terça-feira, 7 de junho de 2011

AS VIDAS DE CHICO XAVIER - OS MORTOS ESTÃO VIVOS - PARTE 3

CONTINUAÇÃO

Mas, diante dos jornalistas, Otília foi uma decepção. A figura que apareceu,  "saída  "de seu corpo, era a sua cara. Os repórteres exibiram fotos de Chico de braços dados com a visitante do além, a "irmã Josefa ", e destacaram a semelhança entre "espírito " e médium. Chico calou-se sobre o assunto.
Só seis anos depois, ele analisou a noite decepcionante. Oito repórteres e não dois, como combinado, apareceram para tentar comprovar fraudes. O clima ficou carregado na sala e a médium só conseguiu materializar o próprio  "perispírito "(espécie de corpo fluídico do espírito, sempre parecido com o corpo físico) e as roupas de freira.
Quando ele falou, já era tarde. Otília Diogo tinha sido presa com uma maleta recheada de roupas utilizadas em  "materializações ". O hábito de irmã Josefa também estava lá. A transformista confessou até mesmo ter pago uma cirurgia plástica facial com exibições   "espíritas " na casa do cirurgião.
Atrás das grades, desta vez numa delegacia, ela explicou ter perdido a mediunidade em 1965, um ano após as sessões em Uberaba. Não se conformou e decidiu apelar para truques. Chico Xavier, em entrevista à revista O Cruzeiro, voltou a definir todo médium como  "uma criatura humana, com defeitos, qualidades e anseios humanos ". Para ele, havia os espíritas capazes de superar as vaidades e viver para o outro e havia, também, aqueles que não suportavam os baques  "reservados por Deus como provação  ".
Otília era do segundo time.
Em junho de 1964, Chico, com o aval de Emmanuel e com o apoio de Waldo Vieira, decidiu ceder à Comunhão Espírita Cristã os direitos de livros escritos por ele e seu parceiro. Pela primeira vez, ele seria beneficiado, embora indiretamente. O centro, cada vez maior, contraía dívidas e já não podia contar apenas com a ajuda esporádica e voluntária de amigos ricos e de gente grata a Chico Xavier.
O prédio crescia a cada ano. O barraco de cinco anos antes já era acompanhado por galpão, sala de refeições, livraria, depósito. Um afilhado de Chico, Hermínio Cassemiro, filho de José Felizardo Sobrinho, de Pedro Leopoldo, visitou o prédio e ficou impressionado com a quantidade de cobertores, remédios e alimentos acumulados.
Chico garantiu ao conterrâneo.
Uberaba tem mais campo para mim.
Na despedida, parou diante de algumas flores e afirmou:
- O sonho de sua mãe, Júlia, era ter na janela do quarto um canteiro para plantar as damas da noite. Eu plantei as flores aqui e ela me visita toda noite.
Escurecia. Hermínio voltou para casa com uma das flores no bolso.
Os generais tomavam conta do país e Chico Xavier, com a ajuda do jovem Waldo Vieira, promovia mais uma distribuição de Natal. No dia 13 de janeiro de 1965, uma fila de 11.765 pessoas se estendeu diante da Comunhão Espírita para buscar sacolas com roupas e alimentos. Com a ajuda de seus amigos de São Paulo e de outros estados, conseguiram arrecadar 8.337 peças de roupas, 993 pares de sapatos, 311 enxovais infantis, 1.926 brinquedos, 4.320 lápis, 500 livros, 335 sacas de arroz, 218 quilos de balas, 11.815 sanduíches.
Eram raros os que agradeciam ao receber as doações.
Alguns assistentes de Chico, de vez em quando, citavam um bilhete que teria sido enviado por são Vicente de Paulo aos auxiliares nas campanhas de atendimento aos pobres:
- Muita tolerância com os hóspedes de Jesus, pois eles são impacientes e exigentes.
Entre os "hóspedes de Jesus " não estavam apenas os pobres. Comerciantes, acompa-nhados de amigos e parentes, também enfrentavam o calor para buscar os donativos, enfiá-los em Kombis e transformá-los em lucro. Um amigo de Chico denunciou a presença constante na fila de uma mulher rica, conhecida na cidade. Todo fim de ano, ela fazia questão de levar sacolas para casa. Era um roubo. Havia gente passando fome em todo canto e ela tirava comida da boca de quem precisava.
Chico escapou da polêmica mais uma vez:
- Que humildade a desta senhora! Enfrenta uma fila com sol ou chuva e, pacientemente, aguarda sua vez para pegar mantimentos.
As distribuições anuais às vezes terminavam em briga e sempre provocavam confusão. Pobres de cidades vizinhas chegavam a Uberaba e ficavam por ali mesmo. Afinal de contas, os centros espíritas também distribuíam sopa todo dia ou toda semana e ainda providenciavam atendimento médico e dentário gratuitos. Chico nem respondia a quem o acusava de atrair miseráveis à cidade. Fazia caridade a qualquer preço.
Os adversários reclamavam e Chico estudava, de acordo com orientação ouvida de Emmanuel, estatísticas sobre suicídios publicadas pelas Nações Unidas no Demographic YearBook, em 1964. A Áustria liderava o número de suicidas (1.598 em 1962) e era seguida pela Alemanha, Suíça, Japão, França, Bélgica, Inglaterra, Estados Unidos, Polônia e Portugal. Nenhum país sub desenvolvido entrava na lista. Conclusão: o suicídio teria ligações com o vazio provocado pelo materialismo. Ou seja: faltava espiritualidade naqueles países.
Chico e Waldo começaram a arrumar as malas para viajar ao exterior.
Em maio de 1965, os dois embarcaram para os Estados Unidos. Já era hora de levar o espiritismo segundo Kardec aos americanos. Acompanhados por dois amigos, Maria Aparecida Pimental e Irineu Alves, eles chegaram a Washington na tarde de 22 de maio, um sábado. No dia seguinte, visitaram um templo espírita na cidade para agradecer ao plano espiritual pela chance da viagem. Sem aviso prévio, foram até o The Church of Two Worlds (A Igreja dos Dois Mundos), dirigido pelo médium Gordon Burroughs.
Eram 15h. Eles se sentaram no último banco e ficaram em silêncio, acompanhando as preces, cânticos e comentários sobre a doutrina. Ninguém os conhecia ali.
No final da reunião, uma senhora indicou os quatro  "irmãos de outro país " ali presentes e falou sobre a tarefa deles nos Estados Unidos: levar a renovação espiritual e estimular a aproximação fraterna. Logo depois, em transe, anunciou a presença dos espíritos de um teacher e um doctor junto aos visitantes brasileiros. Chico e Waldo já tinham percebido a companhia de Emmanuel e de André Luiz.
Em julho, Waldo Vieira colocou no papel um texto com a assinatura do doctor.
"Pontos fundamentais para o espírita em viagem ". Era uma cartilha para kardecistas que viajassem para o exterior pela primeira vez. Os conselhos, assinados por André Luiz, pareciam ter sido escritos por Chico Xavier. Para início de conversa, a palavra estrangeiro deveria ser riscada do dicionário.   "Os filhos de outros povos devem ser tratados como verdadeiros irmãos ". Era preciso fugir da exibição pessoal, guardar discrição e simplicidade, evitar críticas e discussões, anedotas e aforismos de mau gosto, além de comparações pejorativas capazes de humilhar os anfitriões. Para ser mais útil, cada um deveria estudar a língua e os costumes do país visitado.
O quarteto tinha muito trabalho a fazer. Allan Kardec era um ilustre desconhecido nos Estados Unidos, mesmo entre os espíritas. Eles cultuavam a reencarnação, acreditavam em fenômenos como a materialização, mas ainda eram leigos em relação ao Evangelho ditado pelo francês no século passado. Chico e Waldo se dedicaram, então, à segunda parte do plano: fundar um centro kardecista. Já tinham até um contato em Washington: Salim Salomão Haddad e sua mulher, Phillis. O casal tinha conhecido Chico Xavier ainda em Pedro Leopoldo, em 1956.
Chico elegeu o turco Salim, que conhecia sete línguas, presidente do centro, batizado de Christian Spirit Center (Centro Espírita Cristão). A sede funcionaria na casa dos dois. Durante três semanas, o brasileiro ficou hospedado ali. Como sempre, trabalhou e estudou compulsivamente. De manhã, recebia aulas de inglês da filha mais velha do casal; à tarde, era a vez de Phillis assumir o papel de professora e à noite o marido virava mestre. Chico aprendeu em 15 dias o que poucos conseguiriam aprender em um ano.
O aluno era um fenômeno, mas não tinha, segundo os professores, know how suficiente para escrever os textos que, em poucos minutos, ele colocou no papel, com a assinatura de um certo Ernest O'Brien. As palavras em inglês saíam de sua mão em velocidade absurda até mesmo para os americanos e deixavam Mrs. Phillis boquiaberta. Um dos artigos, intitulado "Family ", começava com uma descrição das primeiras impressões logo após a morte:
- Trernendous surprise takes place in our mmd at the rnornent of death. Contrary of our own former opinions we are alive. The body carne back to the inorganic Kingdon as subject of universal change and we recognize that death is a rebirth (Tremenda surpresa ocorre em nossa mente no momento da morte. A despeito de nossas próprias opiniões anteriores, continuamos vivos. O corpo retorna ao reino inorgânico, sujeito que está à mutação universal, enquanto reconhecemos que a morte é um renascimento)
Waldo Vieira não ficava atrás e também apresentava textos assinados por O'Brien:
- On what basis shall we localize the problem of death? Ofcourse, there is no death. Life itself dernands death as a rebirth (Em que base devemos colocar o problema da morte? Naturalmente, a morte não existe. A própria vida exige a morte como um renascimento).
O suicídio seria pura perda de tempo. A vida era inevitável. Entre uma aula e uma "mensagem ", Chico Xavier escrevia livros e, de vez em quando, saía para passear com os anfitriões pela cidade. Mrs. Phillis guardou duas frases de Chico durante a estada:
- A gente precisa perdoar setenta vezes sete diariamente.
- Um tanto mais de paciência todos os dias.
Depois de Washington, Nova York. Ali, Chico se encontrou com o médico Eurípedes Tahan, o parceiro de Maria Olina na Casa Espírita de Sheilla. Tahan fazia pós graduação em pesquisa de transplante de fígado e, estimulado por Chico, matriculou-se com ele em um curso noturno de inglês. Durante três semanas, o mineiro de Pedro Leopoldo participou das aulas. A professora ficou impressionada com sua facilidade para o idioma.
No fim de uma das aulas, um rapaz da Nicarágua se aproximou de Chico e Eurípedes e desabafou, sem mais nem menos: enfrentava problemas com a mulher e precisava de ajuda. Chico resolveu visitá-lo naquela noite mesmo. O médico o acompanhou e estranhou seu comportamento na casa do nicaragüense. Mal chegou e começou a conversar com a mulher dele em espanhol fluente. O bate papo demorou quarenta minutos. Chico parecia outra pessoa. Quando saíram, explicou:  "Era a avó daquela senhora. Eu a estava ajudando, dando conselhos..."
Chico e Waldo saíram dos Estados Unidos e aterrissaram na França. Chico, é claro, fez questão de visitar o túmulo de Allan Kardec, no cemitério Père Lachaise.

CONTINUA AMANHÃ

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