sábado, 7 de maio de 2011

AS VIDAS DE CHICO XAVIER - MORRE UM CAPIM NASCE OUTRO - 2ª PARTE

AS VIDAS DE CHICO XAVIER

MARCEL SOUTO MAIOR

"MORRE UM CAPIM, NASCE OUTRO"

CONTINUAÇÃO

Eu não sabia nem como nem por que, mas lágrimas começaram a escorrer pelo meu rosto sem que eu sentisse qualquer emoção especial. Desabavam à minha revelia, aos borbotões, sem nenhum controle.

No fim da sessão, eu me aproximei de Chico e fui direto ao assunto com a desinibição e arrogância típicas dos jovens jornalistas: - Chico, trabalho no Jornal do Brasil, no Rio de Janeiro, e vim pedir autorização para escrever sua biografia.

Chico recorreu a um de seus enigmas, tática usada por ele para evitar a indelicada palavra "não":

- Deus é quem autoriza.

Continuei no mesmo tom:

- E Deus autoriza?

Chico ficou em silêncio dois, três segundos e respondeu com um meio sorriso:

- Autoriza.

Era tudo o que eu precisava ouvir. Ou quase tudo. O acesso à casa de Chico, fundamental para a reportagem, foi negado por Eurípedes no dia seguinte. E o tempo começou a correr contra o projeto.

Era preciso voltar ao Rio em breve com o máximo de informações possível, e o jovem repórter entrou em ação novamente, com uma tática de emergência.

Liguei para o outro filho adotivo de Chico, Vivaldo, responsável pela catalogação da obra do líder espírita e me apresentei com uma meia verdade:

- Vivaldo, sou jornalista e estou escrevendo uma reportagem sobre o seu pai.

Você pode me ajudar?

Vivaldo convidou-me para uma visita e, simpático, ajudou-me, sem saber, a vencer o veto da véspera: ele morava em um anexo nos fundos da casa de Chico e foi lá que eu entrei na noite seguinte com gravador e bloco à mão para a primeira entrevista.

Vivaldo tratou de servir café enquanto eu despejava sobre ele as primeiras perguntas - as mais leves - sobre a obra de Chico Xavier e a responsabilidade dele, Vivaldo, de datilografar, classificar e arquivar os romances e poemas vindos do além.

Eram quase quatrocentos livros e mais de 20 milhões de exemplares vendidos de clássicos como Parnaso de Além-Túmulo (o livro de estréia) e best sellers como Nosso Lar (o campeão de vendas). Todos, sem exceção, segundo Chico, foram transmitidos a ele por espíritos.

A pauta da conversa estava prestes a entrar nas perguntas mais complicadas sobre a personalidade e a intimidade de Chico quando uma campainha soou na sala.

- É meu pai. Tá me chamando, Vivaldo pediu licença e se retirou.

Com dificuldades para andar, Chico tinha um interruptor ao lado da cama para acionar os filhos em caso de necessidade ou emergência.

Quando Vivaldo saiu, um calor insuportável tomou conta da minha mão direita: era como se ela estivesse pegando fogo. Uma sensação tão nítida que me fez largar a caneta, saltar do sofá, ir até a porta, girar a maçaneta e correr para o quintal.

Fiquei ali fora sacudindo a mão de um lado pro outro na noite fria até Vivaldo reaparecer.

- Meu pai disse que a sua biografia vai ser um sucesso. Parabéns.

Só deu tempo de eu buscar o gravador e o bloco na sala, me desculpar e desaparecer.

Foi assim, com lágrimas e calores inexplicáveis, que dei os primeiros passos no território de Chico Xavier.

Auto-sugestão? Fenômenos físicos provocados pela aura de um ser iluminado?

São muitas as perguntas sem resposta neste mundo onde vivos e mortos se misturam e espíritos enviam notícias do além por meio de médiuns em mensagens sempre intrigantes.

Trecho de uma delas: "Querida tia Isabel, se puder, não deixe a vovó chorar tanto nem a minha Mãezinha Gilda continuar tão aflita por minha causa. Estou vivo, mas preciso desem-baraçar-me das prisões de casa para conseguir melhorar."

A carta é assinada por Antônio Carlos Escobar, jovem de 22 anos, morto dias antes.

Ao longo de todo o texto, o "espírito" cita nomes e sobrenomes de família de vivos e de mortos:

"Estou aqui com o meu avô Primitivo Aymoré e com minha avó Isabel Rôa Escobar...".

A mensagem saiu das mãos de Chico Xavier, em sessão pública em Uberaba, arrancou lágrimas da mãe de Antônio Carlos, Gilda, e provocou o mesmo efeito nas pessoas reunidas no Grupo Espírita da Prece: o de reforçar a fé num dos dogmas do espiritismo: o de que existe, sim, vida depois da morte.

Como duvidar da autenticidade de um texto pontuado por tantos nomes e sobrenomes só conhecidos pela família do morto?

Como duvidar de Chico Xavier?

Fenômenos como estes se repetiram milhares de vezes ao longo dos 74 anos de atividade mediúnica do líder espírita.

Quando Chico completou 70 anos - no dia 2 de abril de 1980 - já eram 10 mil as cartas de mortos a suas famílias psicografadas por ele, segundo sua assessoria.

E já eram também 2 mil as instituições de caridade fundadas, ajudadas ou mantidas graças aos direitos autorais dos livros vendidos ou das campanhas beneficentes promovidas por Chico Xavier.

Porta-voz de Deus? "Uma besta encarregada de transportar documentos dos espíritos" Chico reagia.

Um iluminado? "Não. Uma tomada entre dois mundos" minimizava.

Chico Xavier, o apóstolo?

- "Nada disso. Cisco Xavier" - ele transformava o nome em trocadilho quando já era idolatrado por caravanas de fiéis e curiosos vindos de todo o Brasil e indicado ao Prêmio Nobel da Paz em campanha nacional embalada por mais de 2 milhões de assinaturas de adesão em 1981.

"Sou um nada. Menos do que um nada", repetia, para se defender de tanto assédio e evitar uma armadilha perigosa: a vaidade.

Com a bênção de Chico, os centros espíritas kardecistas se multiplicaram (hoje já são mais de 5 mil) e formaram uma rede de solidariedade ativa no Brasil. Por estatuto, cada centro deve divulgar o Evangelho, promover sessões públicas (sempre gratuitas) e, o mais importante, prestar serviços à comunidade.

"Ajudai-vos uns aos outros" era o remédio receitado por Chico para todos os males. "Ajude e será ajudado", ele aconselhava aos desesperados e seguia à risca a própria receita.

Ao longo dos 92 anos de vida - 74 deles dedicados a servir de ponte entre vivos e mortos -, Chico escreveu 412 livros, vendeu quase 25 milhões de exemplares e doou toda a renda, em cartório, a instituições de caridade:

- Os livros não me pertencem. Eu não escrevi livro nenhum. "Eles" escreveram.

Em fevereiro do ano 2000, Chico foi eleito o Mineiro do Século em votação que mobilizou a população de todo o estado de Minas Gerais e o consagrou, mais uma vez, como fenômeno popular. Couberam a ele exatos 704.030 votos o suficiente para derrotar concorrentes poderosos como Santos Dumont (segundo colocado), Pelé, Betinho, Carlos Drummond de Andrade e Juscelino Kubitschek (o sexto colocado).

Recluso, doente, afastado dos holofotes, Chico continuava vivo, firme e forte, na lembrança do público.

No ano seguinte, ele foi internado com pneumonia dupla, em estado grave, num hospital de Uberaba. Ao gravar imagens da fachada do prédio, um cinegrafista registrou uma aparição inusitada: um ponto luminoso vindo do céu se deslocou em alta velocidade na direção da janela do quarto onde Chico estava.

O médico Eurípedes Tahan Filho acompanhava o paciente e diagnosticou: logo depois desta aparição, o quadro clínico de Chico mudou. "A febre desapareceu, a respiração melhorou e ele ficou mais alerta." Dois dias depois, Chico teve alta.

As imagens foram exibidas no programa Fantástico, da Rede Globo, logo após a morte do médium. Reflexo na lente da câmera? Fraude? Ajuda espiritual?

Milagre? Engenheiros entrevistados descartaram a hipótese de fraude e não conseguiram explicar a origem da luz. Mais um mistério em torno de Chico.

Numa das poucas conversas que tive com ele, depois de vencer as resistências iniciais, toquei num tema delicado: sua sucessão. Haveria um novo Chico Xavier?

Chico encerrou o assunto: - "Morre um capim, nasce outro".

Ele falava sério.


CONTINUA AMANHÃ

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