quinta-feira, 16 de junho de 2011

AS VIDAS DE CHICO XAVIER - A VIDA DESAPROPRIADA - PARTE 7

CONTINUAÇÃO

- Pense na grande responsabilidade da sua missão. Tudo o que você sabe, pensa, canta e fala num programa de televisão é muito importante, porque você está passando toda essa gama de emoções para essa gente que te ouve e vê.
Foi o suficiente. Vanusa voltou para casa aliviada, com a mesma sensação que tomou conta do estilista Clodovil quando procurou Chico para um desabafo inesperado: sentia-se culpado por cobrar tão caro por seus vestidos. O espírita aliviou a consciência do estilista. Afinal de contas, ele gerava empregos e embelezava o mundo...
Motivada pela idéia de investir em sua "missão  ", Vanusa começou a mudar. Em vez de sofrer com suas aflições afetivas, passou a olhar mais à volta, e até a medir as palavras para passar "mensagens positivas " em declarações a jornais, revistas e TVs.
Logo, estaria casada com um dos devotos mais dedicados de Chico Xavier, Augusto César Vanucci, então todo poderoso diretor da linha de shows da TV Globo. Em pouco tempo, viveria uma experiência estranha.
Numa noite, ela se levantou da cama, foi até o piano na sala, compôs uma música em minutos, gravou a melodia, voltou para o quarto e tirou da gaveta da mesa de cabeceira um livro de orações. Abriu na página da Prece de Cáritas, se sentou ao piano e conferiu: as frases tinham sido feitas para aqueles acordes.
Na poltrona ao fundo, ela viu um vulto. Só podia ser o Vanucci. Mas não era. De repente, Vanusa ouviu a voz do marido do outro lado da sala. Olhou para trás e a sombra já tinha desaparecido.
Nunca mais conseguiu tocar a música ao piano. Era complexa demais para ela.
Vanusa passou a se dedicar a shows beneficentes e se sentir mais leve.
Nunca se esqueceu de uma previsão feita por Chico Xavier sobre sua própria morte:
- Vou morrer por causa do órgão do qual mais vivi: o coração.
Chico, já arqueado e atormentado por dores, precisava de proteção. Uberaba se encarregou de preservar sua atração turística mais concorrida. Um empresário, dono de uma frota de táxis, colocou à sua disposição um automóvel com motorista.
Chico usava o carro para transportar amigos até o hotel e, de vez em quando, saía para buscar sua aposentadoria no banco e as cartas no correio quase duas centenas todos os dias. Bastava escrever no envelope "Chico Xavier " para a correspondência chegar ao destinatário mais requisitado do país.
Até os guardas de trânsito protegiam o morador ilustre. Ele tinha o hábito de pegar o táxi para ir às livrarias e, muitas vezes, demorava quase uma hora diante das prateleiras com títulos espíritas. Enquanto Chico folheava os livros e conversava com os livreiros, o motorista costumava estacionar em fila dupla. Para se livrar da multa, bastava pronunciar as palavras mágicas:
- Estou com Chico Xavier.
Mas o médium estava longe da tranqüilidade. Não podia andar pelas ruas sem ser interrompido por admiradores e por desesperados em geral. Muitos agarravam suas mãos, imploravam conselhos, choravam. Ele sofria. Às vésperas de completar 69 anos, sentia-se frágil, vulnerável. Em 1978, a Polícia Militar da cidade escalou dois PMs para o escoltarem. Eurípedes Tahan e Eurípedes Higino Reis, o médico e o filho adotivo do médium, armaram o cerco. O cordão de isolamento em torno de Chico reforçaria sua figura de mito. A cada ano, ficaria mais inatingível.
Em pouco tempo, Chico abriu mão de seus passeios vespertinos para evitar o assédio da multidão. Acatava as recomendações médicas em nome da doutrina espírita. Precisava poupar forças para escrever os livros. Os textos do além ajudariam os desesperados. Mas os leitores queriam mais do que páginas impressas. Queriam o autor.
A Comunhão Espírita Cristã vivia congestionada. Nas filas, a cada sessão, mais de trezentas pessoas se amontoavam, mesmo sem saber se Chico poderia atendê-las. Ele já não virava noites para conversar com cada visitante. Reduziu o tempo de contato com as tragédias alheias, em 1978, para duas ou três horas às sextas-feiras.
Muitas vezes, só conseguia conversar com as setenta primeiras pessoas da fila. Eram raras as noites em que repetia as antigas performances madrugada adentro.
Quem quisesse se aproximar dele poderia arriscar, aos sábados, uma visita à Vila dos Pássaros Pretos, um bairro da periferia de Uberaba. Ao ar livre, embaixo de um abacateiro, ele e outros companheiros espíritas liam e debatiam o Evangelho.
As filas repletas de gente pobre se formavam ao redor. Chico dava um pão para cada um, colocava em suas mãos dinheiro com valor simbólico (duas notas de um cruzeiro e uma de cinco), um quilo de açúcar, outro de feijão. Os donativos, em geral, vinham dos visitantes beneficiados pelas mensagens dos parentes mortos.
A distribuição quase sempre era tumultuada. Os assistentes, liderados por Eurípedes Higino, apressavam os visitantes para que Chico descansasse logo.
Vamos embora, olha o serviço - costumavam gritar a quem tentasse conversar com o espírita.
A maioria mal conseguia tocar em sua mão.
As reclamações se acumulavam. Muita gente se queixava da arrogância do  "filho adotivo " de Chico e da truculência de seus seguranças.
A paulista Hened Lurdes Amarado foi além e desabafou com um repórter do jornal Última Hora:  "Fiquei decepcionada. Vi um homem gratificar um guarda para falar com Chico. Não fui atendida, mas dinheiro eu não dei ".
O título da reportagem traduziu uma sensação geral na época :  "Chico é um santo. Pena que seja mal assessorado ".
De vez em quando, alguém conseguia romper o cerco e chegar até Chico fora das sessões no Grupo Espírita da Prece. Mas o espírita já não era mais um modelo de paciência e resignação irrestritas. Mesmo à sombra do abacateiro, em clima bucólico, ele saía do sério e falava em tom seco, como Emmanuel. Numa tarde, uma mulher pobre avançou sobre ele com uma lista de pedidos na mão.
Chico parou e, com a fisionomia circunspecta, ouviu o discurso:
- Anteontem, enterrei meu velho. O enterro ficou muito caro e nós não temos dinheiro algum. Por isso, seu Chico...
Ele interrompeu:
- Isto aqui não é lugar para listas pedindo dinheiro. Não faça isso, por favor. Se vocês começarem a fazer isso aqui, não voltarei mais a este lugar. A reunião é de amor.
Mais calmo, ele perguntou:
- Quanto custou o enterro?
- Quinze mil.
Ele ficou perplexo:
- Como foram permitir um funeral tão caro? A gente não pode bancar o bobo, mesmo nessas horas, senão se aproveitam de nós. A senhora devia ter feito um enterro mais simples.
Em seguida, ordenou:
- Guarde essa lista. Nós veremos o que podemos fazer.
O enterro foi pago.
Para combater a doença, Chico Xavier seguia a receita de Emmanuel: caridade.
Em 1978, fiel à máxima  "aliviai e sereis aliviado " ele foi buscar forças na Penitenciária de São Paulo. A diretoria do presídio pediu aos presos interessados em ouvir a prece do espírita que se inscrevessem. Resultado: 542 detentos se apresentaram.
Na época, muitos deles liam o livro 165 de Chico, Falou e Disse.
Durante a palestra, um dos presidiários reclamou de ser tratado como um número. Chico tratou de buscar um consolo:
- Meu filho, quem de nós não é tratado por número? É número de telefone, de carro, de casa, de CEO, de cic. Nós estamos com mais números que você. Só que agora estamos na cela ambulante e vocês estão na fixa.
Após a palestra, Chico surpreendeu o diretor do presídio com uma notícia:
- Quero sair daqui, mas, antes, desejo abraçar e beijar a todos.
O diretor arregalou os olhos e quase se benzeu:
- Deus me livre. Não, senhor. Você não vai abraçar nem beijar ninguém.
Chico insistiu:
- Não senhor, doutor. Eu não viria aqui fazer prece para depois me distanciar dos nossos irmãos. Não está certo.
O diretor foi dramático:
- Neste salão, outro dia, mataram um guarda de 23 anos.
Afiaram a colher até ela virar punhal. Aqui há criminosos com sentenças de duzentos a trezentos anos. Eles podem te matar.
- Pouco importa, vim aqui para o encontro e o senhor não me permite abraçar?
O diretor se conformou com a idéia, mas tratou de organizar uma estratégia de guerra. Não podia correr o risco de virar notícia de jornal como um dos responsáveis pela morte de um dos líderes religiosos mais requisitados do país. Chico ouviu as instruções: teria de ficar atrás da mesa, cada encontro deveria ser rápido, dezoito baionetas estariam apontadas para o grupo.
Para desespero do diretor, o espírita ficou na frente da mesa. Ele abraçava e beijava cada preso. Muitos contavam segredos ou diziam algumas palavras. Tudo ia muito bem até a chegada de um senhor de quase cinqüenta anos. Ele se aproximou e ficou estático diante do médium. Não estendeu a mão, não aproximou o rosto para o beijo, não abriu a boca.
Chico perguntou:
O senhor permite que eu o abrace?
- Perfeitamente.
Após abraçar o corpo rígido, ele arriscou:
- O senhor deixa que eu o beije?
- Pode beijar.
Chico o beijou de um lado, do outro, duas vezes cada face.
Lágrimas escorreram dos olhos do preso. Antes de virar as costas, o detento agradeceu

CONTINUA AMANHÃ

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