sábado, 9 de julho de 2011

SEXO E DESTINO - CHICO XAVIER E ANDRÉ LUIZ - PARTE 05

CONTINUAÇÃO

CAPÍTULO 4

Acomodados, de novo, no aposento próximo, buscava soerguero ânimo de Neves, positivamente desapontado.
Arrojara-se o companheiro ao clima da dignidade ofendida, dando a impressão de que a família encarnada ainda lhe pertencia.
Exprobrava a conduta do genro. Exalçava os merecimentos da filha. Aludia ao passado, quando ele próprio vencera lances difíceis na luta sentimental. Desculpava-se.
Ouvia-lhe, condoído, os apontamentos, a refletir, de minha parte, quanto à dificuldade com que somos todos nós defrontados para dissipar a ilusão da posse sobre os outros. Não fosse a obrigação de respeitar-lhe os sentimentos e, certo, me exorbitaria, ali mesmo, em comprida tirada filosófica, recomendando o desprendimento: contudo, logrei apenas confortá-lo:
– Não se aflija. Desde muito aprendi que para as pessoas desencarnadas, quase sempre, as portas do lar se fecham no mundo, quando a morte lhes cerra os olhos.
Entretanto, não pude prosseguir.
À guisa de duas crianças enlevadas e jubilosas, Nemésio e Marina penetraram a câmara, fugindo claramente à presença da enferma.
Guardavam no semblante a expressão dos namorados felizes, quando alimentam o clássico “enfim sós”, trancando-se contentes.
Dispus-me, instintivamente, a sair, mas Neves sustou-me o
impulso de retirada, convidando-me, aturdido:
– Fique, fique... Não louvo a indiscrição; no entanto, estou, ao lado de minha filha, em sentido direto, simplesmente há alguns dias e devo saber o que ocorre, para ser útil...
(Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 30)
A esse tempo, Nemésio enlaçara a enfermeira, qual se voltasse, de improviso, aos arrebatamentos da juventude. Amimava-lhe as mãos miúdas e os cabelos sedosos, reportando-se ao futuro.
Justificava-se, copiando as preocupações de um adolescente, interessado em vacinar a escolhida contra o ciúme. Deveriam ser bons para Beatriz, às portas do fim, e agradecer ao destino que os livrava dos aborrecimentos e percalços de um desquite, mesmo amigável... Ouvira o médico, na véspera, informando-se de que a doente não conseguiria viver mais que algumas semanas. E sorria, qual menino travesso, explicando que não admitia a sobrevivência da alma; no entanto, a seu ver, se houvesse vida além da morte, não desejava que a esposa partisse, nutrindo por eles ressentimentos quaisquer. Apaixonado, procurava convencer-se de que se via correspondido, cravando a atenção nos olhos enigmáticos da companheira, a quem se reconhecia imanizado por intensa atração.
Marina retribuía, como quem se deixava querer bem; no entanto, apresentava o fenômeno singular da emoção jungida a ele e o pensamento voltado ao outro, empenhando-se, por todos os meios, a encontrar nesse outro o incentivo necessário a essa mesma emoção.
Nemésio comentava os próprios empeços, sensibilizado.
Confessava-lhe devoção inexcedível. Não a queria de ânimo inquieto. De futuro, abandonaria os negócios. Viveriam felizes, na casinha de São Conrado, que transformaria em bangalô confortável, entre o verde do mar e o verde da terra. Mandaria aprestar a reconstrução em estilo novo, a fim de que a moradia os recebesse, no momento oportuno. Que ela confiasse. Aguardaria apenas a modificação do próprio estado social para conferir-lhe o título de esposa, esposa para sempre.
Isso tudo era dito num jogo de manifestações carinhosas em que a sinceridade prevalecia num lado e o cálculo no outro.
(Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 31)
Assinalei, porém, estranha ocorrência.
Ele e ela comunicavam-se, entre si, as mais ternas expansões de encantamento recíproco, sem ser dissoluto, e pareciam aderir, automaticamente, às impressões que esboçávamos, de vez que acompanhávamos os mínimos gestos dos dois, com aguçada observação, prejulgando-lhes os desígnios com o fundo de nossas próprias experiências inferiores já superadas.
Semelhantes registros que formulamos, com absoluta imparcialidade, são dignos de nota, porquanto, atento qual me achava ao estudo, vimo-nos obrigados a reconhecer que a nossa expectativa maliciosa, aliada ao espírito de censura, estabelecia correntes mentais estimulantes da turvação psíquica de que ambos se viam acometidos, correntes essas que, partindo de nós na direção deles, como que lhes agravava o apetite sensual.
O marido de Beatriz acentuava, em transportes de felicidade juvenil, embora a voz ciciante, o anseio com que lhe aguardava o carinho permanente no refúgio caseiro.
De inopinado, porém, a jovem prorrompeu em pranto copioso.
O companheiro beijou-lhe a face, aspirando a aliviar-lhe a tensão convulsiva.
De nosso lado, entretanto, reparávamos que Marina se fixava, cada vez mais, no moço cuja figura se lhe engastava à imaginação.
Escabroso, sem dúvida, o conflito de que se verificava possuída, à vista da sinceridade inequívoca de todas as promessas que
lhe eram endereçadas.
Olvidando os compromissos abraçados, perante a esposa, que lhe requisitava, naquela hora, mais amplas evidências de fidelidade e ternura, bandeara-se o chefe da casa, apaixonadamente, para ela, entregando-se-lhe sem reservas. Inteligente bastante para (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 32) entender quanto se lhe debilitara o raciocínio de homem circunspecto, a menina identificava a fase perigosa da partida infeliz a que se lançara e aturdia-se, ali, confundida entre aflições e remorsosa lhe arpoarem o coração.
Compelidos pelas circunstâncias à penetração dos assuntos em exame, assinalávamos as telas mentais da moça, a se lhe derramarem do íntimo, irradiando-lhe a história.
Fizera-se querida pelo maduro genro de Neves, sem dedicarlhe outros sentimentos que não fossem reconhecimento e admiração...
Todavia, agora que os acontecimentos lhe impeliam a alma na direção de laços mais profundos, tremia pelas indébitas concessões
que lhe havia feito. Remoia-lhe no espírito as recônditas reminiscências de sua aventura afetiva, recapitulando todos os sucessos pelos quais havia atraído o protetor experiente aos seus métodos sutis de sedução, para concluir, assustada, que amava até à loucura aquele rapaz franzino, que se lhe destacava do pensamento, através de cativantes apelos da memória.
Dentro dela, embatia-se guerra terrível de emoções e sensações.
Nemésio consolava-a, formulando frases de paternal solicitude.
E, ao responder-lhe às reiteradas perguntas, quanto ao choro intempestivo, a jovem adotou largo processo de perfeita dissimulação, invocando problemas domésticos para articular evasivas com que encobria a realidade.
Tentando esquivar-se de si mesma, reportou-se a supostas agruras do lar. Salientou exigências maternas, falou em dificuldades financeiras, alegou fantásticas humilhações que colhia no trato da irmã adotiva, mencionou incompreensões do genitor, em rixas constantes nos círculos da família...
O interlocutor reconfortou-a. Que não se amofinasse. Não estaria a sós. Partilhar-lhe-ia todos os impedimentos e dissabores, (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 33) fossem quais fossem. Tivesse paciência. O desenlace de Beatriz,indicado para breves dias, ser-lhes-ia o marco fundamental da
ventura definitiva.
Exprimia-se Nemésio em tom de súplica. E talvez percebendo que apenas à força de palavras não conseguiria subtraí-la aos soluços, arrancou de pasta próxima um livro de cheques, colocando-lhe expressivo concurso amoedado nas mãos que o lençomolhado umedecera.
A moça pareceu mais comovida, exibindo no rosto a apreensão de quem se recriminava sem qualquer justificativa de consciência, ao passo que ele a enlaçava, afetuoso. No silêncio que sobreveio, voltei-me para Neves, mas não consegui pronunciarpalavra.
Não obstante desencarnado, o amigo se me afigurava agora um homem positivamente vulgar da Terra, que a revolta azedava.
Sobrecenho crispado alterava-lhe a feição no desequilíbrio vibratório que precede as grandes crises de violência.
Receava se lhe transfigurasse a calamidade emotiva em agressão,mas sucedeu o imprevisto.
A súbitas, venerando amigo espiritual penetrou a câmara.
Arrebatadora expressão de simpatia marcava-lhe a presença.
Radioso halo circundava-lhe a cabeça; no entanto, não era a luz suave a se lhe extravasar docemente da aura de sabedoria que me impressionava e sim a substância invisível de amor que lhe emanava da individualidade sublime.
Fitei-lhe os olhos, de relance, com a idéia enternecedora de quem revia um companheiro, longamente esperado por aflitivas saudades acumuladas no coração.
Fluidos calmantes banhavam-me todo, qual se fosse visitado no âmago do ser por inexplicáveis radiações de envolvente

CONTINUA AMANHÃ

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