domingo, 12 de junho de 2011

AS VIDAS DE CHICO XAVIER - A VIDA DESAPROPRIADA - PARTE 2

CONTINUAÇÃO

Mas teve de reconhecer: "Nenhum programa de televisão, por melhor que seja, terá os recursos de Chico Xavier. Qualquer problema do espírito, do corpo, deste ou de outro mundo tem dele solução pronta e imediata ".
Cópias dos dois Pinga-Fogo, devidamente dubladas, chegaram a circular no Japão, onde já era vendida a versão de Nosso Lar. Muita gente gravou, em fitas cassetes, o discurso de Chico Xavier. De repente, ele se transformou em ídolo de massas, um showman, um pop star. Além de ter sido a maior atração da TV brasileira de 1971, foi eleito personalidade do ano pelo jornal Lavoura e Comércio, recebeu a Palma de Ouro, não em Cannes, mas no programa Silveira Lima, e foi promovido a Servidor Emérito pelo Rotary Clube, de Uberaba. Teria de pagar um imposto sobre tanto sucesso.
No fim do ano, Hamilton Ribeiro, um repórter da revista Realidade, desembarcou na Comunhão Espírita Cristã para flagrar o entrevistado mais famoso do país em seu habitat natural. Na noite de sexta-feira, sessenta carros, de jipes a Mercedes, já estavam estacionados nas ruas recém asfaltadas da Comunhão Espírita Cristã. Placas de Monte Castelo e Itumbiara se misturavam a outras do Rio e de São Paulo.
Depois do primeiro Pinga-Fogo, o movimento tinha dobrado no  "Vaticano do Espiritismo ". Mil pessoas aguardavam na fila o momento de entrar no salão de cem metros quadra-dos. Duas filas se estendiam e se misturavam: uma ia até a cabine de passes; outra se dirigia aos auxiliares encarregados de organizar os pedidos de receitas do Dr. Bezerra de Menezes. Uma terceira reunia os interessados em autógrafos.
O repórter entrou na fila "médica ", para fazer uma consulta pelo amigo Pedro Alcântara Rodrigues. Preencheu no papel o endereço do doente - alameda Barão de Limeira, 1327, apto. 82 e esperou.
No final da sessão, após atender à multidão, Chico se sentou à cabeceira da mesa, colocou a mão sobre os olhos e frases no papel. Quando iniciava a leitura do texto, assinado por Emmanuel, ele parou.
Tem alguém com gravador aqui disse à presidente do centro, Dalva.
Não tem, Chico. Já olhamos.
Tem sim. Eles estão dizendo.
Ninguém na platéia admitiu a culpa. Dona Dalva descobriu o culpado num dos bancos do fundo: um deputado do Rio. Ele escondia no bolso um minúsculo gravador.
No final da sessão, Hamilton Ribeiro, já ansioso, recebeu a receita para seu amigo: "Junto aos amigos espirituais que lhe prestam auxílio, buscaremos cooperar espiritualmente em seu favor. Jesus nos abençoe ".
Havia apenas um detalhe: o nome e o endereço do amigo eram falsos. Hamilton tinha inventado o personagem.
Diante da revelação incômoda, os espíritas repetiram uma explicação dada por Chico várias vezes: quando o nome do consulente é uma invenção, a consulta vale para o "inventor ". A dúvida ficou no ar.
Na mesma reportagem, Hamilton Ribeiro divulgou também o resultado de um encefa-lograma realizado pelo médico Elias Barbosa em Chico Xavier durante o transe. Sem saber de quem se tratava, o neurologista paulista Juvenal Guedes avaliou o gráfico e foi taxativo: o paciente estava longe da normalidade. Ele encontrou no hemisfério esquerdo do cérebro de Chico uma descarga elétrica exagerada, capaz de levar o doente à convulsão epilética ou equivalente (alheamento, sensação de ausência, automatismo psicomotor).
O Dr. Eunofre Marques, médico assistente da clínica psiquiátrica do Hospital das Clínicas, após estudar a personalidade dos médiuns em sessões espíritas e umbandistas, tratou de enquadrar a todos em quatro categorias: altamente sugestionáveis, pouco dotados e com sentimentos de inferioridade, psicóticos delirantes e portadores de disritmia cerebral.
Em sua opinião, Chico seria um caso de disritmia cerebral. Os sintomas: crises alucinatórias (tem visões e ouve vozes), perturbações de consciência (como se estivesse sonhando acordado) ou momentos em que tem dificuldades para compreender onde está e o que se passa com ele.
Os espíritas trataram de defender a lucidez de Chico. Definiram seu desequilíbrio em transe como "disritmia sã ", sem origem patológica, e sim "psíquica provisória ", promovida pela interferência de uma "personalidade intrusa ". Tanto que, em estado normal, ele apresenava um encefalograma comum e nunca tinha sido surpreendido por um acesso epilético.
No início de 1972, os líderes da Igreja Católica decidiram reagir contra a estrela dos Pinga-Fogo. Chico estava passando dos limites. Já tinha virado verbete até mesmo da enciclopédia Delta Larousse. Ali, ele era apresentado como "vulto do espiritismo brasileiro " e sua obra de assistência social era definida como "significativa ", em texto de 22 linhas publicado acima de uma caricatura dele feita por Alvarus em 1952.
A idéia da reencarnação começava a ganhar adeptos demais. Com sua voz mansa, suas palavras sob medida, Chico Xavier usava as palavras do próprio Jesus Cristo:  "Necessário vos é nascer de novo " - para vender seu peixe. Com frases bíblicas à mão, ele apregoava:
- Sim, nascer de novo todos os dias, todas as semanas, de ano para ano, de etapa para etapa, mas também, de vida em vida, de berço em berço.
O discurso começava a ganhar uma força perigosa.
No dia 26 de janeiro, os dirigentes da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) reuniram-se para discutir a ameaça Chico Xavier. Em entrevista coletiva, dom Aloísio Lorscheider, dom Ivo Lorscheiter e dom Avelar VilIela Brandão divulgaram seu veredito:
- É excessiva e maciça a publicidade em torno das atividades mediúnicas, especialmente do fenômeno Chico Xavier. Admitimos o direito de consciência religiosa, que consideramos sagrado. No entanto, o que observamos não é rigorosamente o uso de um direito. Por trás desses programas de divulgação, há perigos evidentes para a formação religiosa do povo brasileiro.
Nenhum dos líderes católicos acusou o espírita de má fé. Chico, segundo eles, atribuía seus textos aos "espíritos " por ignorar a própria capacidade de colocar no papel informações registradas em seu subconsciente.
A revista Mensageiro de Santa Rita publicou uma crítica ao Pinga-Fogo intitulada  "Deseducação em massa do povo brasileiro ". Um dos trechos era um pedido velado de censura oficial: "Deseducação incompreensivelmente permitida pelas autoridades responsáveis ".
O arcebispo do Rio de Janeiro, dom Eugênio Sales, avaliou o fenômeno em A Voz do Pastor. Após atestar o fascínio do brasileiro pelo extraordinário e pelo suposto sobrenatural ele garantiu:
- Com habilidade e inteligência podem-se arrastar multidões. O gesto do mágico, o encanto pelo desconhecido, sempre atraíram, através da história, grandes massas humanas em fugazes tentativas religiosas. Foge-se do verdadeiro e o lugar é ocupado imediatamente pelo falso.
O cardeal arcebispo de Porto Alegre, dom Vicente Scherer, também usou A Voz do Pastor para dar seu recado. Chico, segundo ele, escrevia livros na falsa e ilusória convicção de estar sob a influência de "agentes invisíveis ".
- A psicografia tem explicação simples e natural, pela ação normal do próprio psiquismo humano. Qualquer pessoa sugestionável, de bons estudos, tem condições de se tornar psicógrafa e, assim, escrever aparentes ditados, imitando o estilo de autores até mesmo vivos.
Após inocentar Chico Xavier da suspeita de desonestidade, ele lamentou:  "Seu engano talvez perturbe e desoriente espíritos ingênuos e desprevenidos ".
O padre Oscar Gonzáles Quevedo e sua equipe estudaram o caso do médium mineiro e publicaram o diagnóstico em artigo na Revista de Parapsicologia, editada pelo Centro Latino-Americano de Parapsicologia. Um dos parapsicólogos, o psiquiatra Daulas Vidigal, foi matemático. Chico teria lido, nos 45 anos mais úteis de sua vida, a média de um livro por semana, ou seja, 2.340 títulos no total. De cada autor "psicografado " (foram menos de quinhentos), ele poderia ter estudado cinco livros, o suficiente para captar seu estilo.
O próprio Quevedo, autor de A Face Oculta da Mente, defendia uma tese mais  "cientí-fica ":
- Sua psicografia ocorre por um automatismo do subconsciente, o fidelíssimo gravador que retém tudo quanto se passa conosco. Chico se auto hipnotiza superficialmente, entregando-se ao subconsciente. Este, por sua vez, faz o lápis correr sobre o papel.
O padre jesuíta fazia questão de definir a psicografia como obra deste mundo. E exibia uma prova.  "Já levamos uma pessoa sugestionável a psicografar Carlos Drummond de Andrade. Na época, o poeta estava bem vivo ".
Chico Xavier respondia com o silêncio. Alguns espíritas, mais invocados, provocavam. Se Quevedo é tão inteligente assim, se ele leu tanto para chegar a tantas conclusões, por que ele não se auto hipnotizava e criava um livro bem melhor do que A Face Oculta da Mente?
Pouco depois de toda a polêmica, o jornal Gazeta Mercantil publicou uma pesquisa sobre os cinco religiosos mais influentes do Brasil. Chico Xavier apareceu num honroso quarto lugar (com 9,52% dos votos), seguido por dom Eugênio Sales (9,17%). Nas primeiras posições apareceram dom Paulo Evaristo Arns (13,06%), dom Hélder Câmara (11,49%) e dom Aloísio Lorscheider (11,39%).
No artigo do jornal, o  "líder espírita " era definido como  "dono de forte magnetismo pessoal ", capaz de arrebanhar adeptos com extrema facilidade.
Mais tarde, Chico receberia cartas de apoio de padres. Um dos remetentes foi o padre Milton Santana, já idoso, responsável pelo Centro Social Paroquial Nossa Senhora de Fátima, em Campinas: "Chico, acompanho-o na sua missão de quem se conscientizou que  "servir é o destino das grandes almas ". Bondade assim só consegue quem está em comunhão com Deus pelo serviço ao outro, ao próximo ".
Quase vinte anos depois, textos escritos por Chico e assinados por Emmanuel e André Luiz estariam estampados nas contra capas de milhares de cadernos impressos pelas Escolas Profissionais Salesianas, dirigidas por padres. Em  "Calma ", por exemplo, André Luiz pedia:  "Se você está a ponto de estourar mentalmente, silencie alguns instantes para pensar..." Os cadernos só não citavam o nome de Francisco Cândido Xavier.
Bispos, cardeais e espíritas discutiam e Chico era homenageado. No dia 22 de setembro de 1972, ele foi à Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro receber o título de Cidadão do Estado da Guanabara. Galerias e plenário ficaram superlotados.

CONTINUA AMANHÃ

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