terça-feira, 14 de junho de 2011

AS VIDAS DE CHICO XAVIER - A VIDA DESAPROPRIADA - PARTE 5

CONTINUAÇÃO

No hotel, o telefone ficou perto de sua cama. Ninguém poderia telefonar. Na primeira noite, eles foram ao Centro e Chico chamou pelo nome:
Áxima, Áxima...
Como a moça não estava, a mãe dela, Jandira, se aproximou e respondeu:
-Sr. Francisco, Áxima é minha filha. Viemos aqui porque perdi meu filho.
Chico respondeu:
-Não, a senhora não perdeu o filho. Seu filho é um apóstolo de Jesus.
Wady não se convenceu, mas no dia seguinte voltou. Sentaram e esperaram.
Ouviram a leitura do Evangelho, viram Chico escrever frases e mais frases sobre o papel.
No final, a surpresa: o texto tinha a assinatura de Wady Júnior. Foi o primeiro de uma série. O pai leu com atenção cada frase e, depois de algum tempo, se converteu ao espiritismo e enterrou de vez a idéia do suicídio. A morte era impossível.
Casos como este se espalhavam, eram publicados em livros e tornavam ainda mais célebre o ex matuto de Pedro Leopoldo. De vez em quando, ele era saudado como  "o famoso Chico Xavier  " e sentia vontade de sumir, constrangido.
Estava tão popular que virou cordel. Em 1974, o alagoano Enéias Tavares Santos escreveu num livreto, em 208 estrofes, A Verdadeira História de Chico Xavier. Foi impecável:
Hoje Chico é o maior
No setor da mediunidade
Vive lá em Uberaba
Aquela grande cidade,
Com uma obra grandiosa
Praticando a caridade.
Assim vai realizando
A sua grande missão:
Lá oitocentas crianças
E adultos também vão
Receber seus alimentos
Nos fundos de um galpão.
E se acaso uma pergunta
Ao Chico é formulada,
Concernente a suas obras,
Responde com voz pausada:
Eles são que fazem tudo
Eu é que não faço nada.
O movimento em torno de Chico, em escala quase industrial, mudou Uberaba. E não foi apenas para melhor. A rodoviária virou um inferno nos fins de semana. Os visitantes mais pobres chegavam em busca de Francisco Cândido Xavier e encontravam, na beira dos ônibus, ao desembarcar, curandeiros de terreiros de macumba, prostitutas e agentes de hotéis e pensões, todos dispostos a faturar. Um mundo nada evangélico pegava carona no fenômeno da Comunhão Espírita Cristã.
Em 1975, Chico Xavier recebeu pelo correio uma notícia incômoda. Uma de suas ami-gas, Consuelo Calado, de Goiás, comunicava a doação de cem alqueires de terra. Era um presente para ele. Chico pegou o primeiro ônibus e foi até a casa dela  "apelar para seu coração humanitário  ". Queria renunciar ao patrimônio em benefício das obras assistenciais da doutrina. Convenceu a doadora a repassar 50% do dinheiro à Comunhão Espírita Cristã e a aplicar a renda obtida com a venda dos outros 50% na fundação do Lar Fraternidade, em Goiás.
No dia 19 de maio de 1975, Chico Xavier escreveu uma carta, em tom solene, endereçada aos "Srs. Diretores da Comunhão Espírita Cristã " . Após anunciar a doação das terras, declarou:
- “Agradecendo a generosidade que sempre me dispensastes, venho comunicar-vos o meu desligamento das tarefas dessa benemérita instituição a partir desta dat  ".
Em seguida, tratou de listar seus motivos: desgaste orgânico após 65 anos de vida e 48 de atividades mediúnicas, hipotensão "com características inquietant  dificuldades ", crescentes na visão, ausências semanais para tratamento de saúde.
Mais uma vez, a enfermidade foi sua "enfermeira ". Com a catarata, ele se aposentou por invalidez; com a labirintite, justificou sua mudança para Uberaba; com a sinusite, explicou o uso da peruca. A doença servia como álibi, uma forma de adiar a verdade.
A Comunhão Espírita Cristã tinha crescido demais. Chico já não cabia nela.
Precisava apenas encontrar um novo endereço. Os amigos o ajudaram. Naquele ano, onze companheiros seus, oito de São Paulo, dois do Rio e um de Uberaba, se cotizaram e doaram ao espírita 221 mil cruzeiros, o suficiente para comprar um terreno e concluir a construção. Chico ocupou três lotes ao lado da Comunhão Espírita Cristã e, aos 65 anos, virou outra página de sua história.
Para enfrentar os últimos capítulos de sua vida, ele tratou de organizar uma nova família. Ao seu lado, morariam dois rapazes: Eurípedes Higino dos Reis e Vivaldo Cunha Borges. Desta vez, Chico escolheu os companheiros a dedo. Eurípedes, então com 25 anos, convivia com Chico desde os oito, quando sua mãe, Carmem, começou a trabalhar na Comunhão Espírita Cristã. Vivaldo, ele conhecera cinco anos antes, quando o rapaz trancou a matrícula na Faculdade de Medicina, em Franca, após deparar com um espírito ao lado do cadáver que iria dissecar. Durante cinco anos, deu passes no centro de Chico. Em 1974, o ex parceiro de Waldo Vieira olhou para o rapaz e disse:
- Acho que a medicina não é para você. Melhor se dedicar ao serviço espírita.
Anos depois, Eurípedes se tornaria o presidente do novo centro de Chico Xavier e controlaria com rigor o acesso a ele. Vivaldo assumiria a responsabilidade pela organização de toda a obra de seu "pai espiritual ". Seria o encarregado de datilografar, arquivar e editar todas as mensagens.
Faltava apenas o centro. No dia 8 de julho de 1975 data do aniversário de 48 anos de atividades mediúnicas de Chico -, o dissidente da Comunhão Espírita Cristã fundou o Grupo Espírita da Prece, a 17ª casa kardecista fundada em Uberaba desde sua chegada na cidade. Em dezoito anos, sob sua influência, o número de centros espíritas na cidade dobrou.
No novo endereço, distante oito quilômetros de sua casa, Chico voltou no tempo em busca da simplicidade perdida.
A construção lembrava o Centro Luiz Gonzaga original, em Pedro Leopoldo. Uma sala pequena - um cubículo se comparado com a Comunhão Espírita Cristã, uma varanda, um quarto modesto para os passes, uma cozinha, com dimensão de quarto de empregada, nos fundos. Só. Sobre a mesa de madeira, diante dos bancos simplórios, ele afixou uma nova inscrição: "Silêncio é prece ". Buscava a paz. Tentava escapar da rodaviva em que havia se metido. Precisava se poupar. Em pouco tempo seu peito começaria a doer.
Em setembro de 1976, Chico Xavier recebeu a visita do médium Luiz Antônio Gasparetto, então com 26 anos e recém-formado em Psicologia. O jovem deixava espectadores boquiabertos ao pintar, em minutos, com as mãos e os pés, sempre de olhos fechados, telas assinadas por mestres mortos como Toulouse Lautrec, Renoir, Manet, Goya, Van Gogh, Matisse e Rembrandt. Na época, ele começava a ser considerado uma espécie de Chico Xavier da pintura.
O encontro dos dois rendeu um espetáculo insólito. A música de Gounod, Donizetti, Beethoven tomou conta do ambiente e, em instantes, Gasparetto abriu a boca e se identificou, com sotaque francês.
- Boa tarde. Sou Toulouse-Lautrec.
Em segundos, seus dedos e as palmas das mãos já estavam lambuzadas de tinta.
Em menos de cinqüenta segundos, um borrão no centro da tela se transformou num contorno de mulher. Chico, compenetrado, assumiu o papel de narrador dos bastidores invisíveis da sessão. Gasparetto usava as duas mãos para pintar uma tela intitulada Dois Esboços e Chico anunciava a presença de dois espíritos, um em cada braço do rapaz, empenhados em movimentos livres e não sincronizados.
De repente, antes de aparecer na tela a assinatura da pintora, Chico anunciou a presença da pintora brasileira Tarsila do Amaral, já falecida.
Sinto um impacto ao ver o espírito dessa amiga de pé, manipulando o braço do médium. Tive o privilégio de assistir à evolução espiritual e artística de Tarsila quando, paralítica, presa a um leito, retratava seus personagens invariavelmente com a cabeça pequena.
Na tela, em instantes, apareceu a figura de uma mulher deitada. Era um autoretrato póstumo.
A pintura mais demorada chegou ao fim com uma assinatura ilustre: Van Gogh.
Intitulada Flores, e repleta de cores berrantes, demorou cinco minutos para aparecer diante dos olhos marejados de Chico Xavier:
- Sempre que vejo certas flores espirituais, o miosótis, por exemplo, sinto as vibrações que emitem e não posso conter as lágrimas.
Para encerrar, Gasparetto decidiu usar os pés. Após espalhar tinta em seus dedos, ele colocou na tela a figura de uma mulher. Senhora era o título. Picasso, a assinatura.
Em seguida, Gasparetto, ou melhor, Toulouse-Lautrec, decidiu conversar com o anfitrião:
- Je vous en prie, apaguemos as luzes. Merci, e 'est mieux. Aprendi o português só pro gasto, mas vamos indo. Você está me ouvindo, Chico?
- Sim, perfeitamente.
Após os cumprimentos, Toulouse deu o seu recado:
- Embora haja muita pintura no mundo, nossa missão é alegrar mais a vida comprovando sobretudo que a morte não existe, que nós continuamos, que a vida continua. Combinamos as tintas e o quadro sai. Os incrédulos deveriam ver isso para saber que não morremos. Mas os estúpidos nem vendo crêem.
Toulouse, sem papas na língua, fez até uma inconfidência sobre o guia de Chico. Emmanuel estava estudando com ele  "teoria da pintura terapêutica de elevação ".
Chico não tinha tempo para cursos de pintura.

CONTINUA AMANHÃ

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