quinta-feira, 19 de maio de 2011

AS VIDAS DE CHICO XAVIER- O APRINDIZ DE CURANDEIRO - PARTE 4

CONTINUAÇÃO

Jesus atendeu ao pedido, curou a menina e convidou Publius a segui-lo. O pai de Flávia agradeceu o convite, virou as costas e saiu de fininho.
Anos depois, abandonou a esposa, Lívia, por suspeitar de sua infidelidade. Cristã, a mulher terminou devorada pelos leões no Circo Máximo, diante dos braços cruzados do ex marido. Resultado: Publius se deu mal cinqüenta anos mais tarde.
Voltou à Terra como o escravo Nestório e terminou seus dias entre os dentes e garras dos leões.
Chico Xavier só conheceria o capítulo mais edificante da biografia de seu mestre em 1949. Emmanuel exibia no currículo uma identidade bem mais honrosa: a do padre Manuel da Nóbrega. Ao lado de José de Anchieta, ele teria desembarcado no Brasil no século XVI para implantar o cristianismo no país. Com algum atraso, começou a pagar sua dívida com Jesus.
Poucos sabiam, mas Chico se sentia ainda mais endividado do que Emmanuel. Naquela história de dois mil anos atrás, ele teria sido Flávia, a leprosa curada por Cristo, a filha de Emmanuel.
O mundo das reencarnações não tem fim nem começo. Alguns espíritas insistem em descobrir quem teriam sido em séculos passados. Chico sempre tentou escapar das especulações com bom humor.
Uma vez, uma senhora chegou perto dele feliz da vida. Tinha feito uma descoberta.
- Fui mártir. Morri na arena devorada por um leão. E você Chico?
- Ah, eu fui a pulga do leão.
Ficava cansado daqueles tantos heróis à sua volta. De vez em quando, um amigo abria um sorriso e se apresentava a ele, orgulhoso, como um ex Napoleão, um ex rei, um ex apóstolo. Ninguém enchia a boca para dizer: "Fui um perdedo ". Todos tinham histórias edificantes para contar.
Chico ouvia as revelações grandiloqüentes e, às vezes, não resistia a uma ironia:
- Eu, aqui, no meio destas cabeças coroadas, com a cabeça decepada.
Ficou feliz da vida quando um vizinho comunicou:
Lá em casa há mais uma criadinha às ordens. Nasceu uma menina e dizem que é o espírito de uma índia que reencarnou. Chico quase bateu palmas:
- Graças a Deus. Até que enfim nasceu uma índia.
Só sentia vontade de vaiar quando alguém especulava sobre as vidas passadas dele. Certo, ele teria sido Flávia mesmo. E daí? Qual a importância disso? O tema, para ele, era pura perda de tempo. Cada um deveria se preocupar com esta vida.
Chico precisava trabalhar. E trabalhava muito para cumprir o combinado com Emmanuel. Em 1941, colocou no papel uma de suas obras preferidas, Paulo e Estevão, ditada por seu guia. Durante oito meses, ele se trancou no porão da casa do patrão Rômulo Joviano, na Fazenda Modelo, após o expediente. Todas as noites, das 17h15 à 1h, desfilaram, diante de seus olhos, numa tela imaginária, cenas de 2 mil anos atrás, seqüências da vida dos apóstolos de Cristo, imagens de Roma antiga.
O trabalho era pesado. Chico preenchia as páginas em branco com textos assinados por seu guia, passava a limpo os originais, datilografava tudo na máquina emprestada pelo patrão e apagava o que tinha escrito a lápis para reaproveitar o papel. O salário continuava curto.
A mulher de Rômulo, Wanda Joviano, mandava uma empregada lhe servir um lanche e escalava um funcionário para deixar o rapaz em casa de charrete. Havia apenas uma condição: ele deveria estar de volta, pontualmente, às 7h30 no dia seguinte.
Enquanto escrevia Paulo e Estevão, Chico teve um companheiro constante e compene-trado: um sapo enorme. No início, o rapaz olhou desconfiado para o bicho. Emmanuel acalmou o protegido. O animal também era filho de Deus, uma forma de transição. Chico se acostumou com o espectador, embora o achasse estranho.
Todas as tardes, o bicho o esperava na entrada do porão, acompanhava-o até a mesa e ficava quieto num canto. Quando o escritor saía, ele saía junto e sumia no mato.
No dia seguinte, estava lá, a postos, pronto para outra. Chico teve crises de choro durante os oito meses de trabalho. Quando pingou o ponto final na obra, viu um espírito desmontar uma espécie de painel, que transformava aquele cômodo numa cabine isolada do mundo. Começou a sentir saudades dos personagens do livro, saudades da viagem no tempo, gratidão a Emmanuel. Precisava agradecer.
Correu os olhos pelo quarto subterrâneo e deparou com o sapo. Tudo resolvido. Encarou o animal e garantiu:
- Irmão sapo, a graça divina há também de brilhar para você.
Daquele dia em diante o bicho sumiu. A Roma antiga também, mas outras imagens nítidas entraram em cartaz no cinema particular do ex matuto de Pedro Leopoldo. Algumas seqüências eram assustadoras. Assombrações o ameaçavam de morte, espíritos encapuzados invadiam seu quarto, visitas com pés caprinos chegavam à beira da cama dele.
Nem sempre seu guia estava por perto.
Numa das  "tardes de folga  " de Emmanuel, Chico escrevia um relatório na Fazenda Modelo quando, de repente, seu rosto ficou branco, quase transparente, e se contraiu.
O datilógrafo deixou escapar um gemido enquanto lançava a mão sobre o ombro.
Parecia infartado. O colega de repartição correu em busca de ajuda e, quando voltou, com um veterinário a tiracolo, encontrou a vítima já recuperada. Quis saber o que houve e escutou uma história mirabolante.
Há dias, dois espíritos ameaçavam matar o autor de Paulo e Estevão. Naquela tarde, eles apareceram de supetão. Um deles sacou um revólver e, sem dizer uma só palavra, apertou o gatilho. Ao ouvir o estampido, Chico saltou para o lado, mas não foi ágil o suficiente para impedir que a bala atingisse seu ombro de raspão. Ninguém viu nem ouviu nada e Chico ficou oito dias seguidos com o ombro dolorido.
De vez em quando, o espírita surpreendia os amigos mais íntimos com revelações espantosas. Numa noite, uma jovem aproximou-se dele no Centro Luiz Gonzaga e reclamou de uma dor de cabeça insuportável. Chico pediu para ela acompanhar a leitura do Evangelho. Foi tiro e queda. A moça ficou boa. A cura repentina recebeu uma explicação surpreendente. A tal mulher havia tido uma discussão violenta com o marido e quase foi agredida por ele com uma bofetada. O golpe foi evitado, mas o marido a atingiu "vibracionalmente ",  provocando uma concentração de fluidos negativos que invadiram seu aparelho auditivo, causando a enxaqueca. Logo que a reunião começou, Dr. Bezerra colocou a mão sobre a cabeça dela e Chico viu sair de dentro de seu ouvido um cordão fluídico escuro, negro, responsável pela dor.
O protegido de Emmanuel tinha os poderes cada vez mais afiados. Em 1943, começou a colocar no papel seu best seller, Nosso Lar, assinado por um tal de André Luiz.
O texto pegou o mineiro de surpresa. Era diferente de tudo o que ele já tinha escrito.
Descrevia o cotidiano numa cidade espiritual próxima à Terra, uma zona de transição fundada por portugueses em algum ponto do espaço, mais perto do Sol do que da Terra, no século XVI. Era para ali, ou para comunidades parecidas com aquela, que muita gente ia após a morte. Nada de céu, de inferno, de purgatório. A população, formada por cerca de 1 milhão de habitantes, vivia às voltas com uma burocracia tão intrincada quanto à terráquea. Os moradores do Nosso Lar se submetiam a regras ditadas por instâncias como a Governadoria Geral, o Ministério da Regeneração, o Ministério do Esclarecimento e o Ministério da Elevação. Mas nem tudo era tédio. O meio de transporte, por exemplo, era bem divertido: um aerobus carro comprido suspenso a cinco metros de altura que parecia ligado a fios invisíveis. Entre os animais à solta na cidade estavam as aves ibis viajores, capazes de devorar as formas mentais odiosas e perversas e de enfrentar, assim, as trevas do Umbral.
O moço de Pedro Leopoldo, acostumado com carroças, charretes e bois, parecia ter se transformado, de repente, em autor de ficção científica.
A trama renderia um bom videogame. Para vencer, basta seguir as instruções: o segredo de sucesso nesta zona de transição é faturar os  "bônus-trabalho ". Quem quiser alcançar níveis superiores de evolução ou se candidatar a uma nova encarnação deve superar os obstáculos. O principal deles é a preguiça. Uma dica é cumprir a cota mínima diária de oito horas de serviço útil. Os mais empenhados podem fazer quatro horas de serão, no máximo. O esforço vale a pena. Quem acumula tempo de trabalho dedicado à assistência aos outros recebe provisões extras de pão e de roupa e ganha certas prerrogativas, como visitas a amigos e parentes também mortos, acesso a locais de lazer e a palestras nas escolas dos ministérios. Mas todo cuidado é pouco.
O Nosso Lar está longe de ser o céu, e o governador geral, longe de ser um anjo.
A cidade já enfrentou conflitos nada celestiais. Um dia, habitantes recém-chegados da Terra se rebelaram contra a escassez de comida e começaram a exigir provisões mais fartas de pão e mais criatividade nas receitas. O clima ficou tenso, a população dividiu-se e abriu espaço para o assédio de multidões de regiões inferiores.
Legiões vindas do Umbral aproveitaram brechas nos serviços de Regeneração para invadir a cidade. Resultado: o governador mandou ligar as baterias elétricas das muralhas da cidade, destinadas à emissão de dardos magnéticos, isolou os rebeldes recalcitrantes em calabouços da Regeneração, fechou provisoriamente o Ministério da Comunicação e proibiu temporariamente os auxílios às regiões inferiores. Por mais de seis meses, os serviços de alimentação foram reduzidos à inalação de princípios vitais da atmosfera, através da respiração, e a água misturada a elementos solares, elétricos e magnéticos.
O livro foi um marco para o espiritismo. Ele convenceu muita gente da necessidade de trabalhar, e muito, em favor dos necessitados. Quem se dedicasse à caridade evoluiria mais depressa. Quem ajudasse o outro se ajudaria. A generosidade poderia soar, às vezes, como egoísmo. Mas o discurso deu bons resultados, estimulou o auxílio aos pobres.
Chico Xavier suou para traduzir aquelas lições do outro mundo. Escutava as frases e titubeava com o lápis na mão, perplexo diante do mundo novo. Numa das noites de trabalho, em julho, ele se sentiu fora do corpo e, durante duas horas, ao lado de André Luiz e de Emmanuel, visitou uma faixa suburbana da cidade descrita por ele. Para Chico, a tal viagem, uma das maiores surpresas de sua vida, não ocorreu por merecimento, mas por necessidade

CONTINUA AMANHÃ

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