segunda-feira, 8 de agosto de 2011

SEXO E DESTINO - CHICO XAVIER E ANDRÉ LUIZ


CONTINUAÇÃO

Cláudio escutava, boquiaberto, admirando-lhe a delicada frieza das justificações e indagando a si mesmo qual deles dois seria
maior na arte de fingir.
Francamente encorajado, Gilberto declarou que lhe compreendia as apreensões, quanto lhe aceitava conselhos e bons ofícios.
Escreveria, obrigando-se a comparecer, mas não arredaria pé de casa, mesmo porque Marina fora a Teresópolis, pela manhã, a serviço da companhia, e talvez só regressasse no dia seguinte. O senhor Nogueira, qual o chamava, em buscando a menina, às oito, estaria autorizado a comunicar-lhe, da parte dele, o agravamento da saúde materna. Não seria falso, ajuntou, porquanto a genitora extinguia-se, lentamente. Cláudio, obtendo o que desejava, refletia no rosto a satisfação que, somada ao voluptuoso prazer do obsessor que o assessorava, parecia interesse afetivo, devotamento. Finalizando, asseverou-se notificado quanto à viagem da filha, e reportou-se, em termos carinhosos, à situação de Dona Beatriz, que ele e Márcia visitariam.
Destacou as acerbidades dos impedimentos em família, durante as moléstias longas, apelou para o otimismo necessário e, ateu confesso, chegou até mesmo a exalçar a confiança que se deve ter em Deus, no decorrer de tais circunstâncias.
Montada a obrigação que os jungia, separaram-se com abraço efusivo, enquanto, de nossa parte, rumamos do Lido para o Flamengo, penosamente intrigados, conjeturando sobre o que estaria
por suceder. (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 141)

CAPÍTULO 13

Tornei ao Flamengo, apreensivo.
Não conseguira auscultar as minudências do plano obscuro que se formava. Os pensamentos de Cláudio e do vampirizador entrelaçavam-se em estranhos propósitos imprecisos.
Expedi comunicação, em despacho rápido para o irmão Félix, salientando a necessidade de nosso encontro, recolhendo-lhe a resposta, que não me alentava5. Viria à noitinha, não mais cedo, à
vista de inadiáveis obrigações.
Seria desaconselhável qualquer recurso a Neves, que sabia ocupado e, talvez, providencialmente ocupado, já que as dificuldades morais se esboçavam em labirinto e alguma ameaça de irritação nos frustraria objetivos e movimentos. Amigos outros, de cujos préstimos seria licito dispor, jaziam longe do assunto.
Era forçoso agir só, trabalhar por mim mesmo.
O momento não comportava aflições inúteis. Necessário manejar os recursos em mão.
Para intervir sem vacilações, julguei prudente ouvir o acompanhante desencarnado, de Cláudio, que eu desconhecia de todo.
A princípio, encontráramos dois. Entretanto, apenas um deles se mantinha constante, aquele cuja inteligência aguçada me ferira a atenção.
Não seria justo investigá-lo, perquirir-lhe os anseios?
5 Diante dos microaparelhos existentes no Plano Físico para emissão e recepção de mensagens, a longas distâncias, é desnecessário comentar as facilidades de intercâmbio no Plano Espiritual. (Nota do Autor espiritual.) (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 142).
Rememorei experiências anteriores, em que juntamente de outros amigos desencarnados modificara a apresentação externa, através de profundo esforço mental.
Aspirava a fazer-me visível à frente daquele amigo enigmático que claramente habitava o lar dos Nogueiras.
Poderia transfigurar-me, adensando a forma, como alguém que enverga roupa diversa.
Recolhi-me em ângulo tranqüilo, à frente do mar. Orei, buscando forças.
Meditei, fundo, compondo cada particularidade de minha configuração exterior, espessando traços e mudando o tom de minha apresentação habitual.
Quase uma hora de elaboração difícil esgotou-se, até que me percebi em condições de empreender a conversação cobiçada.
Não me autorizava a perder um minuto.
Avancei, prédio acima, batendo à porta, cerimonioso.
Aconteceu como previa, porque o parceiro invariável de Cláudio veio atender.
Olhou-me, desconfiado, de alto a baixo, esquadrinhou-me os intuitos.
Humilhei-me, vulgarizei a linguagem quanto pude.
Semelhante atitude era indispensável pela minha necessidade de informações. Atento a isso, afetei absoluto desinteresse pelos moradores do apartamento, centralizando nele o núcleo natural de
minha atenção.
Expliquei andar procurando um amigo e perguntei pelo outro
camarada que vira, ali, dias antes. Vira-os, juntos, precisamente naquele local, quando transitava no corredor; entretanto, passava, apressado, a peso de obrigações. Guardara, porém, a impressão de que o companheiro cujo encontro ambicionava era ele. (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 143).
Esse o expediente mais simples que me ocorreu para cativálo, conversando com espírito de submissão e fraternidade naturais, de modo a ganhar-lhe alguma confiança e carinho.
Ele pareceu sensibilizar-se, tratou-me com a generosidade acidental de um fidalgo que não se desmerecia por dar migalha de
consideração a um mendigo.
Compleição robusta e enorme, tocou-me o ombro com a destra, ensaiando o gesto de quem se prepara a despachar, polidamente, uma pessoa importuna, e catou minudências. Analisou-me, perscrutou-me, repisando inquirições.
Inteirando-se do exato momento em que os vira reunidos e reconhecendo os detalhes que conseguira, de minha parte, mencionar, esclareceu tratar-se de um amigo, que costumava hospedar, de vez em vez, para o reconforto de uns “drinques”. Naquele momento, contudo, não estava. Ao que sabia, recreava-se numa casa, em Braz de Pina, cujo endereço indicou.
Lamentei. Solicitei-lhe o nome, estava reconhecido à gentileza do acolhimento e tornaria ao Flamengo em outra oportunidade.
Estimaria nomeá-lo com a possível intimidade quando voltasse, na hipótese de ser constrangido a perguntar por ele a desconhecidos.
Ele não se fez de rogado. Respondeu, cortês.
Chamava-se Ricardo Moreira. Em alguma necessidade, porém, bastaria que o designasse tão-só por Moreira. Era estimado, possuía numerosas relações, contava com muitas afeições no prédio. Se chegasse a vê-lo, de novo, em companhia do colega ao qual me reportava, que o sacudisse, despertando-lhe a atenção.
Até ali, tudo bem. Era necessário, entretanto, que eu lhe examinasse as mais íntimas reações. Imprescindível conhecê-lo,
sopesá-lo. (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 144).
Acusei-me cansado, deprimido. Se ele era ali o mordomo, que me permitisse entrar, por gentileza, ainda que por instantes breves, a fim de que me fosse possível refazer as forças. Ato de bondade fraterna. Nada além de alguns minutos. Carecia de ambiente humano, amigo.
Operou-se, entretanto, a reviravolta.
Vi perdida a posição que granjeara.
Moreira arremessou-me olhar terrível, que funcionou sobre mim qual punhalada vibratória. Ajuntou frases irônicas e gritouM que a casa tinha dono; que, diante dos “descascados”6, quem mandava ali era ele; que, para atravessar a porta, seria preciso removê-lo; que eu dispunha da rua larga para dormir; e finalizou, agressivo:
– Que tem você aqui? Dê o fora, que não vou com sua lata!
Vá se catar, vá se catar!...
Nenhuma outra alternativa senão descer escadas, desabaladamente, porque avançou em minha direção, arregaçando punhos decididos.
Regressei ao aconchego do mar, entrando em prece.
Reavendo a condição que me é peculiar, voltei ao mesmo
ponto.
No interior da peça, o casal acomodara-se para o almoço, com as atenções de Dona Justa, em serviço.
Moreira, que não mais me assinalava a presença, instalara-se na cadeira de Cláudio e com Cláudio, de tal modo, que, certo, se alimentava tão claramente quanto ele, através de um dos numerosos processos em que se catalogam as ações da osmose fluídica.
6 Um dos pejorativos pelos quais a gíria dos planos inferiores designa os Espíritos desencarnados. (Nota do Autor espiritual.)

CONTINUA AMANHÃ

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