sexta-feira, 12 de agosto de 2011

SEXO E DESTINO - CHICO XAVIER E ANDRÉ LUIZ - PARTE 40


CONTINUAÇÃO

Escutamos, transidos, o diálogo juvenil que nos ficaria, então, na memória, gravado frase a frase:
– Da residência dos Torres?
– Sim.
– Quem no aparelho? Gilberto?
– Sim, sim.
– Oh! meu bem, pois você não está conhecendo?
– Conhecendo quem?
– Eu, eu... Marina. Acabo de chegar...
– Ah! ah! Marina!... que surpresa boa!... por que essa demora?... Estamos todos em casa, esperando... Telefonar por quê?
– Quis saber, meu amor, se você está bem, se passou bem o dia...
– Saudades!
– Eu também... Muita saudade...
– Venha.
– E a mamãe? Melhor?
– Pouquinho.
– Escute...
– Para que conversar? Corra para cá, venha logo...
– Um momentinho só... Escute. Passei rapidamente em casa, no Flamengo, para conversar com mãezinha certas coisas... Estive com duas amigas em Teresópolis que me encheram a cabeça... Estou perturbada, ciumenta...
– Que é que há?
– Marita...
– Ora... Marita! Tenho nada com ela. (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 158).
– Mas eu soube...
– Soube o quê?
– Que vocês dois estão em compromisso. Sei que vocês andavam juntos, mas tanto assim não sabia...
– Bobagem!
– É muita conversa que não pude desmentir...
– Perda de tempo. É muita gente biruta... Morou?7
– Estive com papai ainda agora...
Nesse ponto da conversação singular, a voz dela titubeou.
Ouvira o bastante para reconhecer-se desdenhada, batida. Entretanto, aspirava à lia do cálice. Necessário inteirar-se acerca de quanto Gilberto havia descido. Receava descobrir-se. Indispensável toda precaução, a fim de escalpelar o insulto de que fora vítima.
A pausa, no entanto, foi curta. Gilberto, no outro lado, pronunciou a deixa oportuna:
– Então...
– Explique-se.
– Bem, você naturalmente deve saber agora o que aconteceu. O velho me procurou... Ele mesmo telefonou, sabe? Conversamos pessoalmente, acertamos tudo.
– Quer dizer que Marita...
– Imagine! escreveu-me pedindo encontro. O velho soube de tudo antes e me pediu dizer que iria, mas que eu não fosse. Entende?
– No fim de contas, como é que você se arranjou?
7 Expressão de gíria. “Morar” significando compreender. (Nota do Autor espiritual.) (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 159).
– Escrevi um bilhete, prometendo vê-la, mas combinei com o velho para que ele mesmo fosse buscá-la. Ele mesmo é quem propôs a solução. Você sabe, não podia deixar de atendê-lo... Primeira vez.
– Estou perplexa, nervosa... Não compreendo...
– Ele me pediu escrever aceitando, para que Marita não ficasse chocada. Disse que ela tem estado borocoxô e prometeu que ele iria procurá-la, de modo a dar conselhos e a reanimá-la com uma boa notícia, uma excursão à Argentina...
– Como?
– Olhe lá, Argentina... Uma viagem para a Argentina... Uma risada seguiu-se e, depois dela, a consideração sarcástica:
– Sanatório, meu bem. Sanatório ou hospício. Para Marita, só
sanatório e, quanto mais longe, melhor!... Argentina para uma e Petrópolis para dois...
Nesse ponto da entrevista, a jovem baqueou.
Debruçou-se na cantoneira, inabilitada a retomar o fone, à vista dos soluços que lhe rebentavam do peito.
Escutávamos, nitidamente, a voz do rapaz, a distância, gritando:
– Marina! Marina! diga o que há, diga, diga!...
A pequenina mão encharcada de lágrimas, no entanto, repôs o fone no gancho, com a tristeza de quem cerrava, em definitivo, as portas do coração.
A moça dedicou alguns minutos ao refazimento, reconstituiu, quanto possível, a tranqüilidade fisionômica e tornou à sala.
Embaraçada, referiu-se ao dinheiro emprestado. Que Dona Cora lhe perdoasse o incômodo. Se não pudesse voltar em pessoa, (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 160) no dia seguinte, a companheira de seção na loja, Neli, que lhes era também íntima, faria o pagamento, considerando-se a hipótese de ela, Marita, não se achar em serviço. Bastaria procurar.
Dona Cora riu-se, cordial. Não pensasse naquilo.
Prestimosa, estendeu-lhe o café que ela aceitou, constrangida.
Conversa vai, conversa vem, a amiga estranhou-lhe o abatimento, a palidez, os olhos que não cessavam de chorar. Marita explicouse, ensaiando um sorriso que não chegou a debuxar-se. Alegou-se gripada. Tinha coriza renitente, coriza brava. E, a propósito, indagou se ela julgava possível encontrar ainda o senhor Salomão, naquele instante, depois das dez, na farmácia vizinha. Gostaria de se aconselhar com ele sobre um antigripal. Trazia a cabeça pesada, os pulmões doloridos.
A delicada anfitriã pediu um momento e correu ao telefone para voltar, quase de imediato, dizendo que o farmacêutico a esperaria. Estava a sair do plantão, que ela não se delongasse.
Marita agradeceu, despediu-se e seguimo-la, passo a passo.
O senhor Salomão, velhinho calmo e complacente, em cujo olhar se adivinhava a brandura dos que se fazem servidores espontâneos
da Humanidade nos encargos que exercem, acolheu-a, solícito.
Ocultando os intentos recônditos, a recém-chegada falou-lhe do resfriado. Afirmou sentir dores, vertigens. O boticário, de modos antigos, habituado ao ofício a representar-se de médico para os amigos, nos casos sem maior importância, pediu-lhe mostrasse
a língua. Examinou-a com a prática de muitos anos, ao pé de enfermos, sem achar motivo de preocupação. Aplicou o termômetro.
Nenhuma febre.
Sorriu, paternal, e aconselhou-a a ir para a casa, descansar.
Não deveria aceitar serviço extra, até aquela hora da noite, comentou bonachão, e acrescentou que ela facilmente encontraria

CONTINUA AMANHÃ

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