sexta-feira, 13 de maio de 2011

AS VIDAS DE CHICO XAVIER - MUITO PRAZER EMMANUEL - 2ª PARTE

CONTINUAÇÃO

- Se eles voltam a nos fazer concorrência com seus versos perante o público e, sobretudo, perante os editores, dispensando-lhes o pagamento dos direitos autorais, que destino terão os vivos que lutam hoje com tantas e tão poderosas dificuldades?
Antes de pôr o ponto final, o escritor desafiou os rivais do outro mundo a ressuscitarem: "Venham fazer concorrência em cima da terra, com o arroz e o feijão pela hora da vida. Do contrário, não vale".
Dois anos depois, Humberto de Campos morreria e vestiria a camisa dos espíritos.
A segunda edição do Parnaso de Além Túmulo exibiria logo na introdução um artigo com sua assinatura, acompanhado de uma ressalva entre parênteses: espírito. Ele já havia mudado de time e não achava assim tão desleal a  "concorrência" entre vivos e mortos.
Antes de se retirar do planeta, o escritor assinou outra crítica sobre o livro de Chico Xavier,  "Como Cantam os Mortos", também publicado na primeira página do Diário Carioca. A manchete do dia  "São Paulo em armas contra a ditadura" – descrevia como o general Isidoro Dias Lopes tinha derrubado, com suas tropas, o interventor de São Paulo, Pedro de Toledo, e colocado no poder uma junta governativa formada por ele próprio, pelo deposto e por Francisco Morato.
O cronista do Diário Carioca estava mais preocupado com assuntos do além.
Impressionado com os versos do Parnaso de Além Túmulo, ele pediu uma opinião sobre o livro ao colega de academia e de redação Augusto de Lima e ouviu uma ironia: Chico seria a versão mineira do Barão de Münchhausen e estaria às voltas com fantasias mirabolantes. Humberto desconsiderou o ceticismo do amigo.
Após esmiuçar os poemas do caipira de Pedro Leopoldo, enterrou de vez a hipótese de Chico escrever a la manière dos poetas mortos e convocou outros críticos : "Parnaso de Além Túmulo merece a atenção dos estudiosos, que poderão dizer o que há nele de sobrenatural ou de mistificação".
A convocação surtiu efeito. O poeta e escritor José Álvaro Santos leu as críticas, comprou Parnaso de Além Túmulo, analisou os poemas e, em janeiro de 1933, desembarcou em Pedro Leopoldo para conhecer o autor do livro. Encontrou o rapaz atrás do balcão no armazém de José Felizardo Sobrinho, visitou sua casa pobre, repleta de irmãos, e ficou impressionado com a rotina do rapaz. Trabalho braçal das 7h da manhã às 8h da noite por um salário de quarenta mil réis mensais, O poeta não merecia perder tanto tempo com questões menores.
José Álvaro Santos fez uma proposta a João Cândido Xavier: arrumaria um bom emprego para seu filho em Belo Horizonte. Bastava que Chico o acompanhasse até a capital mineira. Em três meses, no máximo, o rapaz estaria contratado. Os olhos do pai cresceram diante da perspectiva. O dinheiro andava curto demais.
João argumentou com o filho e, mais tarde, Chico recorreu a seu amigo invisível, Emmanuel. Escutou conselho contrário ao do pai - deveria continuar onde estava -, e tomou a decisão: ficaria com a família. No dia seguinte, João Cândido voltou a pedir socorro e Chico voltou a pedir uma orientação ao guia. A contra ordem veio do além.
A tentativa é inoportuna e desaconselhável, mas não desejamos que contraries teu pai.
João Cândido conseguiu três meses de licença para o filho no armazém de José Felizardo Sobrinho, Chico se despediu dos companheiros do Centro Luiz Gonzaga e embarcou com o desconhecido em direção a uma chácara a três quilômetros do bairro da Gameleira, em Belo Horizonte.
O autor do Parnaso de Além Túmulo, mulato, mal vestido, com expressão atordoada, virou atração na casa. Intelectuais mineiros se reuniam em torno dele e comentavam, diante de seus olhos arregalados, os estudos de Coorkes e Richet sobre a mediunidade, os pastiches de Paul Reboux, os poemas de Baudelaire, Musset, Bilac, Augusto dos Anjos.
O matuto acompanhava tudo em silêncio. Uma vez ou outra, respondia com monossílabos a perguntas sobre os poemas ditados do outro mundo. Tinha medo de cometer disparates.
No meio da noite, sozinho no quarto, respirava aliviado diante das visões do guia e da mãe. As aparições repetiam conselhos sobre a prudência e o respeito aos outros e Emmanuel ainda aproveitava para tirar dúvidas literárias do protegido. Explicava, por exemplo, que Paul Reboux era mestre em imitar o estilo de outros poetas.
Enquanto esperava o serviço prometido, Chico acompanhava, à distância, entre as árvores da chácara, a construção de um sanatório em terreno vizinho. Estava triste, tenso. O hospital, no terreno vizinho, crescia a cada dia e o emprego não saía. Os três meses se esgotaram.
Ele não podia mais ficar à toa. Precisava ajudar a família. Em março de 1933, Chico se despediu de José Álvaro Santos e, sozinho, tomou o rumo da Central do Brasil.
Enquanto esperava o trem para Pedro Leopoldo, foi surpreendido por dois amigos de seu ex anfitrião. Traziam uma ótima notícia: ele estava empregado.
O rapaz se lembrou do pai, da pobreza, dos irmãos e sentiu vontade de abraçar os dois. Quase chegou à euforia quando ouviu as outras boas novas: teria os estudos pagos no melhor colégio da cidade e ainda receberia dinheiro extra para ajudar em casa.
Havia apenas uma condição: Chico deveria assumir a autoria de Parnaso de Além Túmulo e negar a existência dos espíritos durante duas palestras, uma no auditório da Escola Normal e outra no Teatro Municipal.
O rapaz murchou. Mas ainda teve fôlego para reagir:
- Não posso mentir para mim mesmo. Ouço a voz de minha mãe, escrevo poemas que não são meus. Como posso renegar a verdade?
- Chico, você conhece um passarinho chamado sofrê? Não. O sofrê é um pássaro que imita os outros. Você nasceu com a vocação desse passarinho entre os poetas. Não acredite em espíritos. Esses poemas que você julga psicografar são seus, somente seus.
Nesse momento, Emmanuel apareceu com um de seus trocadilhos:
- Sim, volte a Pedro Leopoldo e procuremos trabalhar. Você não é um sofrê, mas precisa sofrer para aprender.
O rapaz voltou para casa e foi recebido por um pai inconformado. João Cândido encheu a boca para chamar o filho de ingrato. Chico já esperava aquela reação.
Correu para o armazém de José Felizardo Sobrinho, refugiou-se atrás do balcão e sentiu até certo entusiasmo em cortar toucinho para os fregueses e varrer o chão. Estava se sentindo tão à vontade na cidade natal que no dia 23 de setembro daquele ano, às 21h, assinou, como Primeiro Secretário, a ata de posse da primeira diretoria do Pedro Leopoldo Futebol Clube. Parecia até um jovem comum. Quem sabe um dia entrasse em campo e marcasse um gol? Quem sabe chegasse a um bar e pedisse uma cerveja bem gelada ou convidasse uma moça para o cinema? Não. Chico tinha mais o que fazer.


CONTINUA AMANHÃ

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