sábado, 18 de junho de 2011

AS VIDAS DE CHICO XAVIER - DIANTE DA MORTE - PARTE 1

DIANTE DA MORTE

Chico Xavier encarava a perspectiva da morte com calma e apreensão ao mesmo tempo. O ato de morrer, em si, não o apavorava. Os seus amigos invisíveis o tranqüilizavam.
Na maioria das vezes, as pessoas nem chegavam a perceber a passagem para o outro mundo. Afinal de contas, ao longo da vida, todos exercitavam a morte através do sono e a ressurreição ao abrir os olhos pela manhã.
Mas, e depois? Emmanuel se recusava a adiantar qualquer detalhe sobre o destino do protegido no outro mundo. Muito menos revelava o dia de sua partida.
Sem nenhuma informação privilegiada sobre si mesmo, Chico escrevia, fazia caridade e achava pouco. Precisava trabalhar muito antes de sair desta para melhor (ou pior?).
Rezava para ter tempo de resgatar dívidas anteriores e agradecia à misericórdia divina a bênção de cada doença concedida a ele.
Numa noite, Chico já se preparava para dormir quando foi surpreendido pela visita de uma assombração com bafo de quem estava alguns goles acima do normal. O visitante se apresentou como um auxiliar dos benfeitores espirituais. Sua missão: arrancar do túmulo os espíritos mais resistentes à idéia da morte e encaminhá-los ao outro lado. Para cumprir tarefa tão estressante, ele precisava de uns tragos encorajadores. Chico abriu um sorriso para o recém-chegado e avisou:
- Você vai ter que beber muito para me tirar do caixão.
O protegido de Emmanuel se agarrava à Terra com obstinação. Queria escrever até o fim, servir muito, sofrer mais ainda, para merecer um pouco de paz na próxima temporada neste mundo. Queria renascer numa aldeia onde ninguém soubesse ler, onde todos vivessem de forma simples e, de preferência, onde ele não fosse médium.
Seus devotos mais fiéis apostavam em outra tese. Ele não voltaria à Terra. Não tinha mais dívidas a pagar. Ele iria direto para o céu e ficaria por lá. Chico reagia com bom humor:
Vou mesmo para o CEU - o Centro Espírita Umbralino.
Em 15 de novembro, o candidato ao Prêmio Nobel da Paz virou nome de praça em Pedro Leopoldo. O filho mais estranho de João Cândido Xavier vestiu seu melhor terno e, acompanhado de amigos ricos de São Paulo e Uberaba, participou da solenidade em sua homenagem, 22 anos depois de sua mudança. No discurso de agradecimento à cidade, ele afirmou com a voz embargada para a platéia que incluía ex adversários como o padre Sinfrônio:
- Eu lhes devo tanto e tenho tão pouco para lhes dar. Estou acanhado em vos dizer, inclusive, muito obrigado. Entretanto, peço a Deus que abençoe sempre esta cidade e esta praça dedicada ao amor.
Dez anos depois, a praça, bem ao lado da Prefeitura, estaria em estado de abandono total.
As listas de apoio a Chico Xavier passavam de mão em mão pelo Brasil e o candidato ao Nobel da Paz lutava contra as dores no coração para participar das sessões no Grupo Espírita da Prece. A peruca negra e farta sobre a cabeça destoava cada vez mais das rugas no rosto e da fragilidade do corpo franzino, sempre arqueado, como se estivesse a um passo de se espatifar no chão.
Chico se sentia cada vez mais vulnerável. Seu peito parecia arrebentar sob o impacto de desabafos, como o da mulher desesperada vinda do interior de São Paulo:
- Chico, matei meu próprio filho, para não sermos, eu e meu marido, mortos por ele. Ajude-me pelo amor de Deus.
Com os olhos marejados, ele se limitava a dizer:
- Vamos orar, minha irmã. Vamos pedir a Deus forças para continuar vivendo.
Só após muita insistência do Dr. Eurípedes Tahan, ele concordou em reduzir ainda mais a quantidade de contatos pessoais com os visitantes. Um novo médico, sobrinho de Chico, o cardiologista José Geraldo, reforçou o cordão de isolamento em torno do paciente mais requisitado do país.
Começaram a aparecer no Grupo Espírita da Prece as  "filas dos sessenta ", também conhecidas como  "filas dos suplicantes ". Só os primeiros a chegar, somados a alguns eleitos por Eurípedes Higino dos Reis, conseguiam uma audiência com Chico Xavier. Os outros poderiam assistir à sessão, mas só com muita sorte trocariam algumas palavras com o anfitrião, sempre cercado de auxiliares. As reclamações se acumulavam. Quais os critérios usados para selecionar quem poderia conversar com Chico?
Alguns falavam em dinheiro.
As suspeitas davam lugar a surpresa diante de cartas vindas do além e escritas, ainda em velocidade, por um Chico com mãos trêmulas. Numa delas, no mínimo pitoresca, o filho morto se referia à própria mãe como  "minha Cica ". Ninguém entendeu o apelido. Nem o pai dele. A mãe demorou um pouco a decifrar a mensagem e, só com algum custo, se lembrou da mania irritante do filho de tratá-la como "minha elefantinha ".
Numa de suas últimas conversas, ela pediu para ser poupada do apelido. Depois de morto, ele atendeu ao pedido e encontrou um substituto para o nome: Cica, a marca do elefantinho.
As sessões se seguiam, Chico era procurado pelos repórteres interessados em declarações do primeiro candidato brasileiro ao Nobel da Paz, mas ele se recusava a fazer qualquer previsão sobre o resultado da campanha. Como sempre, evitava se arriscar como profeta ou vidente.
No dia 1º de fevereiro de 1981, o deputado Freitas Nobre entregou ao diretor presidente do Instituto Nobel, Karl Swerderup, 110 quilos de documentação. Nove pastas guardavam um resumo da trajetória de Chico Xavier: 64 obras assistenciais ajudadas por ele serviam como amostragem das quase duas mil que giravam em torno da renda gerada por seus 183 títulos e por suas campanhas beneficentes. Um livro com o resumo das obras psicografadas por Chico, em quatro idiomas (português, norueguês, inglês e francês), reforçou o calhamaço.
Freitas Nobre explicou aos organizadores do prêmio que tinha deixado no Brasil, por dificuldades de transporte, as listas de apoio com 2 milhões de assinaturas.
Se quisessem, ele mandaria providenciar o material. Ninguém quis. Swerderup ficou impressionado. Só em Fortaleza, a renda obtida com a venda dos livros de Chico Xavier permitiu o parto grátis de 100 mil mulheres.
Isso representa quase um quarto da população da Noruega comparou ele.
A petição oficial da indicação de Francisco Cândido Xavier exibia as assinaturas do ex Presidente Jânio Quadros, do Senador Tancredo Neves e do Presidente do Partido do Movimento Democrático Brasileiro, Ulysses Guimarães.
Após a audiência, os visitantes brasileiros percorreram, em companhia do diretor do Instituto Nobel, o prédio da entidade e conheceram o auditório onde se realizaria a sessão solene de entrega do prêmio. Muitos rezaram diante do palco onde seriam anunciados os vencedores, mentalizaram em favor de Chico e saíram convencidos da vitória. Até o dia da divulgação do resultado, quase 10 milhões de pessoas deixaram suas assinaturas em listas de apoio à indicação de Chico Xavier (a maioria sem saber que o dia da inscrição já tinha passado).
Em 14 de outubro, foi divulgado o resultado. Nem Walesa nem João Paulo II venceram. Muito menos Chico Xavier. O prêmio daquele ano ficou para um azarão. O Escritório do Alto Comissariado da ONU Organização das Nações Unidas para os Refugiados, responsável pela assistência a refugiados no mundo todo, inclusive do Afeganistão, Etiópia e Vietnã, foi premiado pela segunda vez.
Chico Xavier deu uma opinião sob medida no dia seguinte à derrota:
- Estamos muito felizes sabendo que um prêmio dessa ordem coube a uma instituição que já atendeu a mais de 18 milhões de refugiados. Nós todos deveríamos instituir recursos para uma organização como essa, em que tantas criaturas encontram apoio, refúgio, amparo e bênção.
Só dez anos depois, ele diria:
- Não merecia o Prêmio Nobel da Paz porque sou um homem do povo.
Os espíritas não ficaram tão comovidos nem conformados assim. Eduardo Araia, editor da revista Planeta, levantou uma hipótese para explicar a derrota de Chico Xavier:
- "O critério de seleção que já premiou belicistas como Menahem Begin, Anuar Sadat, Le Duc Tho ou Henry Kissinger talvez não possa, por uma questão de coerência, escolher uma personalidade como Chico Xavier".
A campanha serviu para divulgar a doutrina espírita. Naquele ano, foram vendidos 700 mil livros com o nome de Francisco Cândido Xavier estampado na capa. O número era confirmado pelos impostos recolhidos e pelos direitos autorais. Os títulos rendiam a média de 2 milhões de cruzeiros mensais. Chico nem via a cor do dinheiro.
Vivia com os 98 mil cruzeiros de sua aposentadoria (ou seja, menos de 5% do total arrecadado com os livros). E, é claro, contava com a ajuda incessante dos amigos e dos admiradores. Frutas, cobertores, remédios, ternos; os presentes chegavam pelo correio ou desembarcavam em sua porta. Chico não pedia nada, recebia muito e se desfazia de quase tudo.
Graças a Deus aprendi a viver apenas com o necessário.
O vozeirão de Emmanuel ainda soava em seus ouvidos:
- Não há mérito algum em passar adiante o que você recebeu. Quem ganha e distribui não passa de um estafeta. O importante é perdoar e se doar, sem esperar nada em troca.
Chico não deu tempo para Vanucci lamentar o fracasso da campanha pelo Prêmio Nobel da Paz. O trabalho era a melhor receita para curar ressacas. O diretor da Globo tinha conversado com o espírita, três anos antes, sobre o projeto de montar uma peça a partir de textos psicografados por ele e por Divaldo Franco. Ele colocaria em cena esquetes sobre o suicídio, o aborto, as drogas, tudo de acordo com a cartilha da reencarnação.
Falava, falava, Chico aprovava a idéia, mas nada. Logo após a campanha pelo Nobel, o candidato derrotado foi incisivo e bem humorado:
- Vanucci, daqui a pouco a gente está lá no Mundo Maior e você vai me falar desse teu projeto. Tá na hora de colocar no palco.

CONTINUA AMANHÃ

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