domingo, 5 de junho de 2011

AS VIDAS DE CHICO XAVIER - OS MORTOS ESTÃO VIVOS - PARTE 1


OS MORTOS ESTÃO VIVOS

Para ficar mais perto de Deus, multidões começavam a procurar Chico Xavier em Uberaba, uma megalópole se comparada à minúscula Pedro Leopoldo. Em julho de 1961, a Comunhão Espírita Cristã já estava tumultuada. Numa sexta-feira, cerca de quinhentas pessoas esperavam na fila por uma  "entrevista espiritual  " com o porta-voz dos mortos. Um dos mais ansiosos era o uberabense Augusto César Vanucci, futuro diretor da linha de shows da TV Globo. Na época, era apenas mais um homem em crise.
Chico entregou-lhe uma xícara de café. Vanucci viu o líquido preto assumir consistência leitosa e embranquecer. Quando bebeu, sentiu um gosto de licor. Foi tiro e queda: ficou novo. Duas décadas depois, comandaria uma campanha para dar a Chico Xavier o Prêmio Nobel da Paz.
Os aflitos se agarravam ao ex matuto de Pedro Leopoldo como se ele fosse a última esperança, a salvação, o milagre. Uma moça, vinda do Rio, pediu socorro:
- Ando tão deprimida que sou capaz de me matar.
Tinha esperado uma hora para desabafar e ouviu uma única frase como resposta. Chico segurou sua mão, esboçou um sorriso e pediu com a voz quase inaudível:
- Não faça isso, minha filha. Volte para casa pelo caminho de Deus. A morte não existe.
Foi o suficiente.
Muitos visitantes queriam bem mais. Eles chegavam à Comunhão Espírita Cristã com a esperança de receber notícias de seus mortos queridos. As "mensagens particulares " ainda eram escassas e provocavam comoção quando apareciam pelas mãos de Chico Xavier, repletas de referências a nomes, sobrenomes e apelidos de família, descrições detalhadas sobre as circunstâncias da morte e sobre a vida no outro mundo ao lado de parentes já mortos. Era preciso escrever o nome do "desencarnado " e o próprio nome numa ficha e esperar pela surpresa ou pela decepção no final da noite.
De vez em quando, vinha a surpresa. Em dezembro de 1961, por exemplo, um certo Anélio Gilbertoni, morto três meses antes, mandou um recado para a ex noiva, Marina.
Ela estava atormentada. Afinal de contas, tinha aconselhado o noivo a se submeter a uma cirurgia de úlcera e ele morrera na mesa de operação. O morto voltou para pedir calma, paciência, paz: "Não chore mais, sua dor quase me anula. Ampare-me. Eu também sofro. Não use entorpecentes. Não tente encontrar-me abandonando o corpo terrestre  ".
Em seguida, tratou de inocentar o médico: "Rogo a você e a todos os nossos que não culpem o médico. Não houve imperícia. A operação cirúrgica era simples, mas deveria terminar como terminou  ".
O texto, como muitos outros, acabava com um estímulo à caridade:  "Trabalhe, Marina. Há quem sofra muito mais que nós mesmos. Repare nos abandonados e nos infelizes  ".
A partir de cartas como esta, muita gente passaria a se dedicar à caridade. Era preciso atender aos pedidos póstumos. Às vezes, para merecer a bênção de receber uma notícia do além, os candidatos ao "correio espiritual" ajudavam os pobres e doentes.
Chico Xavier comandava, assim, uma cadeia de solidariedade movida pela esperança de diálogo entre vivos e mortos.
Nem tudo era luto e tragédia na Comunhão. Aos 51 anos, o ex matuto de Pedro Leopoldo assumia, com desenvoltura, o papel de conselheiro e atendia também a casos triviais.
Com paciência desmedida, opinava sobre assuntos inesperados. Amparado pelos benfeitores espirituais, tirava dúvidas até sobre finanças.
Não carregues o teu tesouro numa só nau - responderia ao amigo interessado em saber como aplicar o dinheiro da indenização.
Já naquela época, o segredo era diversificar os investimentos. Chico também apelaria para um provérbio para aconselhar um visitante às voltas com problemas na empresa onde trabalhava.
Queria saber se deveria pedir demissão e ouviu a frase feita:
- Em tempo de tempestade a ave não muda de ninho. Um outro senhor se aproximou. Tinha tudo: dinheiro, saúde, família. Mas era triste. Vivia num vazio permanente.
Chico matou a charada.
Falta ao senhor a alegria dos outros.
Numa das noitadas, duas senhoras, cobertas de linho e de jóias, enfrentaram a longa fila e, aos prantos, iniciaram o desabafo:
- Sentimos tanto a falta dele. A casa está tão vazia... Soluçavam, as lágrimas corriam. A solidão era insuportável. Os auxiliares mais próximos a Chico ficaram perplexos quando entenderam o motivo de tanto sofrimento: a morte de um cão. Tanta gente desesperada com a perda de filhos ou torturada por doenças incuráveis e dolorosas, e aquelas duas ali chorando por um cachorro.
Chico fez questão de dar a maior atenção ao caso.
Quando nossos animais domésticos morrem, é comum eles ficarem em nossas casas. Eles são como nós: possuem almas. Os espíritos que cuidam da natureza costumam deixá-los por algum tempo com o dono até que possam renascer.
Dois jovens fazendeiros pegaram Chico de surpresa. Estavam apavorados com a quantidade de cascavéis em suas terras. O pai deles já tinha sido atacado sete vezes e a última picada quase foi fatal. Muitos cavalos morreram.
Chico prestou atenção ao drama e pigarreou antes de revelar sua receita para espantar cobras:
Coloquem nitrato de prata, aos montinhos, nos lugares onde elas costumam aparecer. Isto às vezes dá resultado. Mas se não adiantar...
O dublê de pajé se aprumou na cadeira, abriu um sorriso e recomendou:
- Procurem um benzedor. Levem-no à fazenda. Se ele cobrar, paguem. Quando fizer as orações, as cobras vão embora.
Dessa vez, quem se surpreendeu foi a dupla caipira. Aquilo funcionaria mesmo?
Chico tentou explicar:
- O benzedor seria um médium de materialização e os espíritos que cuidavam da natureza utilizariam seus fluidos para afastar as cobras dali...
Os fazendeiros deram o bote. E se o benzedor fosse Chico Xavier?
Ele saiu de fininho:
- Se o Chico Xavier for lá, não vai adiantar nada. Elas não irão embora. Minha tarefa é com os livros.
Chico Xavier e Waldo Vieira saíam das sessões públicas e, ao chegarem em casa, costumavam datilografar os textos ditados pelos  "benfeitores espirituais  ". Tinham muito trabalho pela frente: ainda estavam longe do centésimo livro. Numa dessas jornadas noturnas, um besouro caiu sobre a máquina do companheiro de Chico. Waldo atirou o inseto com força na parede. O bicho voou e tornou a cair sobre sua mesa. Waldo arremessou o recalcitrante com violência contra o chão. Mais uma vez, ele levantou vôo. Dessa vez, aterrissou no lugar certo: a mesa de Chico.
Com cuidado, o companheiro de Waldo pegou o inseto, abriu a janela e o soltou lá fora enquanto comentava:
- Besouro, se você não conseguiu desencarnar através de Waldo, é porque você é como eu: tem uma missão a cumprir no mundo. Vá com Deus.
Waldo olhava torto para o sentimentalismo de Chico.
E evitou fazer comentários quando soube como o parceiro tinha cuidado das formigas em seu quintal. À noite, o batalhão avançava sobre a horta e devorava verduras e legumes plantados para as sopas dos pobres. Os amigos já tinham providenciado o veneno quando Chico tentou um último recurso: dois dedos de prosa.
Ele se debruçou sobre o formigueiro e começou a conversar:
- Vocês precisam ser mais piedosas, mais humanas. Estão faltando com a caridade ao seu semelhante. Estão tirando o alimento de quem precisa, e não há justificativa para tal procedimento.
Usou todos os argumentos possíveis e até se deu ao trabalho de sugerir um caminho para as adversárias.
Ao lado desta modesta horta (e apontou) tem um enorme terreno todo plantado das mais variadas gramíneas, uma grande mata que a natureza colocou à disposição de todos.
Mudem-se e nos deixem em paz. Caso contrário, se isso não ocorrer dentro de três dias, tomarei enérgicas providências.
No dia seguinte, sobrou apenas uma formiga, a  "subversiva   ", segundo Chico.
Com paciência e um arsenal de "causos  ", apólogos e conselhos do além, Chico se tornava a cada dia mais persuasivo. Aprendia com a sucessão de histórias trágicas e cômicas que desfilavam diante de seus olhos e passava as lições adiante. Era um bom aluno e, portanto, um bom professor. O médico Elias Barbosa teve aulas de psicologia com o mestre Chico.
Recémformado em 1958, ele fundiu medicina, psicanálise e espiritismo em seu consultório e em 24 anos de serviços gratuitos prestados no sanatório espírita aos "irmãos com sofrimento mental ", segundo um dos eufemismos de Chico, Freud, estetoscópio e soro fisiológico conviviam com passes, rezas e águas fluidificadas em terapias pouco ortodoxas.
Pais desesperados com filhos à beira do suicídio entravam no consultório do médico dublê de psiquiatra e de lá saíam com muito mais do que teorias sobre o complexo de Édipo e Electra, elucubrações sobre a inveja do pênis ou receitas de antidepressivos. Elias Barbosa ia além:
- Se você quer evitar o suicídio de seu filho, vá para a cadeia e ajude os presos. Escreva cartas para eles, dê cobertores aos detentos, vire pai e mãe deles.
Muitos não entendiam nada. De acordo com a lógica do guru Chico Xavier, os presos quase sempre eram acompanhados pelos espíritos das mães mortas. E elas retribuíam toda a ajuda dada a seus filhos pedindo aos benfeitores espirituais atenção a quem os auxiliasse. No Dia das Mães, a cada ano, Chico reunia um grupo de amigos e visitava os presos. Distribuía sorrisos, cumprimentos, algum dinheiro e ia embora.
Nunca lia o Evangelho, como fazia em peregrinações pelos bairros pobres antes de doar os alimentos.
Não poderia me aproveitar do fato de eles estarem atrás das grades para dar sermão.

CONTINUA AMANHÃ

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