segunda-feira, 13 de junho de 2011

AS VIDAS DE CHICO XAVIER - A VIDA DESAPROPRIADA - PARTE 4

CONTINUAÇÃO

Entre os convidados, estava o almirante Silvio Heck. O discurso militarista de Chico Xavier ainda rendia dividendos.
O ex ministro da Marinha, um dos telespectadores atentos do segundo Pinga-Fogo, estava empolgado. Para ele, Chico era uma prova do que Gandhi um dia afirmou:  "Se um dia um único homem atingir a mais elevada qualidade de amor, isto será suficiente para neutralizar o ódio de milhões ".
Chico Xavier surpreendeu o público com um longo discurso improvisado, repleto de dados históricos precisos e de nomes e sobrenomes das  "autoridades presentes ", sem recorrer a qualquer texto. Mais uma vez, ele insistiu na humildade. Disse não ter qualidades para receber "semelhantes honrarias " e se definiu como uma parede arruinada, sobre a qual se pregava um cartaz anunciando os ensinamentos de Jesus. Terminou seu discurso, diante de espectadores como Dulce Passarinho, tia do ministro Jarbas Passarinho, pedindo a "bênção generosa, a bênção imperecível de Deus ".
Sua peruca tinha crescido e exibia até fios grisalhos. Espíritas estavam perplexos e enviavam cartas ao pop star em Uberaba. Seus ternos bem cortados, seu cabelo de mentira, tudo isto era inconcebível. Ele sucumbia à vaidade. Uma das cartas era dura.   "Você envelheceu e caducou ".
No dia 28 de outubro de 1972, Chico Xavier quebrou o silêncio, esqueceu a postura de engolir desaforos e desabafou ao jornal Cidade de Santos. Estava irreconhecível.
Aos críticos de sua peruca, ele respondeu:
- Pus cabelos na cabeça sim. E pus mesmo porque preciso. E isso me honra muito. Eu quero viver. Não quero aparecer como uma ruína humana diante de meus amigos, todos bem postos, bem tratados. Por que eu vou aparecer como uma pessoa que morreu e que só falta enterrar? Não, não morri, não. Eu quero viver e quero viver muito, se Deus quiser.
Aos críticos de seus ternos, ele perguntou:
- Eu agora vou andar vestido de bandral do século 1? Não. Por causa dos livros? Então era melhor não ser médium. Quero andar direitinho, com a roupa limpa e com cabelos na cabeça. Me perdoem, mas eu quero. Pois se a doutrina é a maior alegria de nossa vida, vamos chegar lá imundos, pedindo esmola? Tenho de ir desabando em glórias, uai.
A quem lhe cobrava uma postura de santo, ele gritou:
- "Nós precisamos humanizar a doutrina. Nem demônio, mas também nem anjos. Somos homens e mulheres da Terra. Agora, o dia em que for promovido a anjo, ninguém sabe, porque a nomeação foi lá por cima ".
A quem criticava seu empenho em receber títulos em solenidades, ele desafiou:
- "A Câmara Municipal vota um título para o espiritismo e diz que a besta chamada Chico Xavier deve ir receber. Posso ofender uma cidade, falando assim: Muito obrigado, eu aí não vou pôr meus pés? " "Não posso fazer isso ".
Estava magoado:
- "Não tenho tempo nem de cortar a unha. De vez em quando o dedo dói e sangra. Uma unha entrou no outro dedo ".
E terminou com uma ironia:
- "Querem que eu chegue nos lugares e diga:  "Olhe, eu sou espírita. Vocês podiam dar uma esmola pra Comunhão Espírita Cristã? " Mandavam a gente pra cadeia. Manda para o Carandiru que ele está doido  ".
Nunca mais Chico faria um desabafo como esse em público.
Na Bienal do Livro daquele ano, a fila até Chico Xavier, no estande da Livraria Modelo, assumiu proporções descomunais. Quase 1.500 pessoas se esforçaram para chegar a ele. Distribuiu autógrafos das duas horas da tarde às sete da manhã seguinte.
Descansou apenas meia hora. Os amigos sugeriram o uso de um carimbo com dedicatória padrão para apressar o movimento. Chico apenas assinaria o próprio nome. Com muito custo, persuadido pelo tamanho da fila, Chico aceitou. Foi pior. Culpado pelo excesso de impessoalidade, ele tratava de escrever, ao lado do carimbo, algumas frases para cada leitor.
Em 1973, Chico foi atração em outra tarde-noite-madrugada de autógrafos. Nos dias 3 e 4 de agosto, no Clube Atlético Ipiranga, em São Paulo, ele deixou sua assinatura em nada menos que 2.243 livros após dezoito horas de maratona.
A quantidade de cartas endereçadas a ele também alcançava números impressionantes. Chico chegou a receber, por dia, trezentas cartas. A média girava em torno de duzentas. Remetentes do Brasil inteiro, além da Espanha, Estados Unidos, Portugal, Argentina e Itália, pediam socorro a Chico Xavier, "o pai dos desesperados  ".  "o irmão dos que choravam  ",  "o melhor sobre a Terra  ". Dos envelopes saíam fotos, pétalas, descrições de tragédias, súplicas. "O senhor escute sua prece. Ore por nós..." "Minha filhinha morreu... Ela está bem?  " "Perdi a alegria de viver..."
Chico já era um fenômeno. Passava por cima das críticas, vestia seu terno, penteava a peruca e ia em frente. Em 1973, a Câmara Municipal de São Paulo se transferiu por um dia para o Ginásio do Pacaembu. Iria entregar, em sessão especial, o título de Cidadão Paulistano a Francisco Cândido Xavier. O Ginásio ficou lotado. Após se definir como o  "último dos últimos servidores das atividades evangélicas  ", ele afirmou receber o título na condição de apenas um "zelador  " da doutrina e iniciou uma aula sobre a fundação de São Paulo, repleta de minúcias nunca incluídas, sequer, em livros de História. Os espíritas mais atentos não tiveram dúvidas: era Emmanuel quem falava. E falava com a autoridade de quem tinha sido, em outra vida, o padre Manuel da Nóbrega, fundador da cidade.
As homenagens eram incessantes. Em 1973, a estrela do Pinga-Fogo ainda recebeu os títulos de cidadão de Araras, Santos, São Caetano do Sul, Franca, Belo Horizonte, Campinas, Araguari, Goiânia, além da Placa de Ouro da Prefeitura do Guarujá e a Medalha Anchieta da Câmara Municipal em São Paulo.
Durante a maratona, ele inventaria mais um slogan auto depreciativo:
- Não passo de um cabide, onde dependuram as homenagens ao espiritismo.
Aos que anunciavam sua queda, por ceder ao orgulho e à vaidade, ele gritaria:
- Não vou cair porque nunca me levantei.
Numa tarde, ele caminhava com amigos em peregrinação por um bairro pobre de Uberaba, quando parou de repente e afirmou:
- Às vezes, sinto como se meu corpo estivesse coberto de lama. Mas aqui eu nunca deixei respingar uma gota - e apontou para a própria cabeça.
A felicidade ele sempre definiu como "consciência tranqüila  ".
Em 1973, Chico era um best seller recorde no Brasil. Tinha escrito 116 livros e vendido mais de 4 milhões de exemplares. A renda com direitos autorais atingia a média de 30 mil cruzeiros mensais. Ele doava tudo às editoras espíritas.
Sobrevivia com os modestos 386 cruzeiros de sua aposentadoria no Ministério da Agricultura - ou seja, cerca de 1% do quanto rendiam os livros a cada mês.
De todos os títulos, reverteu a venda de treze à Comunhão Espírita Cristã. Apenas um dos livros, lançado um ano antes, Sinal Verde, já tinha esgotado três edições de 10 mil exemplares cada.
Catorze anos após a fundação, a Comunhão já ocupava quase o quarteirão inteiro. Ambulatórios médico e dentário funcionavam ao lado da livraria, de um abrigo para idosos, da sala de costuras para confecção de agasalhos, da biblioteca e do salão onde eram distribuídos setecentos a mil pratos de sopa todos os dias.
Tanta prosperidade começou a incomodar o escriturário aposentado.
Numa tarde, Chico chegou ao galpão onde atendia o público e encontrou dois buracos na parede. Seus assistentes queriam lhe fazer uma surpresa: instalar aparelhos de ar-condicionado. O médium foi curto e grosso:
- Eles entram e eu saio. Este é um local de trabalho.
A inscrição colada por ele sobre sua vitrola - "Muito tarde é que se vê que não se amou o bastante " - começou a destoar do ambiente. Parecia simplória demais.
De vez em quando, diante de uma nova parede, de uma reforma, Chico diria:
- Em casa que muito cresce o amor desaparece.
As filas diante da Comunhão pareciam intermináveis. Elas se estendiam a cada entrevista na TV, a cada solenidade a cada noite de autógrafos, a cada distribuição de Natal, a cada carta enviada pelo filho morto à sua mãe, a cada prato de sopa.
As cenas de desespero e de idolatria se sucediam.
Uma senhora chega diante de Chico, começa a tremer, empalidece, desmaia.
Quinze minutos depois volta, coloca o rosto de Chico entre suas mãos, chora como criança e se afasta, ainda aos prantos, sem dizer uma palavra. Homens e mulheres beijam suas mãos, ele beija de volta. Seus bolsos ficam cheios de cartas. Muita gente implora por notícias de seus mortos.
Para milhares de pessoas, Chico Xavier era a única ponte confiável para o além.
As  "mensagens particulares "" escritas por ele, e já produzidas em série, provocavam comoção. Para a maioria, traziam provas irrefutáveis da sobrevivência dos mortos.
Outros levantavam suspeitas. Chico poderia recolher aquelas informações nas cartas enviadas do Brasil inteiro para ele. Mães aflitas enviavam até cópia da carteira de identidade dos filhos na esperança de receber uma mensagem, um sinal de vida.
Chico também poderia recorrer à telepatia. Ele não era capaz de ler pensamentos?
Mas como explicar o caso do industrial Wady Abrahão? Em novembro de 1973, ele foi a Uberaba em busca de notícias de seu filho, morto quatro meses antes, aos 17 anos.
Era a última tentativa do católico para se livrar do sofrimento. Se ele e a mulher não melhorassem, iriam se suicidar. Já tinham combinado tudo. Wady não se conformava.
À noite, saía de casa com a desculpa de voltar para a fábrica e tomava o rumo do cemitério. Depois de driblar o vigia, ele se deitava sobre a lápide superior da sepultura do filho e ficava ali, horas, a sete palmos do corpo. Achava que seu filho tinha medo de dormir sozinho. Em várias ocasiões, traído pela fumaça dos cigarros que ele fumava sem parar, foi surpreendido pela segurança. Uma vez, até a radiopatrulha foi chamada.
Áxima, a filha dele, sugeriu a ida do casal até Chico Xavier. Por que não arriscavam? Wady duvidava do médium e tomou todas as providências para evitar fraudes ou truques. Para começar, proibiu que os parentes fizessem qualquer comentário sobre a morte do filho em Uberaba. Todos deveriam ficar a seu lado para ser fiscalizados.

CONTINUA AMANHÃ

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