terça-feira, 21 de junho de 2011

AS VIDAS DE CHICO XAVIER - DIANTE DA MORTE - PARTE 4

CONTINUAÇÃO

Numa tarde, passou de carro por um ônibus apinhado de fiéis, todos interessados em conversar com ele, e acenou com a mão. Um amigo, a seu lado, sugeriu que parassem:
- O senhor poderia dizer a eles algumas palavras de paz...
Chico sorriu:
- Tire o Z e bota o pessoal para trabalhar. Essa gente precisa de pá, além de paz.
Para Chico, como para Emmanuel, o melhor remédio era mesmo o trabalho.
Em 1985, ele escreveu 15 novos livros. A média anual de lançamentos crescia e a simplicidade dos textos também. Nada de romances históricos, ensaios científicos, tratados filosóficos ou poemas elaborados. Coletâneas de entrevistas e de "mensagens particulares " se misturavam a publicações leves como Humorismo e Vida, recheado de trovas singelas. Augusto dos Anjos dava passagem a poetas como Manoel Serrador:
Não te queixes nem reclames
Sorriso é paz no caminho
Quem se alegra segue em grupos
Quem chora fica sozinho.
Um certo Leandro Gomes de Barros assinava outras rimas:
O comboio para o além
passa por todo lugar
mas a morte não avisa
o dia em que vai chegar.
André Luiz ainda mandava notícias. Mas nem parecia o autor do intrincado Mecanismos da Mediunidade. Em Apostilas da Vida, ele esbanjava singeleza.
Frases curtas, letras garrafais, tudo sob medida para leitores acostumados à linguagem televisiva e para um escritor doente, atormentado por dores no peito. Chico Xavier colocava no papel sentenças como "Seja comunicativo ",  "Sorria à criança ",  "Cumprimente o velhinho ",  "Converse com o doente ".
Nem vestígio da linguagem densa de Evolução em Dois Mundos, uma das parcerias de Chico com Waldo Vieira.
Os críticos torciam o nariz para a  "decadência "" do autor do Parnaso de Além-Túmulo. Mesmo alguns amigos se perguntavam por que Chico não se aposentava de uma vez.
Os fiéis mais devotados fechavam os olhos para suas deficiências e se agarravam a ele, desmaiavam a seus pés e lhe enchiam de presentes. Ainda em 1985, Chico recebeu um donativo de 22 milhões de cruzeiros, enviado por uma admiradora de Nanuque (MG), Maria Auxiliadora Franco Rodrigues. Nem pensou duas vezes: reverteu todo o dinheiro para o Lar da Caridade, ex Hospital do Pênfigo, com quase quinhentos doentes internados.
Em junho de 1986, rumores sobre a morte de Chico Xavier ganharam força e viraram boato. Os jornalistas tentaram checar as informações mas não conseguiram. Alguns auxiliares diziam que Chico estava em Pedro Leopoldo. A família dele negava a informação. Eurípedes garantia que ele estava em casa descansando. Um casal de paulistas, com hora marcada para conversar com o médium, esperava a vez sem nenhum sinal de confirmação. Nem o comandante da Polícia Militar de Uberaba, amigo do possível morto, oferecia dados seguros.
Resultado: as centrais de PBX das emissoras de rádio e TV, e também de jornais do Rio e de São Paulo, ficaram congestionadas. No departamento de jornalismo da TV Globo, as quarenta linhas da central não pararam desde as 18h30 do dia 5.
Os rumores não passaram de boatos. Mas eram um bom aperitivo para o próximo capítulo da vida de Chico.
Aquele não seria um bom ano para ele. Um escândalo tomou conta de Uberaba no mês seguinte. O editor do jornal local Vox, Sebastião Breguez, publicou um texto intitulado  "Há algo mais que espíritos em torno de Chico Xavier ". O "algo mais ": cobrança de consultas. Muita gente, para falar com Chico, desembolsaria cerca de 2.500 cruzeiros por uma ficha (cerca de 0,1% do donativo recusado no ano anterior) e entregaria o dinheiro a motoristas de táxi conhecidos como Pedrinho e Eurípedes. A verba era rateada com os dois PMs encarregados da segurança do médium e da distribuição de vinte fichas aos visitantes, todas as sextas-feiras.
Um senhor de São Paulo desabafou, na época, a um repórter do jornal Correio Braziliense:
- Me ofereceram a oportunidade de ser consultado ainda esta manhã, mas eu teria que pagar para receber uma ficha de prioridade. Não aceitei porque acho isso uma indecência...
Nunca ninguém conseguiu comprovar que Chico soubesse da movimentação suja em torno dele. Eurípedes, o filho adotivo, sempre negou qualquer envolvimento.
Dois anos depois, seria promovido a presidente do Grupo Espírita da Prece.
Em 1987, Chico completou sessenta anos de mediunidade.
Repórteres avançaram sobre ele, para desespero seu. Estava cansado de entrevistas. A um dos jornalistas, ele se limitou a dizer:
- Não tenho nenhuma importância. Olhe, pegue o papel e escreva zero. Sim, escreva zero e assine embaixo: Chico.
A enciclopédia Larousse Cultural Brasil A/Z gastou bastante tinta para definir esse  "zero ". Em 48 linhas - 13 a mais do que o número dedicado a Juscelino Kubitscheck e três além do espaço reservado a dom Hélder Câmara -, o texto dispensava as aspas ao definir Chico como um dos maiores psicógrafos do mundo. No verbete, Emmanuel existia mesmo e era o mentor espiritual de "uma das mais famosas personalidades do país   ".
Ao completar sessenta anos de trabalho, Chico foi surpreendido por uma pneumonia. Seu estado de saúde, já delicado, ficou quase insustentável. Atacado também por uma infecção renal, o aniversariante não teve escapatória: cama durante quase quarenta dias. Desapareceu do Centro Luiz Gonzaga, evitou os visitantes e se lançou como um desesperado sobre as páginas em branco.
Precisava trabalhar, cumprir sua missão, resgatar dívidas. Naquele ano, com o coração, o pulmão e os rins em frangalhos, ele pingou o ponto final em nada menos do que vinte títulos.
Em carta ao amigo Carlos Bacelli, comemorou a nova doença como uma bênção:
- "Louvado seja o senhor que me permite resgatar o passado e desejar melhorar-me pelos processos ocultos do corpo ".
E garantiu:
- "Sou possuído de muita alegria, como o devedor que consegue liquidar algum dos próprios débitos..."
Chico Xavier estava cada vez mais recluso. As doenças funcionavam como álibi para evitar as visitas e se debruçar sobre o papel. Amigos e jornalistas eram barrados por Eurípedes. O autor do Parnaso se exilava em seu quarto e ficava sozinho, ou melhor, acompanhado por seus fantasmas. De vez em quando admitia:
Tenho amigos espíritas e amigos espíritos. A esses últimos não posso enganar ou largar, como faço com os outros.
Chico dispensava os companheiros de carne e osso e dava prioridade aos invisíveis. Entre um contato e outro com os quase 2 mil autores espirituais de suas obras, ele se agarrava aos cães e gatos de estimação. Tanta devoção aos bichos tinha um motivo estratégico. Era uma forma de manter o elo com este mundo e evitar uma viagem sem volta para o além. Se não fossem os cachorros, como Brinquinho, seu  "melhor amigo ", já com doze anos e cego, ele talvez vivesse em transe, livre do próprio corpo, cada vez mais destroçado.
Numa das reuniões à sombra do abacateiro, Chico confessou:
- O que é que me interessa na Terra, além da tarefa mediúnica? Mais nada. Então, eu procuro me interessar pelos meus gatos e meus cachorros. Se eu não me ligar em alguma coisa, eu deixo vocês...
Para manter vínculos com a realidade, ele se acostumou a ler os principais jornais do país. O mundo cão também entrava em sua casa, pelas páginas do Notícias Populares, o jornal com maior índice de "desencarnação  " por centímetro quadrado.
Chico sumia do Grupo Espírita da Prece e os visitantes buscavam outras saídas mágicas em Uberaba. Os centros espíritas do dentista Carlos Bacelli e do ourives Celso de Almeida Afonso começaram a abrigar os  "órfãos " de Chico Xavier. A sucessão do espírita mais importante do país entrou em pauta. Mas os  "sucessores " mais cotados se recusaram a entrar no páreo.
Celso colocava no papel cartas de mortos a suas famílias, emocionava as mães com mensagens surpreendentes e rendia homenagens a Chico, seu amigo e seu mestre, com uma batelada de metáforas.
- Ele é o rio Amazonas. Nós somos só afluentes. Ele é construção. Nós somos só tijolinhos.
Bacelli mudava de assunto:
- Não existe sucessão em espiritismo.
Chico Xavier evitava o tema, com modéstia:
- Morre um capim, nasce outro.
Os hotéis sentiam sua falta. Em muitos deles, começavam a sobrar quartos demais. Os turistas escasseavam.
Muitos previam para breve a morte de Chico Xavier, quando ele ressuscitou firme e forte nas páginas de jornais e revistas. Em outubro de 1989, virou notícia ao quebrar o próprio protocolo e apoiar pela primeira vez um candidato à Presidência da República. Não Lula. O representante dos trabalhadores ficou de fora.
Chico foi um dos 35 milhões de eleitores de Fernando Collor de Mello. Durante um encontro de vinte minutos, em sua própria casa, o morador mais ilustre de Uberaba saudou o  "caçador de marajás " com um exemplar autografado do livro Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho, escrito por ele e assinado por Humberto de Campos há cinqüenta anos. A dedicatória, escrita com letras trêmulas, profetizava:
- O Marechal Deodoro da Fonseca proclamou a República, o senhor a consolidará. Francisco Cândido Xavier.
Nessa visita, o Senador Itamar Franco, candidato a Vice-Presidente, ganhou um livro com título sugestivo: Sinal Verde.

CONTINUA AMANHÃ

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