segunda-feira, 25 de julho de 2011

SEXO E DESTINO - CHCICO XAVIER E ANDRÉ LUIZ


CONTINUAÇÃO

– Marita, pareço um velho, mas você me fará jovem... O coração é seu, seu...
O obsessor, com trejeitos de lascívia, prelibava o lance final.
Marita, no entanto, percebendo a intenção inequívoca do homem apaixonado, que arrojava o rosto maduro e bem tratado sobre o dela, intentou recuar.
– Não, não! – gemeu, suplicante, ao sentir-lhe o hálito.
Cláudio, porém, cujas forças jaziam somadas à valentia do “outro”, enlaçava-lhe o busto, copiando o procedimento de um jovem mal comportado.
Qual se houvéramos combinado previamente a defesa, Neves e eu saltamos na direção dela, ofertando-lhe as mãos, para que pudesse arrancar-se, e a vítima, crendo apoiar-se nos próprios recursos, conseguiu levantar-se num prodígio de ligeireza, estacando, à frente dele, que a fitava, agora, com a expressão desconfiada de um animal repentinamente ferido.
– Papai, não me faça mais infeliz... Poupe-me a humilhação!...
O dono da casa, ao impacto da recusa imprevista, pareceu desligar-se do amigo desencarnado, lembrando a fera que se desvencilhasse, de inopino, do encantamento mantido pelo domador; entretanto, o parceiro trazia uma carga de paixão vigorosa demais para desistir facilmente. Retomou, impetuoso, o próprio domínio, a ponto de antepor a máscara fisionômica ao semblante de Cláudio. Cerrava os punhos, despedia cólera letal. Estabeleciase pavoroso conflito na mente de cada um. Num deles, o desapontamento e o desespero, no outro, a malignidade e a agressão.
O pai adotivo, carregando o estranho fardo de angústia, mesclada de revolta, incapaz de compreender os sentimentos contraditórios que o faziam avizinhar-se da loucura, passou a clamar, inconsiderado: (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 92)
– Isto é a explosão de muitos sofrimentos acumulados. Fiz tudo para esquecer e não pude... Que fazer com esta inclinação que me arrasta? Sou palha no vento, minha filha! Desde que a vi menina, carrego esta idéia fixa... Se eu fosse religioso, diria que um demônio mora dentro de mim. Um demônio que me atira constantemente sobre você. Em sua presença, quero pensar em você, como sendo minha filha, crescida em meus braços e não posso... Li muitos livros de Ciência para saber o que se passa, mas o enigma continua. Quis procurar um médico; entretanto, senti vergonha de mim próprio... É só você que eu vejo em tudo! Odeio Márcia, desprezo Marina... Tenho acalentado a esperança de uma viuvez que nunca chega, a fim de oferecer-me a você, sem condições...
Tenho ciúmes, ciúmes que me afogam a alma em labaredas...
Detesto esse rapaz leviano, inconsciente...
A voz de Cláudio amaciara-se, adquirindo tom lacrimoso. Identificava-se-lhe o abalo sentimental. O perseguidor duplicou em desprezo tudo o que ele exprimia em emotividade, provocando inesperada reviravolta. O pai enternecido deu lugar ao enamorado violento. Avinagrara-se a ternura, semelhando calda azedada.
Revelando súbito transtorno, deitou à filha adotiva um olhar de escárnio, traumatizando-a de horror, a esbravejar, dementado: – “Não, não posso humilhar-me assim. Você sabe que não sou nenhum tonto. Há quinze dias, acompanhei vocês dois a Paquetá, sem que me vissem... Segui-lhes o passo descuidado e feliz, como se eu fosse um cão escoiceado pelo destino... Ao cair da noite, vi quando vocês dois se enlaçaram, trocando promessas e falando bobagens, na Ribeira... Arrastei-me no matagal e vi tudo... Desde então, enlouqueci... Pelo jeito, vocês andam acanalhados, há muito tempo... Você! você, que eu supunha intangível, entregue a um menino doido!... Ingênua! Julga que não tenho motivos para expulsá-la! Você imagina que me falta coragem para chamar às contas esse filho de papai rico?” (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 93)
Alterando o tratamento paternal de que se valia, rugiu, brutalizado: – Marita, fique sabendo que você agora não é mais criança!
Você é apenas mulher, não passa de mulher, mulher...
A jovem soluçava. Reconhecendo-se descoberta nas mais íntimas nuanças da conduta impensada, não ousava erguer a fronte. Neves, incapaz de remover o próprio assombro, abeirou-se de mim, rezingando: – Você está vendo? Este homem será louco ou desbriado?
Temendo-lhe a impulsividade, fi-lo recordar as atitudes ponderosas e cristãs do irmão Félix, informando, discretamente, que me achava em oração, a exorar o auxílio da esfera superior, porquanto, ali, não dispúnhamos de maiores recursos para impedir um assalto passional de penosas conseqüências. – Oração? – chasqueou o companheiro, positivamente desencantado
– não creio que os anjos se ocupem de casos como este.
Aqui, meu amigo, e em outros lugares onde tenho visto muito bicho velho fantasiado de gente, só a polícia...
Efetivamente, os anjos pessoalmente não nos atenderam às rogativas silenciosas, enunciadas desde o início da cena desagradável; no entanto, o socorro apareceu.
Ouviu-se barulho de ferrolho em ação e alguém penetrou em casa, ruidosamente.
Sobreveio o choque providencial.
Cláudio, em sobressalto, desligou-se do hipnotizador, que se lhe postou de lado, um tanto desenxabido.
Marita cobrou energias, regressando ao leito, enquanto o chefe do lar se recompunha à pressa.
Espantados, notamos, porém, a surpreendente capacidade de fabulação da qual Nogueira dava mostras. Ele próprio, sem qual (Francisco Cândido Xavier - Sexo e Destino - pelo Espírito André Luiz 94) quer ingerência do obsessor, começou a tramar em pensamento a desculpa com que se justificaria.
Agindo quase que mecanicamente, libertou a porta que havia prendido, perspicaz, abriu janela próxima e, de imediato, esbelta senhora surgiu, indagando, apreensiva:
– Que é que há?
Tratava-se da esposa que voltara, de imprevisto.
Dona Márcia alegava susto, asseverando ter ouvido um vozeirão ao chegar. Cláudio, no entanto, repondo a máscara das conveniências, entornou pela boca a versão que inventara, ali, naquele momento, diante de nós.
Fixou a moça, de modo significativo, e tranqüilizou a senhora, dizendo-lhe, com a maior sem-cerimônia, que chegara a casa, momentos antes, encontrando o gás do fogão a volatilizar-se.
Fechara as saídas que a cozinheira deixara abertas e exortou a que se lhe chamasse a atenção, no dia seguinte. Dona Justa, a companheira do serviço doméstico, devia examinar os aparelhos da casa, minuciosamente, antes de se retirar. Acentuou que, atemorizado, descerrara as janelas, arejando o ambiente. Quando envergava o pijama, aduziu com absoluta seriedade a lhe transparecer do semblante, ouvira gemidos agoniados. Correu ao aposento das meninas, surpreendendo Marita a gritar, inconsciente. Sonâmbula, sonâmbula como sempre... Acordara-a, atarantado, averiguando, porém, que tudo estava em ordem.
A jovem, mergulhada na penumbra, cobriu o rosto com o lenço para ocultar as lágrimas, abandonando-se à inércia, como se transferisse a cabeça de um sono para outro.
A recém-chegada riu-se, sem suspeitar, de leve, do vulcão que faceava, e, qual se desejasse compensar-lhe a indiferença, Cláudio, de volta ao salão, esboçou um aceno gentil, convidando Márcia a descansar.

CONTINUA AMANHÃ

Nenhum comentário: