sexta-feira, 24 de junho de 2011

AS VIDAS DE CHICO XAVIER - DIANTE DA MORTE - PARTE 7


CONTINUAÇÃO

mesa para que pudessem ser examinados por seus auxiliares invisíveis. Muitos dos presentes, doavam café, chá, agasalhos, livros, remédios e roupa aos mais pobres. Sete anos antes, ele mesmo fazia questão de ir ao Correio depois do almoço e voltava feliz da vida com sua média de 250 cartas diárias.
Nunca teve coragem de jogar a papelada fora. Alguns amigos faziam, às escondidas, a triagem do material e vasculhavam as caixas de papelão onde os envelopes se acumulavam, para alegria das traças. Aos sábados, quando tinha forças, participava das sessões no Grupo Espírita da Prece ou recebia visitantes, selecionados por Eurípedes, em sua casa.
As tragédias de personagens ilustres continuavam batendo à sua porta. Em 27 de fevereiro de 1993, quase três meses após o assassinato da atriz Daniela Perez, ele atendeu a mãe dela, Glória Perez. A novelista queria notícias de sua filha. Ela estava bem? Como tudo aconteceu?
Chico segurou suas mãos e pediu calma:
- Daniela está passando por um período de descanso.
Em seguida, prometeu notícias da vítima no momento adequado, quando seu espírito atingisse outros estágios.
Glória saiu de lá mais tranqüila.
Um dos personagens mais decisivos e pavorosos de 1993 também buscou consolo em Uberaba. O economista José Carlos Alves dos Santos, parceiro do deputado João Alves em falcatruas no orçamento da União, apareceu no Grupo Espírita da Prece com uma dúvida suspeita:
- Vão encontrar os seqüestradores de minha mulher, a Ana Elizabeth?
Chico encarou o recém chegado e respondeu, sério:
- Não se preocupe porque destino de seqüestrador é um só: cadeia.
O corrupto que detonou a CPI do orçamento, ao denunciar o esquema de desvio de verbas federais no Congresso Nacional, desabou em crise de choro.
Quando saiu, Chico confidenciou a uma amiga ao seu lado:
- O caso dele é parecido com o de sua filha.
A moça tinha sido assassinada pelo próprio marido.
No final do ano, a verdade sobre José Carlos e Ana Elizabeth era estampada nas primeiras páginas dos jornais. Ele tinha planejado, e participado, do assassinato da mulher, morta com golpes de picareta após um jantar romântico.
As tragédias atingiam Chico em cheio, mas não o derrubavam. Ao completar 83 anos, em 2 de abril de 1993, ele avaliou:
- Minha missão está no fim. Mas estou feliz por tê-la cumprido da melhor forma possível.
E se divertiu:
- Se eu tivesse nascido em 1 de abril, diriam que eu era uma grande mentira.
Na noite de 31 de julho de 1993, sob um frio de treze graus, Chico Xavier contrariou todas as expectativas e, com o aval de seu médico, se levantou da cama, colocou um paletó bege sobre um casaco de lã e fez o que gostaria de fazer sempre, todos os sábados: foi ao Grupo Espírita da Prece. Cerca de trezentas pessoas quase se ajoelharam diante da visão cada vez mais rara. Os fiéis se aboletaram nos muros, nas janelas, nos bancos de madeira. Queriam ver Chico Xavier, tocar nele, ouvir sua voz.
Na cabeceira da mesa, ao lado de Eurípedes e abaixo da inscrição presa na parede  "Silêncio é prece ", ele acompanhou, sorridente, a leitura de trechos do Evangelho Segundo o Espiritismo, ao som de música clássica. Em seguida, fechou os olhos, segurou uma das dezenas de lápis à sua frente e deixou a mão trêmula deslizar sobre o papel. A velocidade já não era vertiginosa.
O silêncio só era quebrado por um ou outro riso de criança, pelos flashes das máquinas fotográficas sempre seguidos de caretas reprovadoras de Eurípedes , pelo ruído longínquo das câmeras de vídeo, por suspiros, rezas. De pé, no meio da multidão, a dois metros da mesa, uma freira, enfiada em um hábito marrom, acompanhava de olhos vidrados cada movimento do espírita mais importante do país. A irmã Natalina dos Anjos, de 66 anos, da Ordem Terceira Franciscana, veio da paulista Ribeirão Preto, onde fundara o Lar Assistencial Cavaleiro de Cristo, só para conhecer o médium.
Teve sorte. E saiu fascinada.
Chico Xavier é divino. Primeiro e único no mundo. Se ela acredita em reencarnação?
É claro.
Do lápis daquele senhor destroçado, saiu uma quadra jovial com a assinatura de Cornélio Pires. Ele mesmo leu, com sua voz combalida ampliada pelos alto falantes, os versos quase adolescentes:
O beijo mais cativante
segundo conceito sábio
é um sonho maravilhoso
que deve ficar no lábio.
Logo depois, tomou fôlego, pigarreou, bebeu um gole de água. A bacia azul sobre a mesa guardava quase cem pedidos de mensagens de mortos queridos. Chico iria ler uma delas. Alguns soluços tomaram conta da sala, O porta voz dos espíritos repetiu o velho ritual. Chamou pelo nome os destinatários da carta até a mesa. De pé, diante do público, Vanilda e Archimedes ouviram o recado de sua filha, Tânia Mazeo, morta aos 24 anos, quando se preparava para o casamento, em 1980.
Vanilda não conteve as lágrimas nem as lembranças de treze anos antes, quando, desesperada, procurou Chico Xavier numa noite de autógrafos em São Paulo. Só à 1h da madrugada ela conseguiu se aproximar dele para desabar:
- Minha filha morreu.
- Como?
Dormindo.
Chico sorriu emocionado:
- Que beleza!
Poucos meses depois, colocou no papel a primeira de uma série de quinze mensagens assinadas por Tânia.
Mais uma vez, após quatro anos de silêncio, ela deu notícias a seus pais e falou de suas atividades numa espécie de colônia espiritual onde ajudava os pobres, os doentes, os desesperados.
No final da sessão, Chico se levantou, amparado pelos amigos e, com um sorriso tímido, quase envergonhado, tomou o rumo da porta dos fundos, arrastado pelo PM Aparecido.
Algumas mulheres mandaram beijos para ele, outras avançaram sobre seu corpo arqueado em busca de autógrafos. Sem êxito. Ele precisava ir embora. Os dez metros até o portão pareciam quilômetros. Para alcançar a rua e chegar ao carro, atravessou mais uma vez o beco dos aflitos, um corredor estreito entre uma das paredes da casa e o muro do vizinho. A multidão se aglomerou ali para tocar no santo, para enfiar bilhetes em seus bolsos, para gritar:
- Chico, olha pra mim.
Ele olhava.
- Chico, você é maravilhoso.
Ele acenava.
- Chico, você é lindo.
Ele sorria.
Muitos devotos choravam.
Ele seguiu, devagar e em silêncio, quase se arrastando, com as calças frouxas, o terno amarrotado. Parecia esgotado.
Era só aparência. Em casa, dez minutos depois, já estava sentado à mesa de madeira da sala de jantar. Pendurada na parede repleta de rachaduras, uma tapeçaria com a imagem da Santa Ceia ilustrava o segundo round da noite: as visitas. Como nos bons tempos, Chico abriu as portas de sua casa aos visitantes, muitos deles desconhecidos.
No portão de ferro, Eurípedes fazia a seleção dos privilegiados e dava uma instrução básica antes de abrir caminho:
- Não chore.
O desespero alheio arrasava Chico. Ele precisava ser poupado.
A noite se prolongou até quase 3h da manhã. Chico recebia cada forasteiro com um sorriso e com um pedido de perdão:
- Desculpe a minha pobreza.
E contava os  "causos " de sua vida. Naquela noite estava inspirado. Chegou até a imitar os relinchos de felicidade de um burro da Fazenda Modelo

CONTINBUA AMANHÃ

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