quarta-feira, 18 de maio de 2011

AS VIDAS DE CHICO XAVIER- O APRINDIZ DE CURANDEIRO - PARTE 3

CONTINUAÇÃO

Numa noite, Chico foi chamado às pressas pela família. José tinha desmaiado e estava mal. Quando chegou à casa do irmão, o médico lhe deu uma esperança:
- José vai voltar.
A alegria durou segundos. Logo, ele ouviu um desconsolo de Emmanuel:
- Ele vai voltar, mas não vai reconhecer ninguém. Consta de suas provas cármicas que ele deve ficar onze anos num hospício.
Algumas horas se passaram e Chico viu, em volta da cama do irmão, um círculo de espíritos. Era uma assembléia. A explicação veio do amigo invisível:
- José conversou com tantos obsediados estes anos todos... Vamos pedir ao Senhor que sua dedicação seja levada em consideração e, em vez de ficar todos esses anos alienado, ele desencarne já.
Minutos depois, Chico foi surpreendido por outra visão:
- José se desprendeu do próprio corpo e, como uma cópia de si mesmo, se levantou e sumiu.
O velório foi constrangedor. João Cândido Xavier estava inconformado. Encarava as pessoas, muitas delas em busca das receitas de Chico, e gritava:
- Vieram aqui para se curar? Vocês não enxergam? Ele não cura ninguém. Não curou nem o próprio irmão. Voltem para casa. Deixem de ser idiotas.
José Cândido não entendia, por exemplo, por que o tal Dr. Bezerra de Menezes não curava de uma vez a catarata no olho esquerdo do filho. As dores aumentavam, Chico sofria, corria o risco de ficar cego. Onde estavam os milagres? Por que os espíritos viravam as costas para quem os ajudava todos os dias? Era ingratidão demais.
Numa noite, se contorcendo de dor, o próprio Chico tomou coragem e pediu socorro a Emmanuel. Não agüentava mais aquela agonia na vista. Se fosse saudável, poderia aumentar a produção de livros. Ouviu mais uma resposta dura.
- Sua condição não exonera você da necessidade de lutar e sofrer, em seu próprio benefício, como acontece às outras criaturas. Se nem Cristo teve privilégios, por que você os teria?
Chico devia carregar suas cruzes sem resmungos, como um dublê de Jesus.
Seu olho às vezes sangrava. Durante uma das crises, ele ficou dois dias em casa deitado no fim de semana. Teve o repouso interrompido pela aparição de Emmanuel.
- Por que você está aí parado?
- O senhor não vê que meu olho está doente?
- E o que o outro está fazendo? Ter dois olhos é um luxo.
Em pouco tempo, Chico definiria a "enfermidade " como a  "melhor enfermeira ", agradeceria a Deus por suas dores e abençoaria o sofrimento como forma de evolução, uma maneira de resgatar dívidas de encarnações anteriores e de compensar escorregões da temporada atual. Difícil era se conformar com a falta de apoio de Emmanuel em momentos críticos. Em 1940, ele enfrentou outra prova médica. De repente, deixou de urinar. A bexiga inchou e o doente, como simples mortal, procurou um médico em vez de recorrer aos céus. O diagnóstico não foi nada animador. Se a retenção urinária se prolongasse por mais 24 horas, o ataque de uremia seria inevitável e fatal.
Diante da perspectiva da morte, Chico pediu ajuda a Emmanuel. Desta vez, nem insinuou um pedido de cura. Queria apenas ser recebido por ele no  "outro mund ".
Nada feito. Emmanuel tinha mais o que fazer.
Estarei ocupado. Mas se você sentir que a hora chegou, recorra aos amigos do Luiz Gonzaga e, depois, não se descuide das sessões de quarta-feira [dedicadas aos espíritos sofredores]. Espere pacientemente a sua vez de ser atendido. Você não é melhor do que os outros.
Chico se livrou da retenção urinária e, aliviado, se animou até a criar uma letra para a marcha composta por seu companheiro de trabalho, Oswaldo Gonçalo do Carmo, autor do hino de Pedro Leopoldo. Escreveu Nossa Festa e, para evitar o assédio da crítica, atribuiu os versos a uma amiga dos dois, Maria Geralda Carrusca, a Zinha, que tinha ajudado em algumas rimas. Nem sinal de Augusto dos Anjos no poema.
Muita música, maestro
No programa colossal
Todo Sete de Setembro
É nossa data ideal
Cantemos a nossa festa
que alegria não faz mal
Pandeiros e tamborins
Cantemos de coração
É mais um ano que passa
De harmonia e vibração
Marchas, sambas, rumbas, foxes
Nossa gente é do barulho
Cantemos a noite inteira
Nosso jazz é nosso orgulho.
Chico tinha pouco tempo para estripulias profanas. Carregava um vulcão na cabeça. As erupções, incessantes, geravam bateladas de livros. Em 1940, ele lançou três novos títulos ainda faltavam dezenove para ele atingir a cota de trinta combinada com Emmanuel. Mas os romances e poemas do além causavam menos impacto do que os textos que ele começava a escrever em sessões realizadas entre amigos espíritas: os recados enviados do céu por parentes mortos a suas famílias.
Naquele ano, Chico colocou no papel uma carta assinada por um garoto de onze anos, Sílvio Lessa, destinada a seu pai, Amaro. O menino tinha morrido e mandava lembranças do outro mundo. Estava feliz. Sua morte foi útil.
Graças ao sofrimento provocado por ela, seu pai se aproximou do espiritismo e passou a ajudar crianças pobres. Sílvio estimulava a caridade paterna no texto escrito por Chico:  "Quando for em auxílio dos pequeninos desfavorecidos pelo mundo, o seu coração há de me ver no sorriso de todas as crianças a quem estimar como seus próprios filhos..."
Para os críticos distanciados, o texto pecava por pieguice.
Para a família, as frases provavam a sobrevivência do morto e davam novo sentido à vida.
O pai apostou em cada palavra da carta:
- Ela é absolutamente autêntica. Sílvio tocou em pontos absolutamente desconhecidos, mesmo de muitas pessoas de nossa família, cuja realidade é indiscutível.
Em sua carta, o garoto contava uma parábola indiana ouvida no colégio. A história era exemplar: um camponês tentava atravessar um rio com uma vaca e um bezerrinho.
Mas a vaca se recusava a fazer a travessia. Ele empurrava, puxava, chicoteava o animal, mas nada. Exausto, após várias tentativas frustradas de mover o bicho, ele segurou o bezerro nos braços e atravessou o ribeirão. Para alcançar o filhote, a vaca finalmente se mexeu e passou de uma margem à outra.
A parábola guardava uma lição dolorosa: o afastamento, ou melhor, a morte de um filho, serviria, muitas vezes, para levar a pessoa ao outro lado da vida. Ao espiritismo, por exemplo. As chamadas "mensagens particulares "  ainda eram raras. Só a partir de 1967, após completar quarenta anos de contatos com o além, Chico receberia em sessões públicas, todas as semanas e em série, os recados de mortos para a família. Muitos céticos seriam convertidos.
As sessões com a presença do Dr. Bezerra de Menezes e os recados do outro mundo serviam à divulgação do espiritismo. As pessoas chegavam em Pedro Leopoldo em busca de ajuda médica, de conselhos espirituais ou de textos do além e voltavam para casa com livros embaixo do braço. De autógrafo em autógrafo, Chico difundia as lições de Allan Kardec, defendia a vida após a morte, consolava. Mas às vezes ficava inconsolável.
Em 1941, a viúva de José Cândido Xavier, Geni Pena, enlouqueceu. As rezas, os passes, as sessões de leitura do Evangelho no Centro Luiz Gonzaga foram inúteis. Chico teve de internar a cunhada num hospício em Belo Horizonte. Arrasado, ele acompanhou a doente até o quarto, ficou ao seu lado algumas horas e voltou para casa à noite.
Estava arrasado. O filho caçula da moça, paralítico, chorava na cama, sozinho.
Chico se ajoelhou e começou a rezar. As lágrimas corriam, ele se lembrava do irmão, se sentia culpado, impotente.
De repente, Emmanuel entrou em cena, incomodado com a choradeira:
- Por que você chora?
Chico contou o drama da cunhada, lamentou a situação do sobrinho e foi interrompido por um sermão do recém-chegado:
- Não. Você está chorando por seu orgulho ferido. Você aqui tem sido instrumento para cura de alguns casos de obsessão, para a melhoria de muitos desequilibrados.
Quando aprouve ao Senhor que a provação viesse para debaixo de seu teto, você está com o coração ferido, porque foi obrigado a recorrer à assistência médica, o que, aliás, é muito natural. Uma casa de saúde mental, um hospício, é uma casa de Deus.
Chico ouviu as críticas em silêncio, mas, entre um soluço e outro, pediu a recuperação da cunhada o mais rápido possível. O discurso se estendeu:
- Imaginemos a Terra como sendo o Palácio da Justiça, e a mulher de José como sendo uma pessoa incursa em determinada sentença da justiça. Eu sou o advogado dela e você é serventuário do Palácio da Justiça. Nós estamos aqui para rasgar ou para cumprir o processo?
Para cumprir respondeu Chico e, ainda aos prantos, insistiu: O senhor tem que saber que ela é minha irmã também.
Emmanuel perdeu a paciência de vez:
- Eu me admiro muito, porque, antes dela, você tinha lá dentro, naquela casa de saúde, trezentas irmãs e nunca vi você ir lá chorar por nenhuma. A dor Xavier não é maior do que a dor Almeida, do que a dor Pires, do que a dor Soares, a dor de toda a família que tem um doente. Se você quer mesmo seguir a doutrina que professa, em vez de chorar por sua cunhada, tome o seu lugar ao lado da criança que está doente, precisando de calor humano. Substitua nossa irmã e exerça, assim, a fraternidade.
Chico engoliu o choro, enxugou o rosto e abraçou o sobrinho.
Com os braços e pernas atrofiados, a expressão atormentada, o filho de Geni Pena, Emmanuel Luiz, era o retrato do sofrimento. Revirava-se na cama, contorcia-se em convulsões, sacudia-se em crises de choro. Um amigo de Chico ficou impressionado com o estado da criança. Como Deus, tão onipotente, admitia tanta dor?
A resposta veio de acordo com a lógica espírita: você colhe o que planta. Cada um volta à Terra com as seqüelas provocadas por si mesmo em vidas anteriores.
Deus não tinha nada a ver com as tragédias alheias. Cada um é responsável pelo próprio céu ou inferno. Emmanuel repetiria a Chico várias vezes:
- O ontem fala mais alto do que podemos admitir no tempo que chamamos hoje.
Na roda viva das reencarnações, tragédias se sucediam. Chico fazia incursões pelo mundo cão. De vez em quando, visitava um jovem deformado num barraco à beira de um matagal. Paralítico, ausente, ele vegetava sobre a cama. Sua mãe, doente, já não tinha forças para cuidar dele. O protegido de Emmanuel arregaçava as mangas, ajudava a dar banho no rapaz e a alimentá-lo. Um médico, diante de quadro tão desolador, chegou a sugerir a eutanásia.
Chico mudou de assunto e deu uma explicação estranha para tanto sofrimento.
Em sua última temporada no planeta, o infeliz tinha sido responsável pela tortura e morte de uma multidão de inocentes. Sua herança: uma legião de inimigos raivosos, loucos por vingança. Quando ele morreu, suas vítimas o agarraram e o torturaram de todas as maneiras durante vários anos. O corpo disforme e mutilado representava um abrigo contra os inimigos do outro mundo.
Enquanto ele dormia, seu espírito se desprendia do corpo, saía mundo afora e era atacado pelos adversários. Aterrorizado, em pânico, ele voltava para a tranqüilidade de seu organismo destroçado e se refugiava ali, entre os próprios escombros. A deformidade funcionava como esconderijo. A debilidade servia como fortaleza.
Chico deixava os amigos boquiabertos com histórias como esta. Para muitos, o autor do Parnaso de Além Túmulo tinha acesso a dados privilegiados sobre as vidas passadas de cada um. Mas o vidente evitava desperdiçar revelações. Só abria exceções em casos críticos. Como o da mãe desesperada no Centro Luiz Gonzaga, com restos do filho no colo:
- Meu filho nasceu surdo, mudo, cego e sem os dois braços. Agora está com uma doença nas pernas e os médicos querem amputar as duas para salvar a vida dele.
Chico pensava numa resposta, quando ouviu o vozeirão de Emmanuel:
- Explique à nossa irmã que este nosso irmão em seus braços suicidou-se nas dez últimas encarnações e pediu, antes de nascer, que lhe fossem retiradas todas as possibilidades de se matar novamente. Agora que está aproximadamente com cinco anos, procura um rio, um precipício para se atirar. Avise que os médicos estão com a razão. As duas pernas dele serão amputadas, em seu próprio benefício.
A lei de causa e efeito é implacável no espiritismo.
Que o diga Emmanuel. Quem leu o livro Há Dois Mil Anos ditado a Chico por seu tutor invisível oito anos após o primeiro encontro dos dois levou um susto. O conselheiro do rapaz estava longe de ser santo. Na pele do prepotente senador Publius Lentulus, ele teve um único contato com Jesus. Numa noite, protegido pela escuridão, abriu mão de seu orgulho e correu até as margens do lago Tiberíades para pedir socorro a Cristo. Sua filha, Flávia, sofria com lepra e corria risco de vida.

CONTINUA AMANHÃ

Nenhum comentário: