sábado, 23 de julho de 2011

SEXO E DESTINO - CHICO XAVIER E ANDRÉ LUIZ


CONTINUAÇÃO

dela, a função de chefe, mas igualmente com Gilberto, o filho, em
posição comprometedora. Os desregramentos de Marina, desde muito, se haviam tornado para ele em calamidades inevitáveis. A princípio, atormentara-se. Pai contundido pela licenciosidade em família. Contudo, Márcia, a esposa, ditava os figurinos. Nos primeiros tempos do consórcio, emergira entre ambos a muralha da discórdia, da discórdia que lhes emanava do âmago, em ondas torvelinhantes de aversão instintiva, cuja existência não haviam sequer pressentido, de leve, antes do casamento.
De começo, rixas e discussões. Depois, a indiferença, o cansaço total um do outro. Aventuras unilaterais. Cada qual em seu caminho.
Marina, evidentemente, seguira a trilha materna. Desligara-se dele. Classificava a filha, em seu juízo de homem, por mulher livre; contudo, tolerável no lar, enquanto exercesse a profissão que lhe assegurava sustento às fantasias. Em casa, habitualmente reuniam-se à mesa, a esposa, Marina e ele, à feição de três animais inteligentes, dissimulando o desprezo recíproco, através da convenção ou do chiste.
No conceito dele, porém, Marita definia-se à parte. Flor no ramo espinhoso daqueles antagonismos flagelantes.
Afastara-a, intencionalmente, na direção do serviço. Inventara meios de obrigá-la a tomar refeições em Copacabana, para que as picuinhas do círculo doméstico, no Flamengo, não lhe torturassem o espírito.
Espiava-lhe os passos, ouvia-lhe os chefes.
Uma vez instalada no exercício da nova condição, ele mesmo, quanto possível, manter-lhe-ia a independência.
Amando-a com entranhado carinho mesclado de egoísmo tirânico, feriam-lhe as humilhações que a esposa e a filha não regateavam a ela, no trato mais íntimo. (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 84).
Queria-a para ele, com a ternura de um pombo e com a brutalidade de um lobo. Não concordava lhe dessem a beber afronta ou sarcasmo. Tais atitudes acabaram revestindo-a de liberdade mais ampla, que Marita utilizava no culto afetivo a Gilberto, de vez que, por vocação, se distanciava de festas. Márcia e Marina, sempre mais absorvidas nas extravagâncias em que se inculcavam por duas irmãs doidivanas, nem deram por isso. A ausência dela como que as aliviava de um peso. Certificando-se de que não lhe dobrariam o caráter, acusavam-se felizes por não serem induzidas a suportar-lhe a fiscalização.
Embrenhado nos raciocínios que lhe derivavam, rápidos, do
ligeiro auto-exame, sob o controle do vampirizador que o influenciava,
recordava-se Cláudio de que há muitos dias concluíra que Gilberto não hesitava embair as duas moças e, depois de refletir maduramente, resolvera silenciar.
Não seria conveniente sopesar as próprias vantagens? Denunciar Marita por jovem ultrajada redundaria em arredar-lhe a confiança.
Apontar Marina no páreo significava insultar a filha adotiva, aplicando-lhe temíveis lesões de ordem moral. Ardiloso, deixava
o tempo correr, achando preferível, a seu ver, fosse Marita machucada pelas circunstâncias. Quando se voltasse para ele, fatigada e desiludida, convertê-la-ia, talvez sem dificuldade, na amante a que aspirava.
Engodado pelo interlocutor que lhe era invisível, enfileirou as reflexões apressadas que lhe vinham à mente; no entanto, assoprado agora por ele, deixava-se iludir por imaginosa expectativa, formulando-se outra espécie de inquirições. Envolvido nas sutilezas do obsessor, esmerilhava o próprio íntimo, tentando saber se estava sendo inspirado com segurança naquela hora. Andaria enganado? Acaso, Marita entregar-se-ia a Gilberto, pensando nele, Cláudio, de quem se afastava por escrúpulos de consciência? Semanas havia, fizera-se a jovem mais esquiva. Estranhara. Darse-ia (FranciscoCândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 85) o fato de recolher-lhe telepaticamente as apreensões ou deliberara fugir-lhe, de propósito, a fim de ocultar a simpatia amorosa que, possivelmente, lhe impelia o coração de mulher a querê-lo? Ele mesmo fornecia ao perseguidor a argumentação com que se lhe arruinava a resistência.
Até ali, trancara, bem ou mal, diante da jovem, os sentimentos que lhe transbordavam do peito. Não chegara, porém, aos limites do enigma? Caber-lhe-ia sofrear-se até à loucura? O hipnotizador, em cujo semblante se podia ler a desmesurada sede de volúpia, sorriu, satisfeito, e sussurrou, mentalmente, ganhando preponderância: – Cláudio, compreenda. Iniciativa, em assunto de amor, não é passo feminino. Velho rifão: “laranja à beira de estrada não tem preço”. Disse um filósofo: “prazer sem conquista é bife sem sal”. Adiante, adiante!
Esquadrinhando o imo do companheiro, à caça de recursos com que o próprio Cláudio lhe pudesse fortificar a posse magnética, o obsessor, por segundos, cravou nele o olhar penetrante. E, decerto, exumando-lhe as desrespeitosas ilusões em matéria de ligação afetiva, que ele, Cláudio, embutira na cabeça, desde menino, começou a martelar:
– Cigarro! Lembre-se do cigarro e da boca! Marita é mulher igual às outras... Cigarro, cigarro na vitrina... Cigarro, cigarreira, piteira e charuto não escolhem comprador... A carne é flor desabrochada na terra do espírito, só isso. O cultivador não sabe o que seja a formação essencial do canteiro, tanto quanto desconhece o que está no fundo da planta. Proclamava Salomão que “tudo é vaidade”; acrescentamos que tudo é ignorância. Entretanto, na superfície das situações e das coisas, é possível enxergar claramente.
Flor que ninguém colhe é perfume que se perde. Hora de (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 86) amor desaproveitada vem a ser pétala no estrume. Rosa murcha, adorno para o chão. Carne sem viço, adubo para a erva. Aproveite, aproveite...
Percebíamos que o desencarnado não era simples dipsomaníaco, que o álcool apenas lhe constituía porta de escape, de vez que as palavras que selecionava para aliciar influência e o jeito astucioso de sensibilizar o parceiro, antes de empalmar-lhe o raciocínio, demonstravam técnicas de exploradores consumados das paixões humanas.
Aquele perseguidor não era vagabundo acidental.
O anseio incontido com que impelia Cláudio para a jovem e a expressão com que a fitava, apaixonadamente, pareciam chegar de muito longe. Mas a ocasião não comportava investigações de retaguarda. O momento reclamava atenção. Necessário contornar obstáculos, improvisar medidas socorristas que protegessem a triste menina desarmada.
O excêntrico dueto prosseguiu entre os dois amigos que se entendiam, sem o concurso da boca.
O magnetizador pressionava, o magnetizado resistia.
Por fim, Cláudio avançou dois passos, quase vencido.
Idéias, contradições, estímulos e arrebatamentos abalroavamse-lhe, violentamente, no espaço estreito do crânio. A terrível batalha interior de alguns instantes esmorecia. A natureza animal ampliara domínio. O sedutor desencarnado rematava a obra.
Não mais a gritaria de Espírito. Não mais o entrechoque das mudas ponderações entrecortadas a esmo.
Sim – deduzia, transtornado –, ele era homem, homem... Marita, incontestavelmente mais jovem, não passava de mulher. Não lhe cabia, portanto, diminuir-se. Ela chorava, ele podia acalentála, aquecer-lhe o coração.

CONTINUA AMANHÃ

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