quarta-feira, 15 de junho de 2011

AS VIDAS DE CHICO XAVIER - A VIDA DESAPROPRIADA - PARTE 6

CONTINUAÇÃO

Após a conversa, Gasparetto voltou à tona. Parecia atordoado. Em poucos instantes, após massagear as pálpebras, ele se recuperou e arranjou forças para um desabafo.
A conversa entrou em terreno escorregadio. O jovem estava cansado de tantos pintores invisíveis a seu redor.
Trabalho em telas a óleo, cinco, seis, sete e até mais horas por dia. Já pintei mais de 3 mil telas. Se deixo, os espíritos querem pintar até nas paredes. Disseram-me que eu não deveria trabalhar profissionalmente, só mediunicamente. Mas, com o tempo que eles me tomam, como é que vou me realizar na prática?
Gasparetto parecia buscar o aval de Chico para vender as telas do outro mundo. O doador de direitos autorais tinha a resposta pronta.
- Você pode disciplinar o trabalho, dando a eles um tempo adequado.
Gasparetto insistiu:
- Digo a eles: "Vocês vivem em outra realidade. Por isto, não me compreendem  ". Van Gogh, por exemplo, exige tintas importadas da Bélgica, da Holanda, e nós as importamos por 7.500 cruzeiros, uma bateria delas.
Chico Xavier recorreu ao bom humor:
- Seria bom que houvesse uma espécie de INPS dos médiuns.
Depois falou sério:
- Temos que achar um horário compatível.
Chico tinha conhecimento de causa. Até se aposentar, sempre conciliou a psicografia com seus empregos. Ao longo da vida, aprendeu a dormir cada vez menos até chegar à média de três horas e meia a quatro de sono por noite. Com o tempo, ele aprendeu a reservar quarenta minutos de seu dia ao descanso após o almoço.
Nesse período, mesmo que não dormisse, ficava imóvel e não aceitava interferências do outro mundo. Já sabia impor limites aos escritores do além. Disciplina era o segredo.
Lucrar com a mediunidade era um perigo.
Gasparetto encerrou o desabafo e se despediu.
Oito livros por ano, cerca de três mensagens particulares por sessão, serviços de desobsessão às segundas-feiras, peregrinações por bairros pobres. Chico aproveitava cada minuto. Sem se preocupar com o espaço, ele investia no tempo e se desdobrava, incansável.
No dia 26 de setembro, um domingo, às 15h, ele compareceu a mais uma tarde quilo-métrica de autógrafos, dessa vez em Ribeirão Preto. Ficou de pé, com a barriga encostada na mesa, curvado em direção à fila quase interminável que marchava devagar. Chegaram até ele 5 mil pessoas com o livro Somos Seis nas mãos. Chico os recebia, homens, mulheres, crianças, com dois beijos em cada face e com um botão de rosas. Muitos deixavam em suas mãos bilhetes dobrados.
Chico os enfiava nos bolsos do paletó. As dedicatórias já estavam escritas nos livros. Ele se limitava a assinar embaixo e a dizer:
- Muito obrigado, Deus te acompanhe...
Às quatro horas da manhã de segunda-feira, após distribuir mil rosas e 20 mil beijos, e acumular quase seiscentos bilhetes nos bolsos, Chico foi embora. Não parecia cansado.
Era só aparência.
Em novembro de 1976, seu coração deu sinais de estresse. Chico passou a ser maltratado por sucessivas crises de angina, a mesma doença que matou sua mãe.
Teria de reduzir seu ritmo para poupar as coronárias. Um motivo, e uma desculpa mais do que convincente para faltar às homenagens dedicadas a ele. Os títulos de cidadania que esperassem. Já aguardavam a vez de ser entregues ao espírita mais respeitado do país 68 deles.
Diante das fortes dores, recorreu mais uma vez a Emmanuel. E, mais uma vez, ouviu palavras nada consoladoras:
- Afinal, o que querias? Não malbarataste as energias do corpo? As lutas e as caminhadas pelo bem, embora contem com o amparo do Mundo Maior, não excluem as limitações e os desgastes do vaso físico terrestre.
Para evitar as dores no peito, Chico seguia à risca as instruções do Dr. Eurípedes Tahan Vieira. Tomava os vasodilatadores nos horários marcados, evitava o café, comia carne magra com moderação. Nunca reclamou.
Quero ser amigo da doença dizia ele.
Só lamentava mesmo a necessidade de reduzir o tempo de permanência nas sessões do Grupo Espírita da Prece.
Com muito custo e com muita culpa, Chico deixou de virar noites e passou a restringir sua maratona nas sessões públicas das 16h às 23h no máximo. A angina funcionava para ele como uma  "campainha no tórax ", o sinal de que era hora de se deitar.
Foi assim, maltratado por dores no peito, que Chico completou, em 8 de julho de 1977, cinqüenta anos de mediunidade. Espíritas e leigos comemoraram a data com entusiasmo e devoção. O escritor Pedro Bloch deu um depoimento bem-humorado numa das várias reportagens escritas sobre o aniversariante:
- "Muita gente o considera um embusteiro. Mas que divino embusteiro não deve ser para viver toda aquela vida de humildade e renúncia ".
Mesmo doente, Chico conseguiu entregar às livrarias naquele ano dez novos livros. De 1970 a 1977, tinha escrito nada menos que cinqüenta títulos – uma média anual de oito lançamentos. Nos dez anos seguintes, a média subiria para catorze ao ano.
Durante as comemorações do cinqüentenário, Chico fazia questão de se definir como alguém em paz, alegre. Não queria passar a impressão de um senhor enfermo, em agonia.
Mas estava amargurado. Numa noite, em São Paulo, um desconhecido se aproximou dele e comentou:
- O senhor é um privilegiado.
Foi o suficiente para tirar do sério o adepto da paciência.
- Meu amigo, não sei quais são meus privilégios perante os céus, porque fiquei órfão de mãe aos cinco anos de idade...
E por aí foi. O desabafo passou pelo caso Humberto de Campos, incluiu uma "escandalosa perseguição de 1958" (o escândalo Amauri Pena) e um  "internação para cirurgia de muita gravidade " (hérnia) e terminou no advento da angina.
Diante dos olhos esbugalhados do comerciante, Chico concluiu:
- Se tenho privilégios como o senhor imagina, devo os ter sem saber.
Chico estava cansado. Muitas vezes, precisava colocar um lenço encharcado de álcool entre a camisa e o peito para aliviar a dor da angina e suportar o desfile de casos trágicos no Grupo Espírita da Prece. Ao som de Mozart, Bach, Beethoven, Berlioz, a romaria se arrastava até seis horas seguidas. Doente, sentado num banco de madeira, Chico ouvia dramas dolorosos e sofria com Seu coração que levava trancos. Mas ele resistia. Parecia estar amparado por uma legião de assistentes invisíveis.
As consultas eram cada vez mais rápidas.
Chico, minha filha, de cinco anos, é portadora de mongolismo, mas eu acho que ela está sendo assediada por espírito.
Chico descartava a hipótese "espiritual " e encaminhou mãe e filha à fila de passes. Elas viravam as costas, e ele confidenciava a um amigo:
- Os espíritos estão me dizendo que essa menina, em encarnação anterior recente, suicidou-se atirando-se de um lugar muito alto.
Outra mãe se aproximava e reclamava do filho, de cinco anos:
- Ele é perturbado. Fala muito pouco e não memoriza mais que cinco minutos qualquer coisa que nós ensinamos.
Quando os dois já estavam a caminho da sala de passe Chico confidenciava:
- Na última encarnação, esse menino deu um tiro fatal na própria cabeça.
Numa das noites, uma moça de 26 anos se aproximou e desabafou:
- Minha personalidade muda demais. Às vezes, tenho impressão de ser outra pessoa. Estou ficando louca?
Essa mudança é imposta espiritualmente. No caso, você está funcionando como um espelho. Busque se ajudar.
De repente, Chico disparou a pergunta desconcertante:
- Quem é Rosa?
- É minha avó. E ouviu a notícia:
- Ela está aqui e roga que lhe diga que tem procurado ajudá-la, mas você deve exercer certo controle sobre si própria. Busque orar muito. Não se preocupe. Ela está dizendo que vai ajudar.
Em seguida, uma senhora de 45 anos, Therezinha, se aproximou e, sem dizer uma palavra, tirou da bolsa uma foto do filho Cássio e apertou as mãos de Chico.
No mesmo instante, o médium fechou os olhos e se agarrou a um lápis. O papel ficou coberto de garranchos: "Querida mãezinha Therezinha e meu querido pai Florentino, abençoem-me. Marlise, nossa irmã, Deus nos proteja a todos  ".
A carta, longa, pedia otimismo, falava do "vovô Florentino ", que, ao lado do remetente, mandava lembranças, e de duas avós convertidas em "mães do coração ". Maria Faustina e Maria Caruso.
Cada consulta durava minutos e terminava com uma frase:
- Deus não desampara.
Numa dessas longas noites, Chico se levantou da cadeira, abriu os braços e anunciou:
- Acaba de entrar na sala um lindo raio de sol.
Era a cantora Vanusa. Na fila, atormentada pelo fim do casamento com Antônio Marcos, caiu em crise de choro incontrolável. Ficou muda, aos soluços, com o rosto coberto de lágrimas. Os auxiliares de Chico levaram a cantora a uma sala ao lado e esperaram que se acalmasse. Só mais tarde conversou com Chico. Queria resposta. Sua vida iria melhorar? Ela iria se reconciliar com o ex marido?
Não ouviu resposta alguma. Chico segurou suas mãos e se limitou a dizer:

CONTINUA AMANHÃ

Nenhum comentário: