quinta-feira, 28 de julho de 2011

SEXO E DESTINO - CHICO XAVIER E ANDRÉ LUIZ

CONTINUAÇÃO

a mim, que sou mãe, de tudo o que se passa. Você sabe que ela é profundamente sensível e carinhosa. Tem muita pena do chefe e tenta reconfortá-lo... – Reconfortá-lo? – gracejou Cláudio, retomando a galhofa.
– Não adiantam sarcasmos – rogou Dona Márcia, afetando desapontamento. – Nossa filha vem agindo corretamente. Tanto assim que a nossa conversa deve esclarecer grave assunto.
E, alterando o tom de voz, que se fez mais persuasivo e mais doce:
– Você não ignora que Marita se enamorou, há meses, de Gilberto, o filho dos Torres. Vendo, de minha parte, os dois, em ligação constante, acreditei piamente que o jovem nutrisse por ela
uma inclinação segura.
Misturando reserva e malícia, passou a historiar-lhe as entrevistas, os passeios, os telefonemas, os bilhetes... Salientou que se afligira ao apanhá-los, a sós, numa excursão domingueira, em plena floresta da Tijuca, dias atrás. Admitia que seria preciso examinar-lhes o caso. Aborrecera-se ao descobri-los, assim, positivamente isolados, sob as árvores. Mulher e mãe, inquietava-se ao pensar na filha adotiva...
Cláudio, nessa altura, marcava-lhe os avisos, de olhos em fogo e coração aos saltos.
Então Márcia também sabia... Aquele jeito arisco da esposa nas confidências não o enganava. Indubitavelmente, ela senhoreava minúcias que preferia esconder. Não chegava Paquetá. A mataria, igualmente, fora teatro dos colóquios e beijos que detestava.
Não esperava aquele noticiário miúdo na própria casa. Não supunha a mulher, assim, consciente da situação de que se conjeturava exclusivo conhecedor... Naquele minuto, olvidava a menina que se lhe desenvolvera nos braços, anulava-se na condição do pai, chamado a zelar-lhe o nome. Irrompia nele o animal ferido, o (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 104)  homem selvagem que lhe dormia habitualmente na polidez, espicaçado pelo ciúme.
Esfregando os dedos contra as palmas das mãos, num gesto que lhe particularizava o desagrado, levantou-se, deu alguns passos pela sala e resmungou: – Ingratidão!
A esposa usufruía a cena com a volúpia de quem alcançava os próprios fins, porquanto, desde o princípio da conversação, aspirava a estabelecer um clima favorável à filha legítima, a detrimento da outra. Julgava que o marido, com semelhante exprobração, resumia numa palavra o asco que provavelmente albergaria contra o procedimento da pupila que desejava arredar. Muito distante da
realidade, não percebia que a indignação dele se arraigava no azedume do apaixonado que se vê preterido e, por isso, ensaiava um sorriso triunfante... Nós, porém, conseguíamos analisar-lhe as telas mentais e verificar quanto lhe doía o desprezo. Via-se, espiritualmente, ao pé
do jovem, medindo forças. Ah! se lhe fosse dado enxergá-lo, naquela hora, ao alcance das mãos! Certo lhe despejaria todo o peso da cólera na constituição de menino e moço, esfrangalhandolhe os ossos... – Comove-me a sua reação contra Marita!...
Registrando a frase reticenciosa da companheira, deu-se conta do papel desaconselhável que começava a assumir. Quase que se denunciara, de todo. Ultrapassara os limites da circunspeção que
lhe cabia conservar no próprio interesse e deliberou recompor-se.
Reconheceu que Márcia lhe apreciava a repulsa, crendo vê-lo unicamente no lugar de pai, machucado pelas circunstâncias, e deixou que ela se acomodasse a essa interpretação, encastelandose, mentalmente, na defensiva. Reprimiu o desespero que o possuía, sentando-se, de novo, a relaxar os nervos tensos. Apagou (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 105)  exteriormente todos os sinais de excitação, aparentou calma súbita.
A senhora, que ambicionava amontoar vantagens para a filha, longe de imaginar-se iludida naquele jogo, em que marido e mulher se nos representavam dois parceiros astuciosos, nos golpes estudados um contra o outro, falou serena, presumindo controlar agora toda a situação:
– Sua atitude respeitável de pai me encoraja e me alegra. Graças a Deus, sinto em você o chefe da casa e da família.
Cláudio ouvia, atento.
É necessário que você saiba – prosseguiu ela – que Gilberto não quer coisa nenhuma com Marita, que vive a derreter-se sem razão. O rapaz é apaixonado por Marina e tudo indica possibilidades de um casamento vantajoso, que não podemos jogar fora.
O interlocutor ardiloso deduziu que chegara para ele a oportunidade da vingança. Fingindo desconhecer a trama de sentimentos em que ambas as jovens se enredavam, comentou, em voz alta, os novos aspectos do problema, a fim de ser claramente escutado por Marita, que sabia de atalaia, no quarto próximo. Depois de encarecer a excelência do caráter da filha adotiva, destacando o apreço e a ternura com que se dedicaria a protegê-la, acentuou, jocoso:
– Ah! o biltre!... então, essa farsa de vaguear com Marita, arrastando-a por aí, não é senão alcovitice e trampolinagem... O peralta está carambolando. É o bilhar dos namorados, bate-se numa bola para acertar em outra...
E relacionou pobres moças, traídas na confiança, explicou que Marita era suscetível de uma psicose de duras conseqüências.
Se Gilberto estava propenso a desposar Marina, que se manifestasse.
Não oporia embargos, no entanto, exigia franqueza. (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 106)  Dona Márcia, repentinamente lisonjeada, ao colher-lhe as disposições tão favoráveis, arrolou as confidências da filha.
O rapaz confessara-se. Admirava-lhe não só os encantos pessoais, mas gabava-lhe a educação fina. De começo, apenas se cumprimentavam, de quando em quando. Ele, porém, tivera necessidade da cooperação de alguém que o auxiliasse na tradução de alguns textos franceses. Marina expusera a competência adquirida,
O trabalho realizado erigia-se em característicos tão primorosos que obtivera louvor na Embaixada. Desde essa empresa, trabalhavam quase que unidos. Marina revelara-lhe que o próprio senhor Nemésio, sempre solícito, passara a nomeá-la por nora.
Cláudio, acintosamente, dizia, de quando em quando:
– Márcia, não estou ouvindo bem, fale um pouco mais alto.
A companheira, elevando sempre a modulação da voz, contou que os dois, embora a situação constrangedora da saúde de Dona Beatriz, no momento, traduziam poesias deliciosas de autores
ingleses, marginando-as de trechos sentimentais que lhes expressavam a ternura recíproca, compondo lindo álbum cuja leitura lhe
arrancara lágrimas de enternecimento. O amor entre ambos era claro como água. Indispensável apoiarem a filha, na concretização de suas esperanças. Afirmava-se confortada em reconhecer, a tempo, que a cultura de Gilberto não se compadecia com as deficiências de Marita, para quem o moço não seria, por isso, um partido feliz. Asseverava, convicta, que competia a ele, Cláudio, e a ela a orientação do assunto. Ponderou ainda que o auxílio dispensado por Marina a Dona Beatriz estreitara as relações entre os jovens e, supondo o esposo agastado à vista de contrariedades prováveis para a filha adotiva, acrescentou, entre desabrida e chistosa, que Marita se arranjaria, na época oportuna. Inclinações de moças, problemas delas.
O marido não acreditou em tópico nenhum do que ouvira.
Pai, desiludira-se com a filha. As investidas noturnas pelos recantos (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 107) boêmios, as maneiras inconfessáveis, no trato com o chefe de serviço, não lhe deixavam dúvidas. Ao revés, as noticias entusiásticas de Márcia acordavam-no para realidades mais agressivas.
Inferia que Marina andava sem escrúpulos entre o velho e o moço.
De outro modo, na condição de esposo, não lograria embair-se. A companheira figurava-se-lhe a mulher desleal aos compromissos domésticos, mulher que ele mesmo plasmara com os seus exemplos de homem refratário ao equilíbrio emotivo. Impossível queixar-se. Com a tarimba da sociedade menos digna, fizera-se Márcia astuciosa, cruel. Dissimulava para ganhar. Certamente, não lhe confiava quanto sabia. Estaria informada de todas as ligações escusas da filha com o senhor Torres, tanto quanto ele próprio.
Capearia as inconveniências, incentivaria, talvez, a leviandade com propósitos de lucro; entretanto, aquele era o momento de
atrair a confiança de Marita e, à face dessa razão que se lhe alteava no ânimo empedernido, calou a revolta e partilhou a farsa, afiançando confiar na menina que amavam por filha. Tentaria distraí-la, renová-la e, de acordo com ela, Márcia, procuraria incluí-la num roteiro de turismo a Buenos Aires, para o qual fora convidado por amigos, no banco. Marita esqueceria, esqueceria.
O entendimento avançava, mas o serviço nos convocou ao aposento próximo, onde a mágoa da jovem explodia, inarticulada, em vibrações de intensa dor.

CONTINUA AMANHÃ

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