sexta-feira, 17 de junho de 2011

AS VIDAS DE CHICO XAVIER - A VIDA DESAPROPRIADA - PARTE 8


CONTINUAÇÃO

- Muito obrigado.
No final do ano, Chico encontrou energia para quebrar o jejum televisivo. Voltou à TV Tupi, não como entrevistado, mas como ator da novela O Profeta. Fazia um favor a sua amiga Ivani Ribeiro, a novelista, e agradecia à emissora responsável pela divulgação do espiritismo no início daquela década. Seu papel na trama: Chico Xavier. A cena foi rápida.
O pai do profeta do título pediu socorro ao médium, pois estava preocupado com as atitudes do filho, Daniel. Ele usava os poderes espirituais para ganhar dinheiro.
Chico aconselhou de improviso:
- Deixe que a própria natureza se encarregue de mostrar a ele o caminho certo. Ninguém tem o direito de usar a mediunidade como meio de exploração comercial. O tempo se encarregará de amadurecer nele essa convicção.
Também naquele ano, Chico se envolveu numa “novela " bastante real e bem mais trágica.
Ele fechou os olhos e colocou no papel uma carta assinada por Maurício Garcez Henriques, de 16 anos. Sua tragédia tinha sido notícia de jornal dois anos antes. Maurício fora assassinado pelo melhor amigo, José Divino Nunes, então com 18 anos. Os dois eram inseparáveis. José Divino foi preso e defendeu a própria inocência: o tiro tinha sido acidental. Para piorar sua situação, perdeu o pai e a mãe num desastre de automóvel, logo após ser detido.
A família de Maurício, inconformada, exigia a punição do assassino. Em meio à investigação, atormentada pela dor da perda, ela cumpriu o roteiro seguido por milhares de pessoas de todo o país. Apesar de serem católicos, o pai e a mãe da vítima foram para Uberaba em busca de Chico Xavier. No primeiro contato, Chico repetiu a velha frase:
- O telefone só toca de lá pra cá.
De dois em dois meses, a família voltava a Uberaba. Recebia sempre pequenos recados como resposta aos pedidos que deixavam sobre a mesa. Os enfermeiros do além avisavam:
- Nosso caro amigo está sob a assistência de abnegados amigos espirituais.
- O querido filho está presente e beija-lhe o coração materno.
- O filho querido agradece as preces e as lembranças.
A primeira carta veio em 1978. O morto pedia   "resignação e coragem " e garantia:
- O José Divino nem ninguém teve culpa em meu caso. Brincávamos a respeito da possibilidade de ferir alguém pela imagem no espelho. Sem que o momento fosse para qualquer movimento meu, o tiro me alcançou, sem que a culpa fosse do amigo ou minha mesmo. O resultado foi aquele. Se alguém deve pedir perdão sou eu, porque não devia ter admitido brincar em vez de estudar. Estou vivo e com muita vontade de melhorar.
Os pais de Maurício ficaram impressionados. A assinatura da carta escrita por Chico era quase idêntica à da carteira de identidade do rapaz e o texto estava repleto de referências a parentes e assuntos pouco conhecidos da família. Mas o pai ainda queria ver José Divino atrás das grades.
No dia 12 de maio de 1979, véspera do Dia das Mães, Chico escreveu outra carta assinada por Maurício:
- "Peça a meu pai que, no íntimo, aceite a versão que forneci do acontecimento que me suprimiu o corpo físico. Não se procure culpa em ninguém  ".
O recado foi estampado em folhetos pelo casal, acompanhado de fac-símiles das assinaturas da carteira de identidade e das cartas, O material foi anexado pela defesa ao processo na justiça.
A tese do advogado esclarecia: A vítima Maurício Garcez Henrique, desencarnada, envia mensagem de tolerância e magnitude espiritual, inocentando seu amigo José Divino e dizendo que ninguém teve culpa em seu caso, tudo através do renomado médium Francisco Cândido Xavier.
A sentença do juiz Orimar de Bastos, em 16 de julho de 1979, causou alvoroço:
“Temos que dar credibilidade à mensagem de Chico Xavier, apesar de a Justiça ainda não ter merecido nada igual, em que a própria vítima, após sua morte, vem revelar e fornecer dados ao julgador para sentenciar. Ela isenta de culpa o acusado, fala da brincadeira com o revólver e o disparo da arma. Coaduna este relato com as declarações prestadas pelo acusado.
Veredicto: "Julgamos improcedente a denúncia para absolver, como absolvido temos, a pessoa de José Divino Nunes  ".
O caso, inédito, repercutiu até mesmo no exterior. Os jornais National Enquire e Physic News, dos Estados Unidos, abriram espaço para o escândalo. O National definiu a saga jurídico espiritual brasileira como  "um dos mais bizarros processos na história do Direito ". O juiz virou até entrevistado de Flávio Cavalcanti. Após se declarar católico, Orimar de Bastos definiu a carta do outro mundo como  "um pequeno subsídio " capaz de reforçar a tese que ele já defendia de acordo com as provas dos autos.
Chico Xavier também deu seu depoimento e defendeu o uso de declarações do outro mundo nos tribunais da Terra.
Como cristão acredito que, se a mensagem de alguém que se transferiu para a Vida Espiritual demonstrar elementos de autenticidade capazes de interessar uma autoridade humana, essa mensagem é válida para qualquer julgamento.
Na década seguinte, dois mortos se tornariam testemunhas de defesa dos responsáveis por suas mortes, graças a Francisco Cândido Xavier. O ex réu do processo Humberto de Campos ganhava status de escrivão do além nos tribunais.
No dia 2 de abril de 1980, Chico completou setenta anos. Não quis festa nem homenagens. Preferiu ficar em casa. Jornais e revistas estamparam seu currículo:
183 livros, 8 milhões de exemplares vendidos em quinze idiomas, 10 mil  "cartas " de mortos a suas famílias, 360 mil autógrafos, duas mil instituições de assistência fundadas, ajudadas ou mantidas com os direitos autorais ou com as campanhas beneficentes promovidas por ele. O censo daquele ano revelou a presença de 1,5 milhão de espíritas no país ou seja, desde o primeiro Pinga-Fogo o número de kardecistas confessos tinha triplicado.
Três dias após seu aniversário, no Sábado de Aleluia, Chico rompeu o retiro e reaparaceu embaixo do abacateiro, na Vila dos Pássaros Pretos. Amigos do Rio, liderados por Augusto César Vanucci, ofereceram-lhe um presente: a candidatura ao Prêmio Nobel da Paz. Chico sorriu, desconversou e continuou a distribuir alimentos, remédios e roupas aos pobres da periferia.
Na semana seguinte, Vanucci convidou o maior fenômeno espírita do país a participar de um programa em homenagem ao médium baiano Divaldo Franco, considerado o mais importante orador da doutrina. Chico teria de gravar um depoimento no Teatro Globo, no Rio. Ele aceitou o convite, reverteu o cachê de 50 mil cruzeiros à Fundação Maneta Caio e apareceu no teatro na hora combinada. Uma das artistas convidadas, Glória Menezes, teve uma crise de choro ao deparar com aquele senhor sorridente, amparado por auxiliares.
Vanucci tinha mentido. Chico iria participar de um programa dedicado a si mesmo, Um Homem Chamado Amor. Era o lançamento de sua campanha para o Prêmio Nobel da Paz.
No roteiro, poemas e mensagens de Chico declamados por artistas como Lima Duarte, Tony Ramos e Paulo Figueiredo, depoimentos de amigos como Roberto Carlos e muita música. Roberto cantou Ave Maria e Força Estranha, Vanusa apresentou sua Prece de Cáritas, Joyce interpretou Clareana e Elis Regina No Céu da Vibração.
Com uma camisa xadrez amarrotada sob o terno branco, diante de um retrato a óleo de Emmanuel, Chico Xavier falou sobre a infância, defendeu a inseminação artificial e desempenhou o papel de garoto propaganda do papa João Paulo II, então prestes a desembarcar no Brasil:  "Devemos recebê-lo com todas as atenções de que ele é digno e de que tanto fez por merecer, conduzindo a Cristandade com tanta abnegação e com tanto tato para evitar que a discórdia se alastre no mundo   ".
O discurso cristão assentava bem na emissora mais poderosa do país, presidida por um amigo de dom Eugênio Sales.
Após gravar seu depoimento, Chico encarou Vanucci, o diretor do programa, e afirmou com um meio sorriso.
- Tudo pela doutrina.
Ele sabia quem era o verdadeiro homenageado e aceitou a candidatura.
Os velhos críticos de sua vaidade voltaram à tona. Chico reagiu com as antigas explicações. Reverteu a homenagem ao espiritismo, definiu como ingratidão imperdoável a recusa de   "tamanha honraria " e aproveitou a badalação em torno de seu nome para divulgar as lições de Kardec. Diante das câmeras e das canetas dos repórteres, ele repetiu uma frase muito pouco bombástica:
- Amai-vos uns aos outros como eu vos amei.
Este slogan cristão resumia, para ele, a filosofia correta de vida. Chico se agarrava à frase atribuída a Jesus e aconselhava com sua voz cada vez mais desafinada:
- Amar sem esperar ser amado e sem aguardar recompensa alguma. Amar sempre.
Como candidato ao Nobel, Chico voltava a ser notícia. E, dez anos depois do Pinga-Fogo da TV Tupi, surpreendia o público com revelações estapafúrdias. Do alto de seus setenta anos e sob o peso de sucessivas crises coronarianas, ele exibia a coragem de quem sente a morte cada vez mais próxima. Já não pensava tanto antes de confessar sua crença em discos voadores ou antes de contabilizar a "população flutuante desencarnada " da Terra: 20 bilhões de espíritos espalhados por diversas áreas invisíveis em torno da crosta terrestre, à espera de voltar ao planeta e resgatar as dívidas de existências anteriores.
Os repórteres aproveitavam a disposição do líder espírita para falar e buscavam a polêmica. Quando o papa chegou ao Brasil, foi recebido com pompa e majestade, como um rei. Aquela ostentação toda era justa num país tão pobre? Chico Xavier repetiu a mesma resposta a quem quisesse saber sua opinião. Um país que gastava fortunas com campeonatos de futebol e com desfiles de carnaval não deveria economizar para reverenciar o Sumo Pontificie, um "homem extraordinário, que tem beijado o chão de tantas terras ".
- Por que ele deveria aparecer no Brasil pedindo esmolas? perguntava. E arrebanhava católicos.
A sala de Augusto César Vanucci na Globo ganhou um apelido: Central do Espiritismo. Sua mesa ficou coberta de cartas de apoio a Chico Xavier enviadas do Brasil e do exterior. A Universal Temple Spiritualist Church, da África do Sul, prestou solidariedade e conseguiu coletar 10 mil assinaturas. A Saint Francis Catholic Church, de San Francisco, entrou no coro e outros 26 países aderiram. Os quase 5 mil centros kardecistas do país distribuíram listas de adesão e 190 câmaras municipais enviaram ofícios e requerimentos.
Uma Comissão Pró Indicação de Francisco Cândido Xavier ao Prêmio Nobel da Paz de 1981 foi formada para organizar o movimento. Entre os integrantes estavam, além de Vanucci, o deputado Freitas Nobre, sua mulher, Marlene Rossi Severino Nobre, e Divaldo Franco.
Eles trataram de divulgar um texto:  "Por que Chico Xavier?" "
A primeira frase dava o tom:  "Em 53 anos de vida pública, dedicada à paz entre as criaturas, ele atendeu a mais de 1 milhão de pessoas, uma a uma ".
Um clima de  "já ganho "" começou a tomar conta do país. Afinal de contas, a indicação de madre Teresa de Calcutá, no ano anterior, tinha como base apenas 28 entidades de assistência surgidas e mantidas pelo trabalho dela. A indicação de Chico chegaria à mesa do Comitê Nobel em Oslo, Noruega, respaldada por duas mil obras sociais, fundadas ou mantidas graças ao apoio dele.
Vanucci estava certo da vitória. E não se deixou abalar nem quando entraram no páreo como concorrentes de Chico Xavier o próprio papa João Paulo II e o líder sindical polonês Lech Walesa:
"A atuação de Walesa não vai tão de encontro ao sentido da paz, como determina o Nobel, e a luta pela paz é uma tarefa intrínseca à função de um Papa. Chico faz uma revolução social e moral no país.
Até o representante brasileiro nesse processo se empolgou. Numa de suas entrevistas, o candidato ao Nobel da Paz saiu da posição de quem se sacrificava em nome da doutrina e da gratidão aos amigos e afirmou:
- Sinto-me como se estivesse sonhando.
O deputado federal Paulo Alberto, ou melhor, Artur da Távola, então titular de uma coluna sobre TV em O Globo, aderiu à campanha e assinou um artigo pró Chico Xavier da primeira à última linha. O texto, intitulado "A figura de comunicação de Francisco Cândido Xavier ", foi anexado à documentação enviada para Oslo:
- Além da aura de paz e pacificação que parte dele, há um outro elemento poderoso a explicar o fascínio e a durabilidade da impressionante figura de comunicação de Chico Xavier, a grande seriedade pessoal do médium, a dedicação integral de sua vida aos que sofrem e o desinteresse material absoluto.
Maltratado pelas crises de angina e atordoado por quedas súbitas de pressão, o candidato ao Nobel anunciava a morte próxima.
- Já estou com o passaporte para o além.
Amigos imaginavam os capítulos seguintes: ele receberia o prêmio na Noruega e mor-
reria, então, consagrado como um santo. Talvez fosse até canonizado com a bênção do   " rival " João Paulo II.

CONTINUA AMANHÃ

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