sexta-feira, 29 de julho de 2011

SEXO E DESTINO - CHICO XAVIER E ANDRÉ LUIZ

CONTINUAÇÃO

CAPÍTULO  X

Estirada no leito, chorava Marita, desconsolada.
As revelações ouvidas naquele diálogo, a curta distância, revolviam-lhe o coração, quais pinças de fogo. Sentia-se abandonada, desejava morrer.
Então – confirmava-se –, todo aquele devotamento de Gilberto
não passava da superfície. Apropriara-se-lhe da alma, empolgara-lhe os sentimentos, para deixá-la sem comiseração.
Recordava-se de que, realmente, semanas antes, indagara-lhe ele que outros idiomas conhecia. Algo vexada, informara que somente conseguira o curso primário. O moço retirara da algibeira
uma composição de Shelley. Lera o inglês e traduzira para ela os versos lindos. Em seguida, aconselhara-lhe estudos suplementares à noite. Poderia auxiliá-la, relacionava-se com professores distintos.
Ela rira-se, queria o lar, a escola do lar com ele. Apenas ali, na decepção que a molestava, compreendia a extensão do arrufo com que se despedira. Ah! sim, aspirava ao casamento com moça culta. Ignorante! – dizia para si mesma – não passo de uma ignorante.
Marina era diferente, dominava outras línguas.
Tudo já estava tramado, deliberado. À vista disso, a irmã recusava-lhe intimidade nos dias últimos.
Por mais a rodeasse de mimos, mais se afastava.
Agora reconhecia igualmente a causa de mostrar-se o rapaz enfastiado e irritadiço. Entretanto – perguntava-se, triste –, se ele a desprezava, assim, por que lhe abusara da confiança? Por que o arrebatamento com que lhe acorrentara a alma às inesquecíveis
impressões da menina que se faz repentinamente mulher? Não selara com ela um ajuste de matrimônio? Não lhe testemunhava extrema ternura nos encontros domingueiros, quando se entregavam a comunhão mais íntima? (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 109)
Incapaz de duvidar da legitimidade do carinho que recebera, voltava-se mentalmente para a irmã que lhe surrupiava as mínimas alegrias. A nova infelicidade – conjeturava – seria culpa dela.
Com toda a certeza, Marina cobiçara o rapaz, a envolvê-lo na teia de artimanhas que entretecia como ninguém. Gilberto caíra-lhe no engodo. Ave no visco. Contudo, ao descobrir toda a trama, reconhecia-se irremediavelmente lesada. Debatia-se em pranto, sob o peso das considerações familiares. Era imperioso certificar-se de que era enjeitada e ignorante. Nada sobraria para ela, tudo para a outra. Marina possuía méritos, ela não.
A exposição de Dona Márcia, naquela hora, insuflara-lhe a tortura do réu que ouve sentença inapelável. Ainda assim, chorava, inconformada. A contingência de perder Gilberto induzia-lhe
o sentimento a matar ou desaparecer. Rememorou as tragédias, lidas na imprensa, mas o fratricídio repugnava-lhe ao coração. A idéia do suicídio, contudo, qual semente a se lhe ocultar no imo do ser, evocada pelo esboço ligeiro da alma, como que germinara, de súbito. Acariciou-a, de leve, e a sugestão infeliz ganhou corpo.
Divagações negativas tomaram-na de assalto. Renunciar a Gilberto e largar os planos feitos doeriam muito mais que morrer – pensava, desolada. Mas seria justo acovardar-se, assim tanto?
Repeliu o estranho apelo e, conquanto as  ágrimas, prometeu coragem a si própria. Lutaria pela felicidade. Explicar-se-ia com o
rapaz, baniriam, juntos, a ameaça pendente. Entretanto, se Gilberto não lhe aceitasse os argumentos, que fazer do destino, se, com o golpe sofrido à frente, percebia também o fantasma da esquisita inclinação do pai adotivo pela retaguarda?
Por que a peça que a vida lhe pregava? Devia esquivar-se ao afeto do jovem que amava, numa consagração natural, para ganhar a paixão do homem maduro que se habituara a respeitar como pai e que lhe acenava com uma espécie de união para ela inaceitável? Estarrecia-se ao ouvi-lo naquela hora. Identificava-lhe (Francisco (Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 110)  o tom de alegria triunfante, ao dar-se conta da felicidade com que se desembaraçaria de Gilberto, no campo em que se prometia apresá-la.
Cláudio como que lhe falava de longe, ao dirigir-se à esposa.
Aquelas referências louvaminheiras com que a obsequiava, perante Dona Márcia, confirmavam-lhe a decisão de dobrá-la, demovêla.
Entre o asco e a piedade, rememorava-lhe as carícias, que somente naquela noite conseguira compreender.
Como desvencilhar-se?
Flor sacudida no vento da provação, perguntava por quê, por quê?...
Sopesando as ocorrências, pela primeira vez sentia medo daquele ninho familiar a que se reconhecia encadeada por filha do coração.
De repente, elevou o pensamento à memória materna... Ah! nunca imaginara que um coração feminino pudesse encontrar dilemas tão aflitivos, quanto aqueles a que se via largada, de instante para outro! Que não teria sofrido sua própria mãe, que a deixara no instante do alvorecer? Nunca soubera, ao certo, as
 ircunstâncias que lhe haviam rodeado o nascimento. Concluía agora, porém, que talvez a genitora tivesse conhecido o cálice que ela agora amargava! Que noites de agonia moral atravessara, sozinha, ao acariciá-la no ventre! Que injúrias padecera, que privações experimentara? Ela, que tudo desconhecia acerca do pai, refletia no martírio da genitora, jovem e abandonada, quando, provavelmente, lhe aguardava, em vão, o carinho e a proteção, noite a noite. Dona Márcia, ao biografar-lhe a mãezinha, dissera “moça brincalhona”. Teria sido mesmo? Possivelmente, gargalharia para não soluçar, ansiando abafar em ruídos de festa os gritos da própria alma... Quem sabe ter-se-ia dedicado a algum homem proibido, empenhado o coração a algum moço que lhe fora roubado à ternura de menina e mulher? (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 111)
Nas lágrimas que lhe corriam, suspirava por fazer-se criança...
Por que não vivera a mãezinha, a fim de lutarem juntas?
Consagrar-se-iam uma à outra. Permutariam as próprias mágoas...
Muita vez, na loja a que servia, escutava apontamentos sobre comunicações de mortos, inteirava-se de experiências sobre a continuação da vida no Além... Seria aquilo verdade? – indagavase.
Se Aracélia, libertada, estivesse em alguma parte, indiscutivelmente lhe acompanharia o calvário, compartilhar-lhe-ia o infortúnio...
Mecanicamente, implorava ao Espírito materno a abençoasse,
 ortificasse, protegesse... Conquanto sem qualquer idéia religiosa efinida, formulava prece muda, que valia por funda invocação...
Intentávamos consolá-la, buscando asserenar-lhe a mente, quando duas senhoras desencarnadas penetraram no quarto, de improviso.
Saudaram-nos, afetuosamente, revelando a condição de entidades familiares, vinculadas àquele refúgio doméstico.
Das recém-chegadas, a que nos pareceu menos experiente adiantou- se para a menina em oração. Controlava-se, dificilmente.
Tremia, ao enxugar o pranto silencioso. Inclinou-se para o leito, como qualquer mãe desventurada e aflita da Terra, quando teme acordar um ser querido...
Embora sem elucidações prévias, não nos era licito alimentar qualquer dúvida. Aquela, era a jovem do retrato que Marita conservava, em imagem, nas telas do pensamento. Aracélia, amparada pela doce afeição de venerável amiga, ali estava, diante de nós!
Mãe amorosa, vinha talvez de muito longe para acudir às angústias da filha... Enternecendo-nos, a pobre mãe ajoelhou-se para beijar-lhe os cabelos... E, oh! segredos insondáveis da Providência Divina!... Quem conseguirá definir com palavras humanas a essência do amor que Deus situou nas entranhas maternas?... (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 112)  A dama inclinou-se, muito de manso, e abraçou-a, com ternura, à maneira de planta que se fechasse sobre a única flor que lhe nascera...
A castigada menina acalmou-se, de súbito. Adivinhando a visita pela qual suspirava, alijou a tensão, percebendo-se mentalmente ocupada pela presença da genitora, cujos traços tentava,
afetuosa, lembrar e reconstituir.
Outro quadro, entretanto, superpôs-se, comovedor. Aracélia, que orava e chorava em profundo silêncio, buscava em pensamento outra mulher, cuja evocação lhe renovava as energias.
A mãe desencarnada via-se pequenina, junto da lavadeira singela que a trouxera, na reencarnação última, para o teatro da vida humana. Identificava-se criança, agarrada à saia daquela moça doente, que mergulhava as pernas no rio para ganhar o pão... Tão
 undo atingia a acústica da memória, que chegava a escutar o ruído daquelas mãos miúdas, esfregando as peças ensaboadas...
Recolhia-lhe, de novo, o olhar meigo, em que lhe pedia paciência...
Calada, na areia, por vezes esperava, esperava, depois que a mãezinha lhe repunha o corpo frágil, à curta distância, a fim de atender ao serviço... E rememorava o enlevo e o júbilo que sentia, quando os braços maternos a retomavam, para fazê-la dormir, ao som do velho estribilho, a que se acostumara no lar de telha vã....
De olhos parados, como se buscasse, além, no espaço infinito, o colo agasalhante que o tempo arrebatara, assumiu nova posição, colocando a cabeça da jovem no próprio regaço e, emocionandose até às lágrimas, qual se tivesse nos lábios aqueles lábios de mãe, humilde e enferma, que jamais esqueceria, Aracélia, em
pranto resignado, cantou suavemente diante de nós:
Lindo anjo de meus passos,
Descansa, meu doce bem;



CONTINUA AMANHÃ

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