefecera!...
Tínhamos conosco o suprimento do amor e a luz da oração!...
Nem tudo estava perdido...
O benfeitor, guardando paternalmente nos braços aquela criança desfalecida, fixava os olhos nas alturas e, recolhido a profundo silêncio, parecia agora falar com o Infinito. (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 169).

               --- Fim da Primeira Parte ---

CONTINUA AMANHÃ

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