sexta-feira, 5 de agosto de 2011

SEXO E DESTINO - CHICO XAVIER E ANDRÉ LUIZ

CONTINUAÇÃO

O amigo, contudo, ponderou com razão que a filha se abeirava do transe final, que receava não dispor da serenidade precisa, caso fosse defrontado, sozinho, por obstáculos constrangedores.
Era humano, adorava aquela filha padecente. Queria afagá-la, alentá-la, conquanto não se presumisse com merecimento bastante
para estender-lhe apoio e consolação.
Não seria recomendável se mantivesse, em caráter permanente, no lar dos Torres, ao passo que me reservaria o compromisso de cooperar na pacificação dos Nogueiras.
Isso apenas por alguns dias, enquanto a liberação de Beatriz estivesse pendente.
Tanto quanto possível, por outro lado, poderia, de minha parte, tornar para junto dele, partilhando-lhe o clima da filhinha agonizante, onde nos acomodaríamos aos imperativos de nossa edificação moral, estudando e servindo, para mais amplo rendimento das horas.
Aquiesci, contente, àquelas nótulas sensatas.
Foi assim que, refeito, regressei, manhã alta, ao apartamento de Cláudio, no intuito de investigar, a sós, a paisagem que me pautaria o quadro fundamental de aplicação ao dever assumido.
Cabia-me conhecer as minudências, suscetíveis de adquirir maior importância, de momento para outro, esquadrinhar pontos de apoio, tomar contactos e, se possível, ouvir pessoalmente os dois irmãos desencarnados, que ali desempenhavam lamentável papel.
Entrei. Apenas Dona Márcia, conversando com a senhora que se incumbia das mais pesadas obrigações no recinto doméstico, a comentarem os tópicos engraçados de certo programa de televisão, que a família acabava de instalar, com espírito de novidade e alegria. (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 129).
Tudo calmo, os vampirizadores ausentes. Limpeza e ordem.
Em dado instante, a figura de Marita invadiu-me o cérebro.
Afeiçoara-me à pobre menina. Era uma filha espiritual que me tocava resguardar solicitamente.
Desassossegado, precipitei-me para a rua e, a breve trecho, vi-a na loja colorida e simpática, ensaiando sorrisos para as freguesas bem-postas.
Abracei-a, paternalmente, expressando-lhe em silêncio votos de paz e otimismo. Ela respondeu, de modo instintivo, acalentando vagas idéias de reequilíbrio e esperança.
Registrava-se-lhe a melhora inequívoca.
O amparo magnético assimilado funcionara, eficiente. Ignorando por que motivo, acusava-se tranqüila, mais forte. Repousara, reconstituíra-se. Retomara o gosto pelo trabalho, palestrava animadamente, selecionando algodões estampados.
Nossa presença passou a despertar-lhe reflexões. Não obstante opinasse nisso ou naquilo, entre as clientes amigas, começou a pensar, pensar...
Depois de alguns minutos, pressionada pelas lembranças, caminhou para o telefone e chamou Dona Márcia, perguntando se
ela viria, na parte da tarde, a Copacabana, e, informada afirmativamente, rogou à mãezinha adotiva a procurasse, se possível, às quatro. Lanchariam juntas, tinha algo a dizer-lhe.
Concluí que significaria abuso incomodá-la no trabalho, em que se obrigava a retalhar atenções, através dos pensamentos descontínuos, e aguardamos a ocasião adequada, a fim de inteirarnos acerca de atividades ou problemas em que nos fosse possível desenvolver algum préstimo. (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 130).
No horário previsto, acompanhamos mãe e filha até pequenino recanto de hospitaleira sorveteria, considerando a gravidade da tarefa de que fôramos investidos.
Postadas ambas em clima de segredo, Marita desafogou-se com dificuldade, começando a falar, discreta e humilde.
Que Dona Márcia lhe perdoasse os aborrecimentos daquela hora; entretanto, não tinha culpa. Não desconhecia a extensão da mágoa que lhe cortaria a alma, daria tudo para não feri-la, mas sentiria remorsos se não lhe contasse o sucedido. Hesitara muito, antes de resolver situá-la no assunto, adiantou, acanhada. Sentiase, porém, sua filha pelo coração, devia confiar-lhe tudo.
E, na ingenuidade de moça inexperiente, relatou a confissão que Cláudio lhe fizera, a descrever-lhe os modos, lance por lance.
Espantara-se, sofrera muitíssimo. Jamais esperava por semelhante
ocorrência. Tivesse parentes e não vacilaria mudar-se para evitar escândalos. Era, contudo, dependente, sozinha. A única família que possuía eram eles mesmos, os Nogueiras, cujo nome usava, orgulhosa, desde a infância. Andava desorientada, receosa. Pedia conselhos.
A interlocutora, todavia, escutara sorrindo, nem mesmo interrompendo, de leve, a deglutição da taça de creme, que saboreava, com requintes de paladar.
Tamanha impassibilidade esfriou a disposição da jovem, que passou a resumir, quanto pôde, as confidências e alegações que se inclinava a expender; e, com indizível surpresa, não somente para Marita que lhe aguardava, ansiosa, a palavra, mas igualmente para nós, que não contávamos com o ardiloso expediente de Cláudio, defendendo-se previamente, Dona Márcia patenteou, no semblante sereno, absoluta incredulidade e participou que o marido, na véspera, a convidara para conversação, à parte, comunicando-lhe certas apreensões. Dissera-lhe que, à noite, no entendimento mantido, não tivera coragem de mencionar o assombro que o (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 131)  perseguia, porquanto julgara prudente refletir sobre o acontecimento que tanto o penalizava, antes de avançar em qualquer conclusão.
Entretanto, após meditar, aturadamente, deduzira que ela, Marita, necessitava da proteção de um psiquiatra.
Dona Márcia perfilhou um tom de voz em que se conjugavam inquietação e advertência, e continuou informando, informando...
Dissera-lhe Cláudio haver experimentado imenso alívio, ao vê-la penetrando no quarto, na noite da antevéspera, porquanto, momentos antes, ao despertar a filha adotiva sonambulizada, fora assaltado por ela com muitos beijos, que lhe ouvira frases inconvenientes, que se forçara à reação, pelo que a esposa percebera as vozes com as quais tanto se assustara. Anunciara-lhe ter refletido suficientemente e acabara aceitando a hipótese de um desequilíbrio.
Rogara-lhe concurso para que um psiquiatra interferisse no problema. Assumiria ele a responsabilidade das despesas e, preocupado qual se achava, faria mais ainda... Envidaria esforços para que uma excursão à Argentina lhe restaurasse as energias, evidentemente alteradas.
Diante da estupefação que nos dominava, a senhora Nogueira tomou posição conselheiral.
Recomendou à menina procurasse esquecer, distrair-se. Explicou que não viera ao encontro, no intuito de abordar o caso.
Ante as alegações da filha, entretanto, não encontrava outra saída, além daquela em que lhe abria o coração. Esposa e mãe, defenderia a paz de todos. Não concordava em que se tomasse partido.
Cláudio, efetivamente, contraíra contas com ela, Dona Márcia, nas ingratidões de marido. Isso sim. Mas, no tocante às filhas, sempre tivera a conduta de pai exemplar. Nada justo incriminá-lo.
Tudo não passava de imaginação enfermiça dela própria, Marita.
Fase de moça namoradeira.

CONTINUA AMANHÃ

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