domingo, 15 de maio de 2011

AS VIDAS DE CHICO XAVIER - A PELE DO RINOCERANTE - 2ª PARTE

CONTINUAÇÃO

Em maio, Clementino de Alencar, um correspondente do jornal O Globo, desembarcou em Pedro Leopoldo. O carioca estava disposto a desmascarar a "fraude mineira e teve a primeira oportunidade em sessão espírita no Centro Luiz Gonzaga. Naquela noite, ele se sentou ao lado de Chico na mesa tosca de madeira e acompanhou, de perto, os movimentos vertiginosos de sua mão sobre o papel. O lápis percorria a folha na contramão - da direita para a esquerda e rabiscava frases incompreensíveis. Um dos espectadores arriscou: É árabe. Era inglês, escrito de trás para frente. A mensagem invertida, que só poderia ser lida no espelho ou contra a luz, foi publicada em letras garrafais no jornal carioca:
My dear spiritualist friends, Men s learning is nothing over against of the death: letyou support your cross with patience and courage. The pain and faith are the greater earthly trea-sure and the work is thegold of the lífe. Butfor ali you, believing either not, here is the our-great message: God is our Father. We are brothers. Let us love one another. Emmanuel.
(Meus caros amigos espiritualistas, o conhecimento dos homens não é nada contra a morte; suportem as suas cruzes com paciência e coragem. A dor e a fé são os maiores tesouros terrenos e o trabalho é o ouro da vida. Para todos, entretanto, crentes ou não, aqui está a nossa grande mensagem: Deus é nosso Pai. Nós somos irmãos. Amemo-nos uns aos outros.)
O repórter apontou o erro crasso de gramática inglesa o uso do the antes do possessivo ou na quinta linha e divulgou a desculpa do tal Emmanuel para o deslize: ele ainda estava estudando inglês num curso no além.
A noite de boas-vindas ao jornalista foi movimentada. Após a exibição bilíngüe, Chico colocou no papel, em minutos, de olhos fechados, dois poemas de um certo Olavo Bilac   "Aos Descrentes e Ideal.
Clementino de Alencar avançou sobre o primeiro:
Vós que seguis a turba desvairada
As hostes dos descrentes e dos loucos
Que de olhos fechados e ouvidos moucos
Estão longe da senda iluminada
Retrocedei dos vossos mundos ocos
A noitada só terminou depois de Chico Xavier rabiscar um poema de Augusto dos Anjos - sobre o fim das forças do "plasma agonizante' e outro de João de Deus.
No quarto de hotel, Clementino passava os olhos pelos poemas do outro mundo e registrava as próprias sensações nas páginas de O Globo:
- Nossos olhos correm, a um tempo curiosos e ansiosos, sobre aquelas páginas incríveis, que o caixeiro bisonho e humilde afirma ter recebido, em transe, do mundo das sombras invisíveis, que ficam para lá das nossas percepções normais. Devemos crer nesse parnaso do além? Esqueçam por hora as dúvidas. Fique para mais tarde a análise.
Nem tudo era poesia na série de reportagens. Clementino também divulgou um texto atribuído a Emmanuel, a quem sempre se referia como o "guia " de Chico. O artigo, sobre o  "corpo espiritual ", soava como grego escrito de trás para frente.
A vida, em suas causalidades profundas, escapa aos vossos escalpelos, e apenas o embriogenista observa, na penumbra e no silêncio, a infinitésima fração do fenômeno assimilatório das criações orgânicas.
O repórter se empolgou e decidiu, então, submeter o matuto de Pedro Leopoldo a uma série de testes. Chico aceitou o desafio. Questionários elaborados por especialistas foram entregues a ele.
As primeiras perguntas, sobre economia, vieram do gerente do Banco Agrícola de Sete Lagoas, Francisco Teixeira da Costa. Chico levou a prova para casa iria submetê-la aos espíritos - e apresentou as respostas na manhã seguinte.
A primeira questão era muito difícil: Dado o aumento da população mundial e a escassez de ouro necessário à circulação, a socialização do sistema monetário, tendo por base certa percentagem de exportação de cada país, conseguiria, pela emissão naquela base, regular o fenômeno da troca?
A resposta veio em economês à altura, se arrastou por parágrafos e mais parágrafos, repletos de referências ao lastro regulador e às emissões fiduciárias, e terminou com a assinatura do português Joaquim Pedro d'Oliveira Martins, ex-deputado, ex-ministro da Fazenda e ex-membro da Academia de Ciências de Lisboa, morto em 1894.
Na reportagem publicada no dia 31, Clementino estava quase convertido ao espiritismo:
- Sente-se o repórter no dever de anotar, já agora, aqui, esta impressão: torna-se cada vez mais remota a idéia de fraude grosseira que tenha porventura surgido com as primeiras notícias relativas ao jovem médium de Pedro Leopoldo.
O jornalista fez questão de esclarecer que não era o único ex-cético da cidade.
Muitos curiosos desembarcavam desconfiados em Pedro Leopoldo e saíam de lá assombrados.
Um dos observadores atentos entrevistados por Clementino foi o professor de Psiquiatria da Universidade de Belo Horizonte, Melo Teixeira. Ele se sentou próximo ao rapaz e cravou nele seus olhos clínicos. Quando Chico Xavier largou o lápis sobre o papel repleto de frases do além, o médico perguntou quais as sensações do transe.
O matuto falou sobre o torpor e a impressão vaga de uma tênue irradiação.
O psiquiatra deu o diagnóstico:
- Não se pode negar: estamos diante de um fenômeno lídimo, visto, presenciado.
Haverá, naturalmente, os que acusam este rapaz de fabricar pastiches. É uma hipótese para observador distante e superficial. Sentimo-nos diante de uma força ultranormal.
Clementino precisava de mais evidências. Decidiu fazer perguntas em inglês. Uma das questões:
Have you, spirits, any power upon thefuture of our living friends?
(Vocês, os espíritos, têm algum poder sobre o futuro de nossos amigos vivos?).
A resposta, assinada por Emmanuel, começava com uma censura à referência aos amigos vivos.
"Todos nós estamos vivendo " garantiu em bom português.
O repórter de O Globo leu os parágrafos escritos pelo rapaz, mas não se convenceu. Queria respostas em inglês. Em vez de fazer o pedido ao entrevistado, ele resolveu experimentar uma técnica espírita: a de enviar uma "espécie de prece insistente ao rapaz " "Inglês, inglês " mentalizou. O texto veio em português. Quando Clementino já estava prestes a voltar ao ceticismo habitual, apareceram, sob a resposta, dezoito linhas em inglês. Do you have more questions?
Clementino de Alencar mudou. Emmanuel, citado como "guia " de Chico Xavier nas primeiras reportagens, virou o Amigo Invisível (com letras maiúsculas e sem aspas).
O repórter voltou para o Rio, um mês depois, convencido da honestidade do autor de Parnaso de Além-Túmulo. E suas reportagens atraíram caravanas de curiosos a Pedro Leopoldo.

CONTINUA AMANHÃ

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