terça-feira, 10 de maio de 2011

AS VIDAS DE CHICO XAVIER - O MENINO MAL ASSOMBRADO - 3ª PARTE

CONTINUAÇÃO

Pela manhã, em 7 de maio de 1927, o casal atacou com passes e rezas a doença: um "espírito obsessor". Chico acompanhou o ritual e participou, assim, de sua primeira experiência no espiritismo. Nesse dia, recebeu de José Hermínio Perácio explicações sobre os fantasmas que o cercavam desde menino, foi apresentado ao Evangelho Segundo o Espiritismo e ao O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, e conheceu uma palavra chave: mediunidade. O médium seria um intérprete dos espíritos na Terra.

A irmã melhorou e, no dia seguinte, embarcou com José Hermínio e Carmem para a fazenda deles. Precisava de tratamento prolongado. Na mesma semana, Chico voltou à igreja. Mas apenas para se despedir do padre. Mais uma vez, se ajoelhou no confessionário e contou tudo: o tratamento da irmã, sua melhora, a sessão de passes, as idéias de Kardec, sua intenção de se dedicar à mediunidade. Scarzello disse que não conhecia o espiritismo e, por isso, não podia julgar. Sabia apenas que a Igreja rejeitava o espiritismo e que Chico era jovem demais para assumir compromissos e tomar decisões. O rapaz estava irredutível e o padre ficou em silêncio.

Chico não queria deixar o ex confessor contrariado e pediu a ele sua mão. O padre estendeu a mão direita. Depois de beijá-la, o ex católico fez mais um pedido. Queria ser abençoado. Scarzello atendeu.

- Seja feliz, meu filho. Rogarei à Mãe Santíssima para que te abençoe e proteja.

Chico levantou-se e saiu. Quando chegou à porta, olhou para trás. O padre o acompanhava com os olhos e sorria. Nunca mais se viram.

No dia 21 de junho de 1927, Chico já ajudava na fundação do primeiro centro espírita da cidade, num barracão onde morava o irmão dele, José Xavier. O dono da casa assumiu a presidência, Chico ficou como secretário e seu patrão, José Felizardo, virou tesoureiro. Faltava o nome do centro. Todos pensaram, pensaram e decidiram: Luiz Gonzaga. Uma home-nagem ao aviador Charles Lindbergh, que tinha atravessado o oceano Atlântico, sem escalas, a bordo de seu avião, o Spirit of St. Louis.

Ninguém ali sabia, mas o piloto quis homenagear, com o nome da aeronave, o rei da França e não São Luiz Gonzaga. De qualquer forma, o batismo do centro não foi tão despro-positado assim. O monarca francês tinha protegido Allan Kardec, o codificador da doutrina espírita, no século passado e, portanto, merecia algum respeito.

Em julho, menos de três meses após a primeira sessão de rezas e passes, a irmã de Chico voltou para casa sã e salva. Na noite do dia 8 de julho, todos se reuniram para agradecer a cura. Carmem Perácio, que acompanhou Maria Xavier até Pedro Leopoldo, participou da sessão e ouviu uma voz aconselhando Chico a tomar o lápis.

Ele obedeceu e, de repente, se sentiu fora de seu corpo. As paredes desapareceram, o telhado se desfez e, no lugar do teto, ele viu estrelas.

Olhando em volta, notou uma assembléia de "entidades" que o fitavam. Para ele, eram os habitantes do arco íris. Naquela noite, Chico preencheu dezessete páginas. Sem rasuras, sem borracha, em velocidade. Quem assinou foi um "amigo espiritual". Quando o rapaz pôs o ponto final tinha as pernas trêmulas e o coração acelerado.

Dois dias depois, Carmem e o marido convidaram Chico a passar uns dias na fazenda. Eles rezavam quando Carmem, mais uma vez, ouviu uma voz suave. Era um tal de Emmanuel, "amigo espiritual" de Chico. Depois do som, veio a imagem. Um jovem imponente, com vestes sacerdotais e aura brilhante.

- Irmã, fale ao Chico para ele tomar papel e lápis.

Chico Xavier não viu nem ouviu nada. Buscaram o material, ele segurou o lápis e as frases começaram a se espalhar pelas páginas. No texto, referências ao tratamento da irmã, detalhes sobre a vida dos irmãos e um recado pessoal:

- "Eis que nos achamos juntos novamente. Os livros à nossa frente [O Evangelho Segundo o Espiritismo e O Livro dos Espíritos] são dois tesouros de luz. Estude-os, cumpra seus deveres e, em breve, a bondade divina nos permitirá mostrar a você seus novos caminhos". A assinatura não era de Emmanuel, mas de Maria João de Deus. Após sete anos de ausência, ela dava novos sinais.

No fim daquele ano, havia muitos candidatos à mediunidade no Centro Luiz Gonzaga. Uns queriam receber recados do além, outros estavam loucos para incorporar espíritos.
O entusiasmo era contagiante quando, em outubro, desembarcaram em Pedro Leopoldo quatro moças ensandecidas, todas filhas de Rita Silva. Vinham da região de Pirapora.

A mãe estava desesperada. E não era para menos: o quarteto se mordia, se debatia, gritava. Uma das vítimas precisou ser acorrentada para chegar até ali inteira.

Chico, mais uma vez, lançou sobre o papel mensagem assinada por Maria João de Deus:

- "Meus amigos, temos desejado o trabalho e o trabalho nos foi enviado por Jesus. Nossas irmãs doentes devem ser amparadas aqui no centro. A fraternidade é a luz do espiritismo. Procuremos servir com Jesus".

Era uma noite de segunda-feira. Quando chegou a reunião de sexta, sobraram na sala José, Chico e as loucas. Mais ninguém. Eles rezaram, rezaram, leram o Evangelho, tentaram conversar com os "obsessores", ou melhor, com as assombrações responsáveis pelos tormentos das coitadas, e nada. O tratamento seria longo.

Numa das noites, a situação piorou. José teria que viajar a serviço - era seleiro - e, para não deixar Chico sozinho com as moças "obsediadas", pediu ajuda a um recém-chegado, o Manuel. Segundo os vizinhos, ele era capaz de acalmar os espíritos das trevas. O forasteiro aceitou o convite e, na hora combinada, apareceu no Centro Espírita Luiz Gonzaga armado com uma Bíblia puída.

A sessão começou pacífica. Como sempre, depois das preces, Chico emprestou seu corpo aos habitantes do além. Primeiro, veio um "espírito amigo" para orientar Manuel:
- Quando o perseguidor se apossar do médium, aplique o Evangelho com veemência.

Não demorou muito e um novo visitante do outro mundo apareceu. Estava descontrola-do.

Manuel nem pensou duas vezes. Tomou a Bíblia e bateu com ela muitas vezes sobre a cabeça de Chico, gritando, irritado:

- Pois tome Evangelho, tome Evangelho.

O tal espírito perseguidor desapareceu, a sessão foi encerrada e Chico sofreu violenta torção no pescoço. Mais tarde, ele se divertiria com a história, certo de que foi uma das poucas pessoas no mundo a levar surra de Bíblia. Só com muito custo, após muita reza, as quatro irmãs voltaram para casa sem a companhia de assombrações.

As histórias se espalhavam, viravam lenda. De Belo Horizonte, começavam a aparecer curiosos. Um deles, em um carro novo em folha, estacionou perto de Chico e perguntou ao rapazola de calças curtas onde morava o tal Chico Xavier. O rapaz ficou sem graça. Teria que decepcionar o forasteiro.

- Sou eu.

O visitante encarou os sapatos puídos e enlameados do rapaz, engatou a primeira e acelerou após se despedir:

- Se você não arrumou nem pra você, imagine pra mim.

No final do ano, em 29 de outubro de 1928, o Centro Espírita Luiz Gonzaga mudou de endereço: saiu do barracão de José Xavier e se espalhou por uma sala alugada na casa de José Felizardo Sobrinho. Ganhou até um novo estatuto. Quem assinou a "acta de installação" foi o secretário Francisco Xavier:

“Aos vinte e nove de outubro de mil novecentos e vinte e oito, às oito horas da noite, foi reorganizado o Centro Espírita Luiz Gonzaga.

Ficou decidido entre todos os presentes que ficasse estabelecida a mensalidade de um mil réis e que fosse alugado a vinte mil réis mensais o salão da residência do senhor José Felizardo Sobrinho para que aí fique installada a sede interina da associação...”

A programação no centro seria intensa. As segundas, quartas e sextas-feiras, sessões públicas de estudo e divulgação da doutrina "espírita-socientifica-cristã".

As quintas, sessões privadas e de caridade.

"Para todos os efeitos, firmo a presente ata que assino".

Menos de três meses depois, em 18 de janeiro de 1929, uma sexta-feira, Carmem Perácio viu cair do teto, após a sessão evangélica, uma chuva de livros sobre a cabeça de Chico.

Contou a visão ao rapaz e ele tratou de dispensar o presente dos céus.

Não mereço que os espíritos me tragam lírios.

Não entendeu direito. Mais uma vez, não viu nem ouviu nada.

Logo ele começou a cobrir páginas e páginas com poemas. Alguns ele assumia como seus.

Como o dedicado ao amigo José Tosta, logo após a morte dele, em 27 de abril de 1929. A primeira estrofe estava longe de ser divina:

"Companheiro que à Pátria regressaste/ entre auréolas de luzes majestosas/ a levar tantas flores perfumosas/ a Jesus, tanto amor, que tanto amaste". Nessa época, ele ainda era o "poeta espírita que desabrocha em Pedro Leopoldo", como definiu Pereira Guedes, um dos divulgadores do espiritismo que o ajudaram a se lançar.

Os melhores poemas escritos por Chico eram obras sem dono. O poeta negava a autoria dos versos. Eles apareciam quando o rapaz, aflito, sentia uma pressão na cabeça como se um cinto de chumbo comprimisse seu cérebro - e um peso no braço direito, como se ele se transformasse numa barra de ferro e fosse arrastado por forças poderosas.

Os textos se acumulavam anônimos e repetiam a mesma cartilha: amor, compreensão, tolerância.

Os companheiros do centro liam a papelada e sugeriam a publicação. Só havia um problema.

Quem assinaria as obras? Chico consultou o irmão, José Cândido, e eles decidiram pedir conselhos ao diretor do jornal espírita carioca Aurora, Inácio Bittencourt. O jornalista convenceu o rapaz de Pedro Leopoldo a colocar seu nome embaixo dos poemas. "F. Xavier" começou a aparecer em várias publicações com o consentimento dos escritores invisíveis.

Chico nunca se esqueceu de como o soneto "Nossa Senhora da Amargura" chegou às suas mãos e se espalhou pelo papel. Uma noite, ele rezava quando viu aproximar-se uma jovem reluzente. Pediu papel e lápis e começou a escrever. A aparição chorava tanto que Chico começou a se debulhar em lágrimas também.

No final das contas, ele já não sabia se os seus olhos eram os dela ou vice-versa. Muito mais tarde identificaria a dona daquelas pupilas: a poeta Auta de Souza, do Rio Grande do Norte, que morreu em 1901, com 24 anos.

Na época,

CONTINUA AMANHÃ

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