quarta-feira, 20 de julho de 2011

SEXO E DESTINO - CHICO XAVIER E ANDRÉ LUIZ - PARTE 16

 CONTINUAÇÃO

A princípio, a desilusão conturbara-lhe o ânimo, através deum colega que a obsequiava, repetidamente, com entradas decinema. Conhecia-lhe a noiva, professora jovem e distinta que selhe afeiçoara ao convívio.
Que mal em se verem juntos para uma fita simpática, de vezem vez? Iniciaram-se os momentinhos de encontro fraterno. Intimidade dos minutos propícios. Copacabana, aqui e ali. Um cafezinho de bar, nas horas de vento frio, um sorvete na praia, quando o calor vinha forte. Mera camaradagem. Amiguinho, fazendo o papel do irmão que não tivera.
Veio, porém, a noite em que ele se apresentou, transtornado.
Chegara sem a noiva, que se dirigira a Petrópolis. Acontecimento natural, conquanto raro. Nada prenunciava sucessos desagradáveis, nenhum motivo de inquietação.
Conversaram, pacificamente, nas areias do Leme. A Lua nascera, plena, inspirando-lhes pensamentos mansos e alegres, enquanto se expunham ao sopro refrigerante do mar.
O trabalho na loja fora banho de suor copioso, no dia cálido.
Falavam acerca de freguesas apressadas, mencionando clientes ásperos. Riam-se, despreocupados, ao jeito de colegiais, no intervalo das lições.
Ele, no entanto, começou o inesperado, reportando-se a medidas.
A fita métrica, a seu parecer, não satisfazia, de todo, em casos determinados de atendimento. Necessária a adoção de recursos
psicológicos para tranqüilizar compradores inquietos,
quando se interessassem simplesmente por fragmentos de rendas
ou passamanes.
Nisso, pediu-lhe a mão pequena para confrontá-la com a dele e, respondendo, espalmara a destra sem qualquer prevenção.
Assustou-se, ao sentir-lhe a mão hirsuta e máscula, comprimindo- lhe os dedos. (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 70)
Intentou desvencilhar-se. O rapaz, contudo, fez-se claro nos propósitos infelizes. Puxou-a, num gesto brusco, de encontro ao peito, gaguejando declarações.
Na vertigem da pessoa atingida pelos efeitos de um raio, em  momento de céu aparentemente azul, quis gritar, reclamar socorro, mas o sangue turbilhonava-lhe na cabeça.
Impetuosamente submetida àqueles lábios que se colavam aos dela, desfaleceu por segundos.
O hálito sedutor do primeiro homem que a retinha, submissa,
destilava o magnetismo da serpente, quando hipnotiza o pássaro confiante.
O desmaio, no entanto, durara um instante só. A profunda e invencível reação da feminilidade unida à consciência surdiu, rápida. A noção de responsabilidade relampagueou-lhe no raciocínio.
Bastou isso e o impulso sexual esmoreceu, neutralizado.
Ideou a imagem da amiga ausente, compreendeu todo o perigo a que se expunha.
Aspirava, sim, a ser mulher de um homem, companheira de alguém que lhe fosse companheiro. Compenetrava-se, com humildade, da sua condição de criatura humana, moça sequiosa de afeto, prelibando emoções da maternidade, mas não concordaria com o próprio aviltamento em deslealdade ou devassidão.
Apelou para todas as energias de que se reconhecia capaz e, tocada de súbita resistência, arrojou longe o perseguidor que lhe pressionava o busto tremente.
Desembaraçada, o pranto explodiu-lhe quente e doloroso.
Interpelações da alma sincera estouraram, contundentes e francas.
Onde os compromissos do noivado? que fazia da jovem correta que lhe empenhara o destino? trazia, assim, o coração rolando (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 71) tão baixo? não possuía acaso, mãe e irmãs, para as quais exigia valimento e respeito?
Lívido e atarantado, o colega escusou-se, asseverando, impudente,
que não a supunha meninota antiquada.
Estava comprometido, noivo há meses, no entanto – sublinhou, cínico –, a seu modo de ver, era muito natural que ele e ela,
Marita, ainda jovens, desfrutassem o tempo, acrescentando, ainda,
em sua filosofia desabusada, que todo viajante consciente, embora
conheça o caminho certo, é livre para saborear os frutos que pendam de plantas erguidas à margem.
Zombou-lhe das lágrimas e retirou-se, gargalhando, sarcástico,
para depois hostilizá-la em serviço.
Ocorreram outros impedimentos e tentações.
O sobrinho do chefe, bonito rapagão recém-casado, insinuarase, começando por um presente de aniversário e terminando por solicitar-lhe colaboração no escritório, onde pretendeu arrancarlhe atitudes inconfessáveis. Angariara inimigo novo e amargara preterições.
Enquanto isso, observava que Marina se alterara, sensivelmente.
Favorecida pelo devotamento materno, alcançara diploma de contadora, situando-se com manifestas vantagens. E, decerto pelo motivo de ganhar expressivas somas na profissão, sustinha, desajuizadamente, prodigalidades e excessos. Figurinistas de prol,
penteados extravagantes, bebedeiras e tafulices.
Nesse ponto das confidências mudas, o vulto de um jovem raiou, nítido. Ao estampá-lo na paisagem dos mais recônditos pensamentos, transfigurou-se a castigada criança.
Desanuviou-se-lhe o firmamento íntimo. Queixas arredadas, apreensões esquecidas. (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 72)
Clareou-se a aura de tal modo, ao refletir o rapaz, que o fenômeno
induzia às mais belas apreciações do entusiasmo poético.
Vaso pensante que incorpora o privilégio de esculpir-se e alindarse, à vontade, para encerrar a flor predileta. Lago consciente, mantendo a faculdade de esconder, de inopino, todos os detritos de suas águas, metamorfoseando-se em espelho suave e cristalino para retratar uma estrela.
Marita amava o escolhido com a firmeza da árvore que se levanta sobre a raiz principal de apoio, com a abnegação das mães, que preferem morrer, felizes no sacrifício extremo, se for essa a condição para que os filhos queridos logrem viver.
Enlevado com o painel, que se configurava qual retábulo vivo, incutindo respeito religioso, interroguei-me, quanto ao lugar onde teria visto quadro idêntico: jovem mulher plasmando aquele rosto no campo mental.
Vasculhei a memória e identifiquei-o. Era o adolescente cujo semblante repontava dos pensamentos de Marina, senhoreandolhe
o coração, de parceria com Nemésio.
Ambas as meninas jaziam espiritualmente imanadas a ele por laços idênticos. Cruzavam-se-lhes as preferências, sócias de análogo destino.
Relanceei o olhar sobre Neves, que me espreitava, atento, exercitando-se em serviço de análise psíquica, percebendo-lhe a
face transida de mágoa.
Bastou recolher-me o sinal e aproximou-se, impulsivo, segredando-me, transtornado:
– Ainda não nos entendemos devidamente. Sabe você quem é este? É meu neto, Gilberto, filho de Beatriz...
Articulei breve aceno, rogando-lhe aguardar ensejo que fosse vantajoso à conversação, e graduei, dentro de mim, os efeitos do impacto emocional. Eu, que me abeirara daquela atormentada (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 73) criança, imaginando-me na posição de um pai socorrendo uma filha, sopitei, a custo, o espanto que me assaltava, para não tresmalhar-me na inconveniência da compaixão destrutiva.
Não sabia de que modo o pesar me doía mais, se ao refletir em Marina, a dividir-se entre pai e filho, ou se ao concentrar a atenção naquela moça triste, profundamente lesada nos tesouros do sentimento.
Estanquei no íntimo as impressões que me sensibilizavam e prossegui, pesquisa adiante.
A muda confissão da jovem avançou em reminiscências vivas e francas.
Conhecera Gilberto, precisamente há seis meses, no gabinete do chefe. Ela prestava informações de serviço, ele representava os interesses do próprio pai, em negócios alusivos à venda de imóveis.
Com que deslumbramento lhe recebera os primeiros olhares afetuosos e indagadores! Elos de intensa afinidade passaram, desde então, a jungi-los um ao outro, sem que lhe fosse possível justificar a sede crescente de comunhão que a dominava.
Para surpresa maior, na excursão inicial que lhes precedera a série de passeios e entretenimentos felizes, soubera, satisfeita, que
Marina, recentemente empregada, se fizera contadora da firma em
que o genitor dele se destacava como sendo a figura mais importante.
Riram-se da coincidência com a ingenuidade de duas crianças.
Marita confiara-se a ele, integralmente. Amava-o, sentia-se amada.
Desde que se lhe apoiara ao braço, pronto a enlaçá-la e protegê-la, mais vastos horizontes se lhe descerraram à alma. Tolerava (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 74) as alfinetadas do cotidiano, transformando-as em notas de perdão e alegria. A Natureza desvendava-lhe encantos novos. Admitia que outra luz se lhe acendera nos olhos, permitindo-lhe descobrir a beleza do mar; detinha, sem explicá-la, certa música nos ouvidos para assinalar, contente e embevecida, as ternas arengas das crianças e as vozes dos passarinhos. Desligara-se do calvário doméstico; o tempo voava, doce, ao coração. O amor correspondido anestesiara-lhe a sensibilidade. Nenhum peso a carregar, nenhuma noção de sacrifício.
Dera-se a Gilberto, copiando a passividade da planta que se rende ao cultivador, da fonte que se entrega ao sedento.
O filho de Nemésio Torres prometera-lhe casamento. Falava do futuro risonho, suscitava-lhe sonhos de maternidade e ventura.
Para fazê-la integralmente feliz, apenas aguardava a melhoria econômica que adivinhava perto.
Apesar de tudo, tinha agora o coração farpeado, abatido.
Convencia-se de que Gilberto se enfastiara, que ambos, precipitados à fome de prazer, haviam colhido, antes do tempo, a flor da felicidade que parecia frustra.
Marina adiantara-se. Sempre Marina...
Na véspera, surpreendera a irmã e Gilberto num colóquio, que não deixava dúvidas. Ouvira-lhes a conversação impregnada de ternura ardente, sem ser pressentida.
Nesse ponto das lembranças amargas, ao modo de ave repentinamente ferida, estirou o corpo desgovernado, abandonando-se a lágrimas convulsas.

CONTINUA AMANHà  

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