quinta-feira, 23 de junho de 2011

AS VIDAS DE CHICO XAVIER - DIANTE DA MORTE - PARTE 6


CONTINUAÇÃO

Numa noite, após mais uma peregrinação pelos bairros pobres de Uberaba, Chico fez uma inconfidência: seu mentor, Emmanuel, voltaria à Terra no fim deste milênio e ele   "subiria ". Ou seja: trocariam de posição. Após o aviso, lançou a dúvida, com um sorriso nos lábios:
- Quero ver se ele vai agüentar o tranco.
E desabafou, mais uma vez:
- Às vezes, me pergunto se era preciso tudo isso, embora ache que isto tudo seja o certo.
Como alguém tão bom como Chico sofria tanto? Onde estava Deus, o misericordioso? O estado precário do porta voz dos mortos intrigava muita gente.
Uma de suas amigas mais íntimas e constantes, Neuza Arantes, às vezes perdia a paciência e perguntava:
- Chico, cadê o Dr. Bezerra de Menezes? Ele não te ajuda não?
O paciente, que mal conseguia andar ou falar, respondia, sem graça:
- Ajuda muito. Toda tarde ele vem me visitar.
Para justificar a própria agonia, Chico gostava de contar a história de Teresa de Ávila. Filha de pais ricos, na Espanha poderosa do século XVI, ela abandonou a ostentação, entrou para o Convento Carmelita da Encarnação e iniciou uma série de viagens pelo país para fundar abrigos para todos os órfãos e viúvas miseráveis cujos pais e maridos foram mortos nas inter-mináveis batalhas expansionistas. A pé, montada em mulas, enfrentou pântanos, montanhas e florestas, atormentada por crises de angina e febres intermitentes. Numa de suas maratonas, ela tentava atravessar um rio quando um temporal desabou e a correnteza a engoliu. Já estava prestes a se afogar quando foi salva por Jesus. Após agradecer, comovida, ouviu as palavras pouco animadoras do Salvador:
- Está vendo, Teresa? É assim, em meio aos perigos da estrada, que eu trato os meus discípulos e os meus amigos queridos.
Teresa não resistiu e apelou para o senso de humor.
- Oh, compreendo, Senhor. É por isto que os tendes tão poucos.
Chico se divertia com a história.
Neuza Arantes também. De vez em quando, ela encarava o amigo, cada vez mais fraco, e dizia:
- Por isto os tendes tão poucos...
Chico sorria.
Em julho de 1992, um jovem do Paraná pulou o muro de sua casa e, com o revólver na mão, anunciou o motivo de sua visita: matar o mito. Foi desarmado a tempo pelo PM Aparecido Evaristo Rosa. Terminou o dia na prisão. Mas foi solto e encaminhado de volta à família na tarde seguinte, a pedido da ex futura vítima. O próprio Chico pagou sua passagem de ônibus. Para ele, a culpa pelo atentado não era do paranaense, mas dos obsessores interessados em assassiná-lo. Ele estava durando demais.
Eurípedes Higino dos Reis protegiam o médium com fidelidade canina. E rosnava para os intrusos mais persistentes. Mães inconformadas com a morte dos filhos imploravam por um encontro com Chico e ouviam dele "nãos " implacáveis. O guardião do porta voz dos mortos estava cansado. Já tinha ouvido muito desaforo. De vez em quando, alguém olhava para ele, de alto a baixo, e ordenava:
- Vai chamar seu patrão.
Choro não o comovia. Quem quisesse que esperasse pela aparição de Chico no Grupo Espírita da Prece. Mas o médium raramente saía da cama. Muitos não suportavam a ansiedade.
A garagem de sua casa virou abrigo para os mais desesperados. As paredes encardidas foram cobertas por um amontoado de pedidos de socorro escritos a caneta ou riscados com pedra: "Chico, por favor, mande a paz para minha casa. Chico, vim de tão longe na esperança de ter uma mensagem da minha irmã. Chico, reze por mim ".
Recados de quem percorreu quilômetros e quilômetros para ver Chico Xavier e terminou a viagem a poucos metros do alvo, diante do portão de ferro mais esmurrado do país.
Na calçada, eles dividiam uns com os outros suas tragédias e suas esperanças. Pais que perderam os filhos, gente atormentada por vozes e visões, curiosos, fanáticos, prepotentes.
Em julho de 1993, um Opala preto com placa de Brasília estacionou em frente à casa de Chico. Uma senhora loura, ao lado do motorista, baixou a janela e ordenou, autoritária, ao PM Aparecido:
- Diga a Eurípedes que a chefe de gabinete do Dr. Ademar de Barros Filho esteve aqui. Ele foi muito bem atendido lá na Câmara. Só passei para mandar um abraço.
O carro foi embora e o policial sacudiu a cabeça:
- Não entendi nada.
As sereias cantavam...
Uma das que batiam o pé e resmungavam em frente à casa de Chico explicava por que estava irritada. Diretora de um colégio em São Paulo, ela vivia muito bem e dormia melhor ainda até ser visitada por aparições noturnas de um fantasma com barbas brancas. O marido, delegado, começou a desconfiar de sua sanidade.
Numa tarde, ela recebeu a visita de uma senhora de carne e osso. Era uma médium de um centro espírita distante e levava um recado: o tal velho inconveniente se chamava Bezerra de Menezes, era médico e precisava de sua ajuda para promover curas.
A foto do morto coincidia com a imagem que ela via, sem querer, diante de sua cama todas as noites.
Resultado: em poucos meses, para se livrar da assombração, a diretora do colégio deu férias para o próprio ceticismo e construiu um centro num terreno próximo a sua casa. À noite, sem saber como nem porque, cercada de espíritas e envolvida pela leitura do Evangelho Segundo o Espiritismo, ela caía em sono profundo.
Quando acordava, ouvia relatórios extensos sobre os milagres realizados, por suas mãos, através do Dr. Bezerra.
Pois bem. Seu corpo era invadido contra sua vontade, ela estava ali, na calçada, plantada à espera de Chico Xavier, e nada. O parceiro do Dr. Bezerra não a atendia.
Eurípedes nem lhe dava ouvidos.
- Por que ele atende o Gugu Liberato e não me recebe? Sua vida tinha virado de cabeça para baixo, seu irmão tinha morrido num acidente de avião, e ninguém lhe dava satisfação alguma.
- Onde está o Dr. Bezerra? Por que ele não pede pro Chico me receber?
Com os olhos fitos na casa de Chico Xavier e com um sorriso irônico nos lábios, ela imaginava, diante dos quase dois metros do PM e do mau humor de Eurípedes:
- Será que eu vou terminar assim? Escondida no fundo de casa, cercada por todos os lados?
Nem tudo era trabalho, solidão e agonia nos últimos anos de Chico Xavier. Aos domingos, estimulado por Neuza Arantes, ele descobria o videocassete. No aparelho quase obsoleto de Vivaldo da Cunha Borges, ele acompanhou, comovido, a aventura de ET e o drama do além Ghost, do Outro Lado da Vida. E se chateou com as gracinhas de Whoopi Goldberg em Mudança de Hábito.
Ficava contrariado com ironias sobre qualquer religião, inclusive a católica. Em sua luta para se manter o mais saudável possível, aprendia a gostar de água de coco e de banhos de sol matutinos no quintal. Precisava se cuidar para suportar a rotina durante a semana. Todas as noites, de segunda a sexta-feira, das 20h até 1h da manhã, ele se sentava na mesa da sala, ao lado de Neuza e de dois auxiliares, para preparar caixas com cerca de cinqüenta mensagens destinadas a no mínimo vinte eleitos por dia.
Ele mesmo fazia questão de anotar o nome e o endereço do destinatário no embrulho. Quase sempre, sabia os dados de cor. No Dia das Mães, em 1993, conseguiu presentear mais de 3 mil amigos com sua seleção de conselhos do outro mundo ditados por Emmanuel e alguns de seus quase 2 mil colaboradores do além.
Chico se dedicava aos pacotes com a mesma obstinação com que cuidava de sua correspondência. Toda sexta ou sábado, Eurípedes ia até o Correio buscar as cerca de cinqüenta cartas e pacotes enviados ao líder espírita a cada semana. Tudo era entregue em mãos ao destinatário mais requisitado do país. Chico guardava os embrulhos até segunda-feira, quando os abria e os separava por assunto. Alguns dos pedidos de socorro ele deixava sobre a

CONTINUA AMANHÃ

Nenhum comentário: