ele assinou embaixo F. Xavier - e se sentiu culpado quando recebeu de um crítico português uma carta recheada de pontos de exclamação e adjetivos entusiasmados.
Recebi elogios por um trabalho que não me pertencia.
Em 1931, Chico já não sentia a pressão alucinada na cabeça nem o enrijecimento doloroso no braço. Tinha aprendido a se entregar, a não criar resistência. Às vezes, um volume imaterial aparecia diante de seus olhos e era dali, daquelas páginas invisíveis, que Chico copiava os textos do outro mundo. Em outras ocasiões, escrevia como se alguém lhe ditasse as mensagens e, enquanto colocava as palavras no papel, experimentava no braço a sensação de fluidos elétricos e, no cérebro, vibrações indefiníveis. De vez em quando, esse estado atingia o auge e Chico perdia a sensação do próprio corpo. Sem medo, já podia ser o instrumento passivo dos mortos vivos.
Um feiticeiro. Um maluco incapaz de separar o sonho da realidade. Os rumores persistiam na cidade. Um padre de Belo Horizonte fez um discurso inflamado na igreja de Pedro Leopoldo contra o espiritismo e encerrou o sermão mandando Chico Xavier para o inferno. O rapaz, impressionado, correu para o colo invisível da mãe, contou seu drama e ouviu dela o muxoxo:
- E daí? Ele te mandou para o inferno, mas você não vai. Fique na Terra mesmo...
Poucas semanas depois, um intelectual, também de Minas, desembarcou na cidade. Chico vestiu sua melhor roupa e, com a pasta de poemas debaixo do braço, foi levado por um amigo até o forasteiro. O literato passou os olhos pelos versos, classificou tudo como "bobagem" e, com os olhos fixos no autor, encheu a boca:
- Este rapaz é uma besta.
O amigo de Chico defendeu a inteligência dele, sua dedicação aos espíritos, seu cuidado com os poemas vindos do outro mundo. O intelectual reviu seu julgamento.
É uma besta espírita.
Chico, inconformado, buscou abrigo, mais uma vez, sob as saias de Maria João de Deus.
Viu como eu fui insultado?
Ouviu mais um muxoxo materno:
- Não vejo insulto algum. Acho até que você foi muito honrado. Uma besta é um animal de trabalho. E é valioso e útil, a serviço do espiritismo, quando não dá coices.
Preocupado com a própria "rebeldia" e em estado de depressão, Chico teve mais uma visão.
Um burro teimoso atrelado a uma carroça carregada de documentos puxava a carga e encarava com inveja os companheiros livres no pasto. De vez em quando, enquanto era alimentado com água e alfafa, assistia, de longe, às brigas violentas entre os colegas. Uma sucessão de coices sanguinolentos. Chico olhou aquele burro e pensou: talvez fosse melhor estar sob freios do que estar solto no pasto da vida para escoicear e ser escoiceado.
- Aprendi a lição - disse ele, pronto para receber os arreios.
Chico já estava cansado. Trabalhava, lutava no centro, fazia caridade, escrevia quase por compulsão e continuava desacreditado. Ele reclamava dos incrédulos, se queixava dos comentários envenenados e se entregava à reza. Após uma das várias orações, Maria João de Deus voltou à cena e, em vez de um conselho, sugeriu um remédio.
- Meu filho, para curar essas inquietações, você deve usar água da paz.
Chico saiu à procura do remédio em todas as farmácias de Pedro Leopoldo. Nada.
Recorreu a Belo Horizonte. Nada de novo. Ao fim de duas semanas, comunicou à mãe o fracasso da busca. A aparição ensinou:
- Não precisava viajar. Você poderá obter o remédio em casa mesmo. Pode ser a água do pote.
- Como assim?
- Quando alguém lhe fizer provocações, beba um pouco de água pura e conserve-a na boca.
Não a lance fora nem a engula. Enquanto persistir a tentação de responder, guarde a água da paz banhando a língua.
Chico engoliu a lição do silêncio. E digeriu.
Nessa noite, sentiu o braço movido por alguém.
Tomou o lápis e despejou os versos:
"Meu amigo, se desejas:
paz crescente e guerra pouca,
ajuda sem reclamar
e aprende a calar a boca".
Dessa vez, o recado veio com assinatura: Casimiro Cunha, poeta de Vassouras, morto em 1914.
As visitas do outro mundo começaram a se identificar a partir de 1931. Uma tarde, Chico regava os canteiros de alho na horta de José Felizardo, quando uma voz lhe pediu que ouvisse com atenção um poema inédito: "Vozes de uma Sombra". O dono da voz e dos versos se anunciou como Augusto dos Anjos. E começou a lançar no ar palavras insólitas.
"Donde venho?
Das eras remotíssimas/
Das substâncias elementaríssimas/
Emergindo das cósmicas matérias".
Chico ouvia, regava o alho e perdia o fio da meada.
"Venho dos invisíveis protozoários/
Da confusão dos seres embrionários/
Das células primevas, das bactérias..."
A voz pedia toda a atenção. Precisava recitar os versos naquele momento, durante o entardecer, e naquele cenário. Tudo o inspirava. Chico deveria ouvir as palavras, familiarizar-se com elas e decifrá-las para mais tarde colocar as rimas no papel sem dificuldade.
Corpos multiformes, vultoso abdômen, intensas torpitudes, larvas rudes, animálculo medonho, fótons, galáxias.
O rapaz tropeçava nas sílabas e nos significados daquele palavrório. E, com o regador a tiracolo, parecia um imenso ponto de interrogação.
O poeta invisível perdeu a paciência com a dificuldade do matuto de Pedro Leopoldo em entender os versos e entregou-se a Deus:
- Quer saber de uma coisa? Vou escrever o que puder, pois sua cabeça não agüenta mesmo.
O poema foi destaque do primeiro livro publicado por Chico Xavier, Parnaso de Além-Túmulo, ao lado de outros 56 atribuídos a catorze poetas, todos enterrados.
Para não se perder em meio às palavras desconhecidas, Chico costumava recorrer ao dicionário. Só assim descobria o sentido de algumas delas e corrigia a ortografia de outras.
Os poemas saíam de sua mão acompanhados de assinaturas inacreditáveis: Castro Alves, Alphonsus de Guimarães, Olavo Bilac. Até Dom Pedro II tomou coragem e arriscou versos sobre um Brasil "triste e saudoso", que rimava com "bonançoso", e sobre uma "alma torturada", que combinava com "pátria idolatrada".
Chico aproveitava cada minuto livre para escrever. E, no início, quando a eletricidade nem tinha chegado a Pedro Leopoldo, era surpreendido por acidentes estranhos.
Enquanto prestava atenção aos ditados do além ou sentia as mãos guiadas à revelia, ventos súbitos lançavam velas acesas sobre as mensagens e derrubavam o tinteiro sobre o papel. O rapaz encarava os obstáculos como provação e seguia adiante.
A notícia de suas estripulias lítero espirituais começou a correr. Por essa época, Chico estava no enterro de um amigo, quando um jovem padre se aproximou e perguntou se era verdade que ele recebia mensagens do outro mundo.
Chico confirmou. E o padre aconselhou cautela.
- Os espíritos das trevas têm muita astúcia para seduzir para o mal.
- Mas os espíritos que se comunicam através de mim só ensinam o bem.
Diante da resposta, o padre lançou o desafio.
Puxou um papel em branco do bolso e perguntou se ali, naquele momento, no cemitério, haveria um espírito disposto a se manifestar. Chico, sem hesitar, pegou o papel, se concentrou e, minutos depois, escreveu um soneto intitulado "Adeus". A primeira das quatro estrofes:
"O sino plange em terna suavidade/
no ambiente balsâmico da igreja/
entre as naves, no altar, em tudo adeja/
o perfume dos goivos da saudade".
Assinado: Auta de Souza.
Numa noite de 1931, quando escrevia mais um dos poemas de seu livro de estréia, Chico sentiu o olho esquerdo invadido por fragmentos de areia. Esfregou os grãos imaginários, mas a coceira continuou. Experimentou fixar a lâmpada com a pupila incomodada, mas em vez da luz acesa viu um foco difuso. Mal conseguia enxergar os versos recém escritos e assinados por Casimiro de Abreu. O rapaz ficou assustado e rezou mais uma vez. O Dr. Bezerra apareceu para ele, tateou o olho e diagnosticou:
- Sua vista amoleceu por razões que não podemos saber agora. Prepare-se para ir a tratamento em Belo Horizonte, para que sua família não diga que você ficou sem se tratar por nossa causa. Dois dias depois, um amigo o levou à capital mineira e um oftalmologista diagnosticou:
- Isso é um tipo de catarata obscura e inoperável.
Chico nunca mais se livrou dos grãos de areia e ficou desconfiado de ter sido atacado por "falanges das trevas" interessadas em prejudicar sua tarefa mediúnica. Desde então, todos os dias, ele medicaria o olho doente com colírios à base de cortisona e cloranfenicol.
Na época em que sofria com os primeiros sintomas da catarata, Chico recebeu mais um pedido de socorro no Centro Luiz Gonzaga: um cego, guiado por um bêbado, tinha despencado de uma altura de quatro metros. Desmaiado e ensangüentado, já estava há horas embaixo de um viaduto da cidade.
O rapaz correu para ajudar. Alugou um quarto num velho pardieiro para o homem e conseguiu um médico de graça. Mas o doente precisava de companhia durante o dia, enquanto Chico trabalhava no bar de José Felizardo. O caixeiro publicou um anúncio no jornal semanal da cidade pedindo socorro. Seis dias depois, duas moças apareceram dispostas a ajudar o enfermo durante o dia. Trabalhavam à noite: eram prostitutas. A recuperação do doente durou um mês. Após acompanhar as rezas de Chico, as duas decidiram mudar de vida. Foram para Belo Horizonte. Uma se empregou numa tinturaria, a outra tornou-se enfermeira.
Foi o primeiro de uma série de encontros entre Chico e as "nossas irmãs que comercializam a força sexual", segundo um dos eufemismos usados por ele. Meses depois, um amigo de seu pai o convidou para dar um passeio à noite e o levou ao bordel. Chico não se apavorou nem se inibiu. Perguntou o porquê daquele programa.
O acompanhante confessou: estava atendendo a um pedido do pai de Chico, preocupado com a virgindade tardia do filho. O rapaz perdeu a paciência e, rispidamente, disse que se quisesse ir até ali não precisaria de guia.
Ao entrar no salão, ele foi reconhecido.
Vejam quem está aqui... Vamos fazer uma prece juntos.
As mulheres não estavam brincando. De repente, o bordel virou um centro espírita improvisado. Preces, passes, "uma grande alegria cristã", segundo Chico. "Uma chatice", segundo quatro candidatos a uma noitada nada católica.
O rapaz saiu de lá intacto.
CONTINUA AMANHÃ
Recebi elogios por um trabalho que não me pertencia.
Em 1931, Chico já não sentia a pressão alucinada na cabeça nem o enrijecimento doloroso no braço. Tinha aprendido a se entregar, a não criar resistência. Às vezes, um volume imaterial aparecia diante de seus olhos e era dali, daquelas páginas invisíveis, que Chico copiava os textos do outro mundo. Em outras ocasiões, escrevia como se alguém lhe ditasse as mensagens e, enquanto colocava as palavras no papel, experimentava no braço a sensação de fluidos elétricos e, no cérebro, vibrações indefiníveis. De vez em quando, esse estado atingia o auge e Chico perdia a sensação do próprio corpo. Sem medo, já podia ser o instrumento passivo dos mortos vivos.
Um feiticeiro. Um maluco incapaz de separar o sonho da realidade. Os rumores persistiam na cidade. Um padre de Belo Horizonte fez um discurso inflamado na igreja de Pedro Leopoldo contra o espiritismo e encerrou o sermão mandando Chico Xavier para o inferno. O rapaz, impressionado, correu para o colo invisível da mãe, contou seu drama e ouviu dela o muxoxo:
- E daí? Ele te mandou para o inferno, mas você não vai. Fique na Terra mesmo...
Poucas semanas depois, um intelectual, também de Minas, desembarcou na cidade. Chico vestiu sua melhor roupa e, com a pasta de poemas debaixo do braço, foi levado por um amigo até o forasteiro. O literato passou os olhos pelos versos, classificou tudo como "bobagem" e, com os olhos fixos no autor, encheu a boca:
- Este rapaz é uma besta.
O amigo de Chico defendeu a inteligência dele, sua dedicação aos espíritos, seu cuidado com os poemas vindos do outro mundo. O intelectual reviu seu julgamento.
É uma besta espírita.
Chico, inconformado, buscou abrigo, mais uma vez, sob as saias de Maria João de Deus.
Viu como eu fui insultado?
Ouviu mais um muxoxo materno:
- Não vejo insulto algum. Acho até que você foi muito honrado. Uma besta é um animal de trabalho. E é valioso e útil, a serviço do espiritismo, quando não dá coices.
Preocupado com a própria "rebeldia" e em estado de depressão, Chico teve mais uma visão.
Um burro teimoso atrelado a uma carroça carregada de documentos puxava a carga e encarava com inveja os companheiros livres no pasto. De vez em quando, enquanto era alimentado com água e alfafa, assistia, de longe, às brigas violentas entre os colegas. Uma sucessão de coices sanguinolentos. Chico olhou aquele burro e pensou: talvez fosse melhor estar sob freios do que estar solto no pasto da vida para escoicear e ser escoiceado.
- Aprendi a lição - disse ele, pronto para receber os arreios.
Chico já estava cansado. Trabalhava, lutava no centro, fazia caridade, escrevia quase por compulsão e continuava desacreditado. Ele reclamava dos incrédulos, se queixava dos comentários envenenados e se entregava à reza. Após uma das várias orações, Maria João de Deus voltou à cena e, em vez de um conselho, sugeriu um remédio.
- Meu filho, para curar essas inquietações, você deve usar água da paz.
Chico saiu à procura do remédio em todas as farmácias de Pedro Leopoldo. Nada.
Recorreu a Belo Horizonte. Nada de novo. Ao fim de duas semanas, comunicou à mãe o fracasso da busca. A aparição ensinou:
- Não precisava viajar. Você poderá obter o remédio em casa mesmo. Pode ser a água do pote.
- Como assim?
- Quando alguém lhe fizer provocações, beba um pouco de água pura e conserve-a na boca.
Não a lance fora nem a engula. Enquanto persistir a tentação de responder, guarde a água da paz banhando a língua.
Chico engoliu a lição do silêncio. E digeriu.
Nessa noite, sentiu o braço movido por alguém.
Tomou o lápis e despejou os versos:
"Meu amigo, se desejas:
paz crescente e guerra pouca,
ajuda sem reclamar
e aprende a calar a boca".
Dessa vez, o recado veio com assinatura: Casimiro Cunha, poeta de Vassouras, morto em 1914.
As visitas do outro mundo começaram a se identificar a partir de 1931. Uma tarde, Chico regava os canteiros de alho na horta de José Felizardo, quando uma voz lhe pediu que ouvisse com atenção um poema inédito: "Vozes de uma Sombra". O dono da voz e dos versos se anunciou como Augusto dos Anjos. E começou a lançar no ar palavras insólitas.
"Donde venho?
Das eras remotíssimas/
Das substâncias elementaríssimas/
Emergindo das cósmicas matérias".
Chico ouvia, regava o alho e perdia o fio da meada.
"Venho dos invisíveis protozoários/
Da confusão dos seres embrionários/
Das células primevas, das bactérias..."
A voz pedia toda a atenção. Precisava recitar os versos naquele momento, durante o entardecer, e naquele cenário. Tudo o inspirava. Chico deveria ouvir as palavras, familiarizar-se com elas e decifrá-las para mais tarde colocar as rimas no papel sem dificuldade.
Corpos multiformes, vultoso abdômen, intensas torpitudes, larvas rudes, animálculo medonho, fótons, galáxias.
O rapaz tropeçava nas sílabas e nos significados daquele palavrório. E, com o regador a tiracolo, parecia um imenso ponto de interrogação.
O poeta invisível perdeu a paciência com a dificuldade do matuto de Pedro Leopoldo em entender os versos e entregou-se a Deus:
- Quer saber de uma coisa? Vou escrever o que puder, pois sua cabeça não agüenta mesmo.
O poema foi destaque do primeiro livro publicado por Chico Xavier, Parnaso de Além-Túmulo, ao lado de outros 56 atribuídos a catorze poetas, todos enterrados.
Para não se perder em meio às palavras desconhecidas, Chico costumava recorrer ao dicionário. Só assim descobria o sentido de algumas delas e corrigia a ortografia de outras.
Os poemas saíam de sua mão acompanhados de assinaturas inacreditáveis: Castro Alves, Alphonsus de Guimarães, Olavo Bilac. Até Dom Pedro II tomou coragem e arriscou versos sobre um Brasil "triste e saudoso", que rimava com "bonançoso", e sobre uma "alma torturada", que combinava com "pátria idolatrada".
Chico aproveitava cada minuto livre para escrever. E, no início, quando a eletricidade nem tinha chegado a Pedro Leopoldo, era surpreendido por acidentes estranhos.
Enquanto prestava atenção aos ditados do além ou sentia as mãos guiadas à revelia, ventos súbitos lançavam velas acesas sobre as mensagens e derrubavam o tinteiro sobre o papel. O rapaz encarava os obstáculos como provação e seguia adiante.
A notícia de suas estripulias lítero espirituais começou a correr. Por essa época, Chico estava no enterro de um amigo, quando um jovem padre se aproximou e perguntou se era verdade que ele recebia mensagens do outro mundo.
Chico confirmou. E o padre aconselhou cautela.
- Os espíritos das trevas têm muita astúcia para seduzir para o mal.
- Mas os espíritos que se comunicam através de mim só ensinam o bem.
Diante da resposta, o padre lançou o desafio.
Puxou um papel em branco do bolso e perguntou se ali, naquele momento, no cemitério, haveria um espírito disposto a se manifestar. Chico, sem hesitar, pegou o papel, se concentrou e, minutos depois, escreveu um soneto intitulado "Adeus". A primeira das quatro estrofes:
"O sino plange em terna suavidade/
no ambiente balsâmico da igreja/
entre as naves, no altar, em tudo adeja/
o perfume dos goivos da saudade".
Assinado: Auta de Souza.
Numa noite de 1931, quando escrevia mais um dos poemas de seu livro de estréia, Chico sentiu o olho esquerdo invadido por fragmentos de areia. Esfregou os grãos imaginários, mas a coceira continuou. Experimentou fixar a lâmpada com a pupila incomodada, mas em vez da luz acesa viu um foco difuso. Mal conseguia enxergar os versos recém escritos e assinados por Casimiro de Abreu. O rapaz ficou assustado e rezou mais uma vez. O Dr. Bezerra apareceu para ele, tateou o olho e diagnosticou:
- Sua vista amoleceu por razões que não podemos saber agora. Prepare-se para ir a tratamento em Belo Horizonte, para que sua família não diga que você ficou sem se tratar por nossa causa. Dois dias depois, um amigo o levou à capital mineira e um oftalmologista diagnosticou:
- Isso é um tipo de catarata obscura e inoperável.
Chico nunca mais se livrou dos grãos de areia e ficou desconfiado de ter sido atacado por "falanges das trevas" interessadas em prejudicar sua tarefa mediúnica. Desde então, todos os dias, ele medicaria o olho doente com colírios à base de cortisona e cloranfenicol.
Na época em que sofria com os primeiros sintomas da catarata, Chico recebeu mais um pedido de socorro no Centro Luiz Gonzaga: um cego, guiado por um bêbado, tinha despencado de uma altura de quatro metros. Desmaiado e ensangüentado, já estava há horas embaixo de um viaduto da cidade.
O rapaz correu para ajudar. Alugou um quarto num velho pardieiro para o homem e conseguiu um médico de graça. Mas o doente precisava de companhia durante o dia, enquanto Chico trabalhava no bar de José Felizardo. O caixeiro publicou um anúncio no jornal semanal da cidade pedindo socorro. Seis dias depois, duas moças apareceram dispostas a ajudar o enfermo durante o dia. Trabalhavam à noite: eram prostitutas. A recuperação do doente durou um mês. Após acompanhar as rezas de Chico, as duas decidiram mudar de vida. Foram para Belo Horizonte. Uma se empregou numa tinturaria, a outra tornou-se enfermeira.
Foi o primeiro de uma série de encontros entre Chico e as "nossas irmãs que comercializam a força sexual", segundo um dos eufemismos usados por ele. Meses depois, um amigo de seu pai o convidou para dar um passeio à noite e o levou ao bordel. Chico não se apavorou nem se inibiu. Perguntou o porquê daquele programa.
O acompanhante confessou: estava atendendo a um pedido do pai de Chico, preocupado com a virgindade tardia do filho. O rapaz perdeu a paciência e, rispidamente, disse que se quisesse ir até ali não precisaria de guia.
Ao entrar no salão, ele foi reconhecido.
Vejam quem está aqui... Vamos fazer uma prece juntos.
As mulheres não estavam brincando. De repente, o bordel virou um centro espírita improvisado. Preces, passes, "uma grande alegria cristã", segundo Chico. "Uma chatice", segundo quatro candidatos a uma noitada nada católica.
O rapaz saiu de lá intacto.
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