quarta-feira, 1 de junho de 2011

AS VIDAS DE CHICO XAVIER - - CHUVA DE PÉTALAS - PARTE 4

CONTINUAÇÃO

Estou apavorado como todo mundo. Estou com medo de morrer como qualquer ser humano.
O guia perdeu a paciência:
- Está bem. Então, cale a boca para não afligir a cabeça dos outros com seus gritos. Morra com fé em Deus, morra com educação.
Quando Emmanuel virou as costas, Chico ainda resmungava:
- Quero saber como alguém pode morrer com educação.
E continuou a gritar.
Chico Xavier estava estressado. Escrevia compulsivamente para chegar ao centésimo livro, fazia caridade, atendia aos "obsediados ", percorria bairros pobres de Pedro Leopoldo para distribuir alimentos e ler o Evangelho, consolava os desesperados.
Mas continuava desconsolado.
O clima tenso, em Pedro Leopoldo, atingiu o clímax quando uma senhora bem vestida, de Belo Horizonte, se aproximou dele e lhe ofereceu veneno:
- Vim aqui te ajudar a se suicidar.
Chico dispensou o presente:
- Quero viver até o fim.
A mulher insistiu:
- É melhor você se suicidar. Você fica em paz e dá paz ao nosso Centro.
Chico encerrou o assunto com um "não " redondo. Estava convencido: já era hora de virar mais um capítulo de sua história.
Sua família andava nervosa. Lucília, a irmã com quem ele morava, estava cansada de tanto entra e sai, tanta campainha, tanto telefone. O marido dela, Pacheco, era católico e não entendia tanto movimento, não suportava a invasão diária de sua privacidade. Um dia, a irmã perguntou:
- Você sai ou nós saímos?
Chico aproveitou a deixa e saiu. Estava cansado. Todas as irmãs já estavam casadas, ele já não precisava mais tomar conta de ninguém. Já era hora de poupar a família, de poupar a si mesmo.
No dia 18 de dezembro, assinou apenas a entrada no livro de ponto da Fazenda Modelo. Uma observação na margem direita esclarecia: "O escrevente datilógrafo Francisco de Paula Cândido foi designado pelo ato 1614 para trabalhar em Uberaba ". Isso mesmo: Francisco de Paula Cândido. Este é seu nome de batismo. Uma homenagem da família católica ao santo do dia de seu nascimento, 2 de abril, São Francisco de Paula.
Quando rompeu com o catolicismo e escreveu os primeiros textos espíritas, ele adotou o sobrenome paterno.
Poucos amigos conheciam a dupla identidade do autor de Parnaso de Além-Túmulo. Era Francisco de Paula Cândido quem escrevia os relatórios para Rômulo Joviano. Ele mesmo buscaria todo mês no banco a sua aposentadoria, assinada por Juscelino Kubitscheck. O próprio Presidente da República, aliás, pediu a assessores para apressar a papelada do escriturário nível 8 da Fazenda Modelo, de Pedro Leopoldo. Queria atender ao médium antes de sair do poder.
No meio da noite de 4 de janeiro de 1959, Chico Xavier bateu a porta de casa e sumiu. Sobre a cama, ainda estendido no cabide, ficou um terno de linho branco.
Na sala, restaram a vitrola, discos de Beethoven, Bach, Noel Rosa e um retrato a óleo de Emmanuel. No escritório, sua mesa tosca, quatro cadeiras, um baú repleto de papéis e os quase quatrocentos volumes de sua biblioteca. Entre dezenas de títulos espíritas, A Divina Comédia, o Leilo Universal e exemplares de Seleções e Almanaque Bertrand.
Não se despediu de ninguém. Com a roupa do corpo, tomou o rumo de Uberaba. Levou apenas o velho caderno de endereços e telefones. Iria morar com Waldo Vieira.
Deixou para trás uma cidade perplexa e minguante. Geraldo Leão, o garoto curado por ele da paralisia facial, guardou os três lápis usados pelo filho mais pródigo e famoso da cidade em sua última sessão no Centro Luiz Gonzaga. Um tinha a marca da Casa Garçon, outro vinha com o símbolo da lâmpada Astra Super e o terceiro divulgava a campanha "Crianças brasileiras, vamos estudar ". Mais de trinta anos depois, ele exibiria as relíquias aos poucos turistas da cidade. Os quatro hotéis e pensões dos tempos do médium se reduziram a uma reles pensão. O Cine Central, onde Chico costumava ir aos domingos pagar ingressos para a criançada pobre, deixaria de existir.
Nas mesas do Bar Central, na esquina da rua onde Chico Xavier morou durante 49 anos e escreveu sessenta livros, o filho de João Cândido Xavier ainda gerava polêmica 34 anos após sua mudança. Um ex charreteiro da Fazenda Modelo, José Porfírio Costa Lima, contava, de olhos arregalados, a frase dita por um espírito em um centro de umbanda:
- A cidade vai pagar caro por ter deixado Chico Xavier ir embora.
Após encarar a praça vazia e mal iluminada, garantia, perplexo:
- Pedro Leopoldo está amaldiçoada.
Em pleno 1993, os motivos do sumiço repentino de Chico ainda esquentavam as conversas entre um café e outro. Alguns acusavam o padre Sinfrônio. Muitos jogavam a culpa na família dele, "exploradora demais ". Outros lembravam do escândalo provocado por Amauri Pena. Alguns se culpavam. Podiam ter tratado o conterrâneo melhor, com mais respeito. O santo da casa não fez milagre...
A razão alegada pelo próprio Chico Xavier nem era levada em consideração.
Chico jogou a culpa pela mudança em uma labirintite, iniciada naquele ano.
Incomodado por barulhos no ouvido e por fortes dores de cabeça, ele teria seguido conselho dos médicos e dos benfeitores espirituais para procurar um clima temperado. Pedro Leopoldo era fria demais.
Chico foi mesmo em busca de um clima menos frio, mas não no sentido meteorológico da expressão. Aos amigos mais íntimos, ele daria uma outra explicação. Uberaba, então com dezessete centros kardecistas, estaria mais protegida espiritualmente.
Deitada em sua cama, paralítica, Nair Tarabau Pinto, colega de escola de Chico Xavier, deixaria nas páginas de um caderno puído uma declaração de amor ao ex companheiro:
- "Chico, você é o amigo de infância que não posso esquecer por mais que a vida dure. Às vezes, pergunto a mim mesma: quem é este homem? Um gênio, um predestinado? Ou um precursor?"
Chico já estava longe.

CONTINUA AMANHÃ

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