quarta-feira, 10 de agosto de 2011

SEXO E DESTINO - CHICO XAVIER E ANDRÉ LUIZ


CONTINUAÇÃO

Nas minhas frases curtas, o instrutor recolheu todoo material informativo.
Sem detença, rumamos para a vivenda coletiva, cujas lâmpadas esmoreceram, de chofre, quando lhe transpúnhamos a entrada.
Tive a idéia de que o acontecimento era comum, porquanto a escuridão não estabeleceu o menor alarme. Velas bruxuleantes piscavam, aqui e ali.
Tomamos a direção do aposento isolado.
Cláudio estacara à porta, enlaçado pelo vampirizador. Ambos justapostos um ao outro. Dupla de sentimentos e propósitos iguais.
Ambos emocionados, corações pulsando precipites, prelibavam a caça que não lhes escaparia. A distância reduzida, notei que os dois se postavam sob o halo das energias balsâmicas de Félix; entretanto, o admirável fenômeno para eles era como se não existisse.
Diante do quadro inquietante e enternecedor, imaginei comigo fitar dois lobos humanizados, aos quais piedoso emissário dos Céus tentasse, inutilmente, entregar a palavra e a inspiração de
Jesus-Cristo.
Enrodilhavam-se os dois num charco mental de lascívia, com tamanha sofreguidão, que não cabia ali, naquele vulcão de apetites sexuais, a menor frincha pela qual se pudesse arremessar alguma idéia de elevação.
Agressivo perfume de cravos me invadiu o olfato desprevenido.
Onde sentira, naquele dia, um cheiro igual? Recordei, espantado.
Aquele era o extrato usado por Gilberto. Conhecera-o, na palestra do Lido. Minudenciei observações e reconheci que Nogueira tivera igualmente o cuidado de usar indumentária, em tudo semelhante à do moço, inclusive a gravata, quanto ao nó e ao tamanho. Nenhuma particularidade fora esquecida. (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 150)
Antes que Félix e eu pudéssemos estudar medidas de contenção, a dupla avançou quarto a dentro.
Nós, que podíamos enxergar na obscuridade, vimos a pobre menina levantar-se, sussurrando frases de arrebatadora paixão e de intensa saudade, abrindo, ansiosa, os braços, sem guardar para si o mínimo resquício de vigilância... Acreditava-se diante do amado... Era ele, não devia recear... Naquele instante, em todas as suas intenções e em todos os seus nervos, um pensamento só, um apelo só, entregar-se...
Cláudio e o outro, a fremirem de emoção, mantinham absoluto silêncio.
Nada que pudesse evitar a integração indesejável.
Nogueira, agindo por si e pelo acompanhante, atraiu-a, de encontro ao peito, e beijou-a, convulso.
A indefesa criança, hipnotizada pelos próprios reflexos, abandonou-se, vencida...
Irmão Félix, tangido por sentimentos que eu não poderia avaliar, deixou o recinto e acompanhei-o.
Atingindo o degrau externo da porta de entrada, vi que o benfeitor, transido, se deteve, de olhos fitos no céu... Quanto a mim, conturbado, não me sentia capaz de articular uma prece. Nada pude fazer senão calar-me, reverente, perante o agoniado coração paterno, que vinha das esferas superiores para desmanchar-se ali, em suplício indizível, velando, através da oração muda que lhe extravasava agora em grossas lágrimas!...
Homens, irmãos, ainda que não possais viver santamente, à face dos instintos inferiores que nos atenazam as almas, animalizadas ainda por duros gravames do passado culposo, reduzi, quanto puderdes, as quedas de consciências! Quando não seja por vós, fazei-o pelos mortos que vos amam de uma vida mais bela!...
Disciplinai-vos, em respeito a eles, guardiães invisíveis que vos (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 151) estendem as mãos!... Pais e mães, esposos e esposas, filhos e irmãos, amigos e companheiros, que supondes perdidos para sempre, em muitas ocasiões vos acompanham de perto, acrescentando-vos a alegria ou partilhando-vos a dor!... Quando estiverdes a ponto de resvalar, nos despenhadeiros da delinqüência, pensai neles! Ser-vos-ão generosos, indicando-vos o caminho, na noite das tentações, à feição das estrelas que removem as trevas! Vós que sabeis reverenciar as mães e os mestres encanecidos na abnegação, que ainda respiram no mundo, compadecei-vos também dos mortos, transfigurados em afetuosos cireneus, a nos compartirem as cruzes das provações merecidas, em dorido silêncio, quando, muitas vezes, não somos dignos de oscular-lhes os pés!...
Diante de Félix, em pranto amargo, meu coração, imperfeito e pobre, passou então a recorrer ao Evangelho e confortei-me ao lembrar que Jesus, o Divino Mestre, fora também o amigo sensível e carinhoso, ao chorar, um dia, na Terra, ante Lázaro, morto!...
Decorridos quase vinte minutos de expectação, a luz reapareceu e ouviu-se um grito agoniado, em que o espanto e a dor se mesclavam com terrível acento.
Marita, com a rapidez de uma corça dilacerada, saltou a janela, em sentido oposto, e disparou em desalinho...
Antes, porém, que nos fosse possível esboçar qualquer socorro, alguém chegou, apressadamente, e abordou a porta do solitário aposento, espancando-a com fúria. Esse alguém era Dona Márcia.
Nogueira, assistido pelo amigo desencarnado, recompôs-se num átimo e, ao esbarrar com a esposa, fez um risinho ridicularizador, exclamando, mordaz:
– Era só o que faltava!... Você também? Aqui?...
Dona Márcia, que costumava entreter-se no pôquer, junto de amigas, não longe da pensão de Crescina, com quem mantinha relações de amizade, fora imediatamente informada por ela quanto (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 152) à chegada do marido, com a observação de que ele talvez entrasse em rixa acirrada com os jovens.
O porteiro, receando complicações, aviara-se, diligente, comunicando à patroa quanto sabia, e a patroa, a seu turno, julgando que a moça e Gilberto estivessem reunidos, não hesitara invocar a presença da amiga, no intuito de conjurar possíveis desastres.
A senhora Nogueira, ao chegar, inquieta, vira a filha adotiva que debandava e, em topando o marido, desapontado, saindo a sós, entendeu, num relance, tudo o que se passara...
– Canalha! – bradou, indignada – eu não acreditei nessa menina infeliz! Eu que poderia ter evitado!...
E a voz da recém-chegada assumiu dolorosa inflexão:
– Como é que você não pensou? Tenho comigo todos os papéis de Aracélia, todos os seus bilhetes... Ela nunca esteve com outro homem, a não ser você mesmo!... Você nunca soube da
última carta, em que ela me entregava a menina, dizendo que preferia morrer para que eu fosse feliz!... A memória dessa moça pobre e leal é a única coisa boa que eu tenho no coração... O resto você destruiu... Ah! Cláudio, Cláudio!... a que baixezas descemos nós?... Louco! Você ultrajou sua própria filha!...
Ele apoiou-se, cambaleante, na porta, como que fulminado por um raio. Dona Márcia prorrompera em soluços; entretanto, de nossa parte, era forçoso sair.

CONTINUA AMANHÃ

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