sábado, 6 de agosto de 2011

SEXO E DESTINO - CHICO XAVIER E ANDRÉ LUIZ - PARTE 32

CONTINUAÇÃO

E o martelo verbal tornou aos estribilhos do passado. As festas de Aracélia, as companhias de Aracélia, as desilusões de Aracélia...
Verificando no olhar da jovem a penosa impressão com que era obrigada a recolher tais lembranças, a interlocutora, sem mais fundo lastro de amor para comovê-la, modificou a tática afetiva e alinhou histórias de seu conhecimento, em que sonâmbulos realizavam proezas diversas.
Argumentou que ela e Cláudio, perante a ocorrência, que analisavam com o carinho de pais verdadeiros e não com qualquer
espírito de censura, haviam recordado que ela, em criança, muitas
vezes acordava aos gritos, pela madrugada, fazendo birra e queixando-se de inexplicáveis terrores. Levada ao médico, o facultativo receitara calmantes. Rememorou, bem-humorada, a opinião de velho amigo da família, que dissera a ela e a Cláudio andar amenina atacada de nictofobia, e que, somente depois, ambosrecorreram ao dicionário, a fim de aprenderem que a palavra significava “medo da noite”.
Dona Márcia riu-se àquelas chistosas evocações, completamente alheia à importância do assunto. Afagou os ombros de Marita e aconselhou-lhe juízo.
A jovem, perplexa, tanto quanto nós mesmos, não teve ânimo para desmentir. Ignorava como deslindar a meada que o sedutor entretecera. Preferiu acriançar-se, aparentando aprovação com o silêncio. No íntimo, contudo, revoltava-se.
Cláudio trapaceara e a mãe adotiva caíra no logro.
Não possuía recursos para demonstrar a verdade. Tocava-lhe tão somente suportar e esperar.
Dona Márcia, no claro propósito de evitar o problema e, aliás, denotando naquela hora elogiável sinceridade na compaixão pela
(Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 133)  moça que supunha doente, convidou-a a examinarem, juntas, o primoroso estoque de “boutique” vizinha.
Marita aquiesceu, conformada, e o entendimento malogrado passou, superficialmente, valendo para nós por aviso grave, a fim de que reforçássemos todo o sistema de vigilância, no compromisso assistencial.
Transcorreram cinco dias, sem que aparecessem acontecimentos dignos de menção. Contava justamente uma semana de contacto com os novos amigos, quando, ao partilhar as inquietações de Neves, fui procurado por atencioso companheiro a quem solicitara
cooperação. Avisava-me de que certa senhora demandara o banco, procurando Cláudio no assunto que nos tomava a atenção.
Ao sol da manhã em giro alto, dirigi-me para o local, encontrando-a em pequena sala de espera, contígua a extenso escritório, no qual operosa equipe de funcionários desdobrava operações de contabilidade interna.
A dama aguardava Nogueira, ausente em serviço.
A recém chegada trajava-se com primor, exibindo, porém, o ar das mulheres que, depois de perderem as ilusões, acabam fazendo negócio dos prazeres que já não são mais capazes de usufruir.
Detínhamo-nos no exame despretensioso da personagem que tangenciava com a nossa história, quando Cláudio se apresentou, lépido e bem-posto. Junto dele, o acompanhante desencarnado, qual se lhe fora a sombra, não mais me admirando vê-los visceralmente associados, pensando e falando em absoluta simbiose.
Conheciam-se os dois, porquanto ele a nomeou, para logo, de madame Crescina, inclinando-se, familiar, para a conversação cochichada, demonstrando-se ambos naturalmente acostumados aos segredos que se transmitem, da boca ao ouvido. (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 134)
Alguma novidade? – indagou ele, esfregando as mãos uma na outra, com o sorriso brejeiro de quem prelibava festas.
A visitante, contudo, falou, encabulada, dos motivos que a traziam.
Recebera-lhe Marita, a filha adotiva, horas antes, e, sinceramente – informava –, não conseguira subtrair-se ao obséquio que lhe suplicara com lágrimas.
Diante do interlocutor, atento, prosseguiu comunicando que a moça desejava encontrar-se, na noite próxima, com Gilberto, um rapaz que, vez por outra, lhe freqüentava o casarão. Escolhera para isso o compartimento separado, nos fundos, o número quatro,
por mais reservado e acolhedor. A pobre criança – acentuava, compadecida – formulara-lhe o apelo, em caráter confidencial.
Propusera-lhe a concessão, muito abatida, nervosa. Não pudera alhear-se ao pedido. Também tinha duas filhas no mundo, também
era mulher. Acedera.
Mas, não era só isso. Marita remunerara-a, com bondade, para encarregar-se de entregar um bilhete ao filho dos Torres.
E, perante os olhos espantados do amigo, que acumulava na curiosidade o anseio do vampirizador, a confidente arrancou da bolsa o documento pequenino, em que a jovem implorava ao namorado fosse vê-la, às oito da noite, no lugar indicado. Saberia não incomodá-lo, não tivesse receio. Rogava-lhe a presença e solicitava resposta.
Cláudio lia, lia, entre ciumento e indignado. Sim – refletia –, era o cúmulo do sarcasmo. Gilberto a governá-la daquela maneira!
O compartimento dos fundos, o número quatro!... Conhecia-o.
E esquisita coincidência! Era o recanto que ele também, por vezes, elegia para si próprio, quando buscava a pensão alegre de
Crescina, para entreter-se, descansar... Marita, sem saber, compartia-lhe as preferências!... O despeito comprimia-lhe o coração, (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 135) enquanto o “outro” se demorava a enlaçá-lo, estampando no rosto larga expressão de astúcia.
A empreiteira de regalias noturnas cortou a pausa longa, repetindo que não lhe era lícito esquivar-se; entretanto, acrescentou, ladina, que ele, Cláudio, era cliente de sua casa e, por isso, colocava-o ao corrente dos fatos, não só por dever de lealdade aos fregueses, como também para evitar aborrecimentos, suscetíveis de atrair os olhos da polícia que nunca interferira nas acomodações e negócios que lhe diziam respeito.
Para isso, inteirava-o de tudo e pedia conselhos.
Nogueira reprimiu a cólera e vimo-lo interessado em concentrar-se mentalmente, esquadrinhando a cabeça, à cata de idéias.
Ignorando, embora, que se acostumara a absorver-se nas sugestões de uma inteligência estranha à dele, buscava-lhe, sequioso, os estímulos, supondo naturalmente que batia às portas da imaginação para desencravar os pensamentos.
Obsessor e obsidiado passaram a trocar impressões, de cérebro a cérebro. Alguns momentos de ajuste silencioso e mecânico, que um observador terrestre interpretaria como sendo vertiginosa fabulação, e os dois entraram em acordo implícito.
Alcançamos semelhante conclusão, pela rama, ao vê-los repentinamente asserenados, já que não me sentia capaz de verificar-lhes planos e intentos, forçado que me reconhecia a dividir atenções, entre eles e a recém-vinda, cujos informes e apontamentos não me cabia perder.
Cláudio esboçou um sorriso amarelo. Em seguida, agradeceu a gentileza de que se tornava objeto, passando a extravasar as alegações fantasiosas que começara a elaborar. Disse à amiga, surpresa, que Marita realmente assumiria, talvez em dias breves, compromisso de matrimônio com o rapaz e que, não obstante considerasse a entrevista mencionada pura irreflexão de

CONTINUA AMANHÃ

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