sexta-feira, 22 de julho de 2011

SEXO E DESTINO - CHICO XAVIER E ANDRÉ LUIZ

CONTINUAÇÃO

O verbo enrodilhar-se, na linguagem humana, figura-se o mais adequado à definição daquela ocorrência de possessão partilhada, que se nos apresentava ao exame, conquanto não exprima, com exatidão, todo o processo de enrolamento fluídico, em que se imantavam. E afirmamos “possessão partilhada”, porque, efetivamente, ali, um aspirava ardentemente aos objetivos desonestos do outro, completando-se, euforicamente, na divisão da responsabilidade em quotas iguais.
Qual acontecera, no instante em que bebiam juntos, forneciam a impressão de dois seres num corpo só.
Em determinados momentos, o obsessor afastava-se do companheiro, a distância de centímetros; contudo, sempre a enlaçá-lo, copiando gestos de felino, interessado em não perder o contacto da vítima. Achavam-se, entretanto, irrestritamente conjugados em vinculação recíproca.
Isso conferia ao semblante de Cláudio expressão diferente, O hipnotizador, cuja visão espiritual não nos atingia, senhoreava-lhe
sentimentos e idéias, enquanto ele se deixava prazerosamente senhorear. O olhar obediente adquirira a turvação característica dos alucinados. O recém-chegado transfigurara-se. Estranho sorriso franzia-lhe a boca. Diante das percepções limitadas de Marita, era ele um homem comum; no entanto, à nossa frente, valia por duas personalidades masculinas numa só representação.
Dois Espíritos exteriorizando impulsos aviltados, complementando
paixões idênticas na mesma tônica da afinidade total. Neves fitou-me, espantado. Mas, não era só ele, menos experiente, que jazia transido, amarrotado. Nós também, acostumados, no plano espiritual, aos embates do sentimento, alimentávamos aflitivas apreensões.
Aquele quarto, dantes povoado pelos devaneios doridos de uma criança, metamorfoseara-se em jaula, onde Cláudio e o vampirizador, singularmente brutalizados pelo desejo infeliz, constitu (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 80) íam juntos uma fera astuciosa, calculando o caminho mais fácil de alcançar a presa.
Um clarividente reencarnado que contemplasse o dono da casa, naquela hora, vê-lo-ia noutra máscara fisionômica.
A incorporação medianímica, espontânea e consciente, positivava-se em plenitude selvagem. O fenômeno da comunhão entre duas inteligências – uma delas encarnada e a outra desencarnada –, levantava-se, franco; ainda assim, desdobrava-se tão agreste quanto o furacão ou a maré, que se expressam por forças ainda desgovernadas da Natureza terrestre, não obstante a ocorrência, do ponto de vista humano, efetivar-se na suposta mudez do plano mental.
Para nós, porém, não se instituíam apenas as formaspensamentos, dando conta das intenções libertinas da dupla animalizada, com estruturas, cores, ruídos e movimentos correlatos; amedrontava-nos igualmente escutar as vozes de ambos, em diálogo, claramente perceptível.
As palavras escapavam do crânio de Cláudio, aparentemente silencioso para a filha adotiva, qual se a cabeça dele estivesse transfigurada numa caixa acústica de aparelho radiofônico.
Magnetizador e magnetizado denotavam sensualidade do mesmo nível.
Refletindo na corrida à garrafa, momentos antes, avaliávamos o perigo aberto à menina indefesa. A diferença, ali, é que Cláudio ainda encontrava recursos a fim de parlamentar, dentro da hipnose – hipnose que ele, aliás, amimalhava.
Discorria o obsessor, comovendo-o, no intuito patente de arruinar-lhe os restos do escrúpulo, através da emoção: – Agora, agora sim!... O amor, Cláudio, é isto... Esperar, por vezes, anos a fio, para dominar a felicidade num simples minuto.
Existem mulheres aos milhões; entretanto, esta é a única. A única (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 81) que nos poderá, enfim, aplacar a sede. Pontos de apoio alongamse em toda parte, mas o pássaro viaja, léguas e léguas, suspirando por descansar na penugem do próprio ninho... Na fome física, todo alimento serve, mas no amor... No amor, a felicidade é semelhante ao aro de que o homem possui a metade e a mulher detém a outra. Para que a euforia vibre perfeita no círculo, é imperioso que as metades sejam da mesma substância. Ninguém alcança a fusão de um pedaço de ouro com um pedaço de madeira. Paganini tocou numa corda só; entretanto, a corda se harmonizava com ele. Jamais arrancaria no mundo o menor sinal do próprio gênio, se apenas dispusesse para o violino das cordas de cânhamo, ainda mesmo que essas cordas o desafiassem a toneladas. Cada homem, Cláudio, para realizar-se nos domínios da vitalidade e da alegria, há de encontrar a mulher magnética que lhe corresponde, companheira na afinidade absoluta, capaz de lhe oferecer a plenitude interior, que transcenda convenções e formas ...3
Pausava-se a voz, por segundos, para continuar, suplicante, proclamando sofismas arguciosos: – Vamos! Marita é nossa, nossa!... Somos homens sequiosos, sofredores... Apiedamo-nos de enfermos abandonados, administrando-lhes remédio seguro; somos o apoio certo de mendigos que tropeçam às tontas... Acaso, mereceremos simpatia menor? Os que enlouquecem, esfaimados de ternura, serão piores do que os infelizes, a se estirarem na rua por falta de pão? Você, Cláudio, tem amargado angustiosa carência. Um pedinte na praça não tem 3 Compreendemos o caráter negativo da linguagem do Espírito desencarnado, quando em deploráveis condições de ignorância, mas acreditamos seja nossa obrigação consigná-la, nestas páginas, ainda mesmo esbatida qual se encontra, prevenindo criaturas sensíveis e afetuosas, que, às vezes, abdicam impensadamente do próprio raciocínio, arrojando-se em profundo sofrimento moral, em nome do coração. (Nota doAutor espiritual.) (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 82) leve pitada de suas aflições. De que valem vencimentos fartos e experiências de lupanar, quando o amor verdadeiro grita insatisfeito na carne? Você vive no lar, à moda de cão na sarjeta. Escoiceado, ferido... Marita é a compensação. O cultivador, porventura, não tem direito ao fruto que amadurece? Você abrigou esta menina nos braços, embalou-a no peito; viu-lhe o crescimento, como quem acompanha a evolução da flor que desabrocha, e acabou descobrindo nela o seu tipo. Não estará você cansado de vê-la e desejá-la, ardentemente, todos os dias, resignando-se ao suplício da distância, vivendo tão perto? – Criei-a, no entanto, como sendo minha própria filha... – suspirou Cláudio, crendo falar para si mesmo. – Filha? – insistiu o sedutor. – Mero artifício social. Apenas mulher. E quem assegurará que ela também não espera por seu beijo com a sede da corça, presa ao pé da fonte? Você não é nenhum neófito; sabe que toda mulher estima render-se, em trabalhosa porfia.
Conjeturando-se dividido mentalmente em duas personalidades distintas, a de pai e a de enamorado, Cláudio argumentou, desencorajando-se.
Não desconhecia que a moça já se revelara. Elegera Gilberto, o rapaz com quem se dava a passeios freqüentes. Era impossível que o amasse, a ele, Cláudio, em segredo. Não alentava dúvidas.
Ciumento, acompanhara-os, discretamente, em excursões domingueiras, sem que lhe desconfiassem da presença ou do zelo ofendido.
Nunca lhes ouvira as palavras; entretanto, apanhara-lhes, às ocultas, os gestos equívocos. Admitia-se com razão para convidar o estouvado a compromisso. Calculara, calculara. Todavia, quando se inclinava a pedir conselho de autoridades policiais, chocarase com o imprevisto. Homem de prolongada vida noturna, passou a esbarrar com a filha, em recantos de prazer, não apenas na companhia de Nemésio Torres, o cavalheiro que desempenhava, junto

CONTINUA AMANHÃ

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