segunda-feira, 18 de julho de 2011

SEXO E DESTINO - CHICO XAVIER E ANDRÉ LUIZ

CONTINUAÇÃO

Era sozinha em assuntos de seu sexo.
Mãe e filha empenhavam-se, deliberadamente, na abstenção de qualquer parecer, quando se tratasse das incertezas dela na escolha de figurinos. Deixavam-na à revelia de qualquer assistência nos cuidados que uma jovem deve a si mesma, embora Dona Márcia, de quando em quando, a escutasse com ternura maternal, em tudo o que se referia às suas indagações de menina e mulher, necessitada de instrução para a vida íntima.
Quando sobrevinha a possibilidade do intercâmbio afetuoso, certificava-se de que a esposa de Cláudio possuía vasto patrimônio de compreensão e carinho, abafado sob o peso de conveniências e convenções, semelhando tesouro enterrado nas raízes de sólido espinheiro.
Aproveitava-se dessas horas de efusão entre ambas, exibindolhe todas as dúvidas e perplexidades que se lhe estacavam na imaginação, aguardando a brecha propícia.
Dona Márcia afigurava-se largar distâncias e respondia-lhe entre beijos, demonstrando vivamente que o lume da dedicação e da confiança de outros tempos não se lhe arrefecera no coração.
Sorria, encantava-se. Expandia-se-lhe a meiguice maternal, em apontamentos sábios e doces. Suprimia-lhe a insipiência no trato com os problemas começantes da vida feminina, dando-lhe a impressão de haver reencontrado a mãezinha, que acreditara possuir ao pé do berço, quando aquelas mãos belas e finas, agora distanciadas, lhe afagavam a cabeleira.
Entretanto, o momento luminoso escoava-se, rápido.
Marina chegava e turvava-se o ambiente.
Assistia, espantada, à transformação que se operava de improviso.
A interlocutora comprazia-se num espetáculo de personalidade
dúplice. (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 66).
Ocultava-se a mãezinha espiritual, afável e acolhedora, e aparecia
Dona Márcia, avalentoada e cortês, na atmosfera psíquica.
Inventava, de repente, alguma atividade em aposento vizinho, dava-lhe incumbências a distância, a fim de apartá-la. Assumia ares diferentes. Queixava-se subitamente de dores que, até então, jaziam ignoradas.
Ante a reviravolta, analisava o reverso do quadro.
Ambas, unidas, completavam-se em pequeninas torpezas para deprimi-la, humilhá-la. Diminuta mancha no vestuário constituía razão para sarcasmo; ligeira indisposição orgânica atraía-lhe complicada série de admoestações jocosas e indiscretas. Concediam-lhe, raramente, a honra da companhia para compras no centro.
E se as casas comerciais visitadas não dispunham, eventualmente,
de recursos mobilizáveis na entrega de encomendas, não se pejavam, mãe e filha, de carregá-la com pacotes diversos, exercitando crueldade risonha nos pejorativos com que lhe agravavam o constrangimento e a subalternidade.
Dona Márcia e Marina, juntas, à frente dela, significavam provação inqualificável que lhe competia agüentar em silêncio.
Nesses instantes, sentia o coração descompassado, em desconforto
indizível, como se estivesse encantoada num teste de tolerância e paciência, perante examinadores que lhe avaliavam as reações, entre o chiste e a impiedade.
Cedo percebeu que a irmã, filha única, não abriria mão de ínfima
parcela dos mimos caseiros, de que se supunha senhora.
Dominado o segredo de sua origem, modificara a conduta para com ela. Tramava motivos para biografá-la, nas conversações com as amigas, suprimindo, previamente, quaisquer dúvidas, suscetíveis de ocorrer, com relação às duas, no meio social. Criticava-lhe os gostos, as atitudes. E a genitora não fazia mistério na tomada de posição. (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 67)
Em separado, não vacilava ceder-lhe a ternura que vinha do passado, enriquecida talvez pela compaixão que ela, moça pobre, inspirava no presente. Isso, porém, exacerbava-lhe a secura. Ansiava repouso em dedicações estáveis. Pesava-lhe a solidão, sem qualquer parente consangüíneo que lhe disputasse os vínculos da amizade. Mensagens aos familiares de Aracélia nunca mereceram resposta. Informações procedentes da remota cidade em que sua mãe nascera inteiraram-na, por fim, de que todos eles haviamdemandado outras regiões do país, apetecendo melhor sorte.
Retinha suficiente autocrítica e discernia a situação. Estava só.
Marita, que conjeturava reaver lembranças por impulso deliberado, franqueou o propósito de recrear-se para dar conta de si, como quem se propõe alijar, por momentos, a carga que transporta, a fim de interrogar-se, quanto aos empeços do caminho.
Afrouxamos, com naturalidade, a observação aguda com que lhe acompanhávamos a exposição silenciosa.
Aliviada, indagou de si mesma se não fora o insulamento a causa de exagerar tão cedo a necessidade de companhias diferentes das que lhe traçavam no lar o estreito círculo de provas.
Encerrada nos pensamentos que lhe armavam as fantasias e receando exteriorizá-los, pelo temor do ridículo, recorrera à evasão.
Ave cansada pelo exercício prematuro das próprias asas, inquiria por que se lhe recusara alimento afetivo no ninho, onde conseguira distendê-las.
Antes, porém, que se acomodasse em algum esconderijo da mente, para fixar-se em contristações inúteis, solicitamo-la a que viesse, por gentileza, em apoio da análise que empreendíamos, no intuito de auxiliá-la e protegê-la. (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 68).
Docilmente, retomou as elucidações interrompidas, relacionando os primeiros dias de atividade na profissão de comerciária aque se afizera.
As rememorações externaram-se em jorro.
Entremostrou-nos o movimentado estabelecimento comercial em que Cláudio lhe obtivera a função de balconista. Pequeno mundo da preferência feminina. Bijuterias, perfumes, tecidos leves, roupas feitas.
No dia imediato àquele em que o pai adotivo lhe trouxera da
rua um bolo enfeitado com dezessete rosas pequenas, para comemorar-lhe o aniversário, entrara em serviço.
De começo, tudo hesitação e novidade.
Vira-se, depois, atirada aos embates do sentimento. Ligações novas, idéias renovadas.
Aliciara relações confortadoras, expandiram-se-lhe os interesses, permutava confidências, conquistava simpatias.
A imaginação agora se lhe excitava em descontrole, sugerindo-lhe adornar-se com esmero, de modo a se destacar diante do herói que lhe viria, decerto, governar o império emotivo, oferecendo-lhe um lar, pedaço de paraíso em que pudesse anestesiar o coração, desoprimir-se e achar a felicidade.
Menina bisonha, circunscrevia, até então, todos os conhecimentos, em matéria de amor, aos romances em que cinderelas anônimas acabavam em deslumbramento, nos braços de príncipes que as arrancavam da obscuridade para a glória. Entusiasmava-se com novelas e filmes que terminassem pelo altruísmo coroado ou pelas supremas aspirações humanas, convenientemente atendidas.
O destino, entretanto, escarnecera-lhe da inocência.
Comparava o contacto da vida prática a podão implacável que lhe talara todas as flores do jardim de sonhos juvenis.

CONTINUA AMANHÃ

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