terça-feira, 9 de agosto de 2011

SEXO E DESTINO - CHICO XAVIER E ANDRÉ LUIZ - PARTE 35


CONTINUAÇÃO


A conversa entre os cônjuges deslizava, banal, mas, consultando o cérebro de Nogueira, convencemo-nos para logo de que o tema do dia circulava, ativamente, no sistema de conjugação mental que prevalecia entre ele e o acompanhante. Registrava-selhes o anseio por notícias que lhes facultassem conexões para o objetivo inconfessável, que começavam a entremostrar em espírito.
Agora, à mesa, a dupla exteriorizava os intentos escusos, nas formas-pensamentos em que as duas mentes enfermiças se revelavam.
Tudo se aclarava, de súbito. Digeriam o plano em silêncio.
Abordariam Marita, à feição de dois caçadores colhendo uma lebre. Antegozavam o assalto, articulavam-se-lhes os pensamentos em lances dissolutos. Determinavam-se a surpreendê-la, em
casa de Crescina, como se apanha um fruto resguardado na árvore.
Perplexo, decifrei a trama inteira.
Cláudio ergueu a voz e, fingindo ignorar a viagem da filha, perguntou à mulher por Marina, de vez que, no fundo, queria notícias da outra.
Dona Márcia caiu, de imediato, na indução. Respondeu que ele, provavelmente, se havia esquecido de que a moça avisara, na véspera, que iria a Teresópolis, a serviço da imobiliária. O chefe, impedido, indicara-a para representá-lo em algumas transações importantes. Voltaria, sem dúvida, na manhã seguinte. Quanto a Marita, horas antes telefonara de Copacabana, solicitando para que não a esperassem ao jantar. Talvez demorasse em serviço extra, na contabilidade da loja, até mais tarde.
O marido pigarreou, mudou de assunto, comentou alguns sucessos
políticos e a refeição terminou sem maiores delongas.
No intuito de colaborar com eficiência, na preservação da harmonia geral, demandei a habitação de Crescina, onde não tive (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 146) qualquer dificuldade para identificar o apartamento número quatro.
Recanto isolado para casal, completamente desligado da comprida construção de um pavimento só.
A vivenda, pela extensão enorme, aparentava profunda calma; entretanto, pela ruidosa conversação dos desencarnados menos felizes, que aí bulhavam, desocupados, era possível imaginar as agitações da noite.
Depois de atenciosas idas e vindas pelo terreno, examinando situações, vi a dona da casa tomar o fone. Aproximei-me. Crescina
perguntava por Gilberto, no escritório dos Torres.
Atendida, combinou visitá-lo às duas, daí precisamente a meia hora.
O programa foi cumprido em todas as seqüências previstas.
De retorno, Crescina chamou para a loja e comunicou à jovem que o rapaz escrevera. Tudo certo. Leu o bilhete, em que lhe participava a resolução de estar firme, no lugar indicado, às oito.
Que ela aguardasse, confiasse.
A pobre menina exultou e as minhas inquietações doíam agigantadas.
Necessitava desdobrar medidas de proteção; entender-me com algum amigo encarnado, em ligação com o grupo; sugerir providências que evitassem a consumação do projeto; criar circunstâncias em que o socorro chegasse em nome do acaso, entretanto...
Debalde, girei da pensão alegre ao escritório, do escritório à loja, da loja ao banco, do banco ao apartamento no Flamengo...
Ninguém estendendo antenas espirituais, com possibilidades de auxílio, ninguém orando, ninguém refletindo... Em todos os lugares, pensamentos entouçados sobre raízes de sexo e finança, configurando cenas de prazeres e lucros, com receptividade frustrada para qualquer interesse de outro tipo. Até mesmo um dos chefes
de Marita, do qual me acerquei, tentando insuflar-lhe a idéia (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 147) reter a jovem, no serviço, até altas horas da noite, ao sentir-lhe a imagem, na tela mental, transmitida por mim, para inicio de entendimento, acreditou estar pensando consigo mesmo, inclinando o assunto para questões salariais; concentrou-se, de pronto, nas vantagens econômicas, agarrou-se a cifras, encheu a cabeça com parágrafos da legislação trabalhista e expulsou-me a influência, sumariamente, monologando no íntimo: “essa moça já percebe o suficiente, não lhe darei nem mais um centavo.” Nenhum outro recurso senão permanecer no casarão, de sentinela.
Inúteis as diligências.
Às sete e trinta da noite, Cláudio apresentou-se com esmero, sem mesmo esquecer-se de uma peruca leve que lhe remoçava as
linhas fisionômicas.
Solerte, espiou a vivenda de Crescina, a pequena distância.
Ele e o outro. Moreira não parecia menos interessado.
Acompanhei-os.
O marido de Dona Márcia, aperaltado, buscava um telefone, que não teve dificuldade para encontrar. Café vizinho facilitava.
Discou, chamando Fafá, o porteiro da pensão, que ficáramos conhecendo em nossas investigações cordiais, durante o dia.
Atendido, rogou-lhe que fosse encontrá-lo, confidencialmente.
Questão de negócio. Não se arrependeria do segredo. Riram-se
pelo fio.
O empregado, velho bonachão que o álcool já começava a excitar
naquelas horas verdes da noite, veio à pressa. Atencioso e sabido, conquanto guardasse um sorriso de bondade, parado no rosto, que tanto podia ser para o bem como para o mal, inclinou o ouvido para a boca de Cláudio, a fim de escutar melhor. Nogueira cochichou, solene. Solicitava-lhe concurso urgente. Precisava esclarecer-se quanto aos jovens que se reuniriam no “quatro”. A moça era sua filha. Não faria barulho, não escandalizaria a (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 148) ninguém, mas desejava certificar-se. Nada de complicações. Necessário reconhecer o desencaminhador, de maneira a solucionar o problema de família, sem alarde. Recorria aos préstimos dele, companheiro dedicado. Não lhe dispensaria a colaboração.
Fafá disse compreendê-lo e participou que a menina esperada já se instalara. Vira-a sozinha, através da porta semicerrada. Estava sentada no leito, folheando revistas. E, ante as perguntas que se acumulavam, confirmou que era a jovem, vista por ele, cedinho, em conversação com a mundana. Sim, guardara-lhe o nome. Era Marita, sim.
Fez-se Cláudio mais reservado e pediu-lhe “blecaute”. Que o porteiro lhe fizesse o favor de desajustar o fusível, na instalação elétrica, O conserto exigiria uns quinze minutos de sombra. Isso bastava para que se inteirasse de tudo, sem que a patroa e os hóspedes lhe percebessem a presença. Colocar-se-ia no escuro, em ângulo oposto à iluminação pública, e, assim, facilmente identificaria o rapaz.
O serventuário, não obstante semi-embriagado, fixou expressão matreira e salientou que era problema sério, aquele. Satisfaria ao chefe, mas bico calado. Nada de envolver-se com os tiras.
Cláudio deixou escorregar para a mão dele duas cédulas de quinhentos cruzeiros, e Fafá, menos inquieto, indagou pelo horário exato, ao que Nogueira aclarou, afirmando faltar unicamente dez minutos, de vez que aguardaria a luz apagada, as oito em ponto.
Separaram-se os dois e, quando me perdia em dolorosas conjeturas, revigoradora surpresa me visitou o espírito. Dera apenas alguns passos na rua e fui agradavelmente defrontado pelo irmão Félix, que me abraçava.
Comovi-me. Revê-lo e confiar-lhe todas as inquietações foi trabalho de segundos.

CONTINUA AMANHÃ

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