quarta-feira, 25 de maio de 2011

AS VIDAS DE CHICO XAVIER - HUMBERTO DE CAMPOS - O ESCÂNDALO - PARTE 5

CONTINUAÇÃO

A reza só não afastava as assombrações de carne e osso. Chico sempre viveu cercado de pessoas que se agarravam a ele, o envolviam, quase o sufocavam.
Uma delas recebeu até um apelido:
Águia. Enorme, com a cabeça descomunal, nariz curvo e costas largas, o  "companheiro" de Chico assumia ares de guardião no Centro Luiz Gonzaga e chegava a afastar os amigos do alcance de seu protegido. Poucos se aproximavam. Muitos se irritavam com a omissão de Chico. Por que ele não se desvencilhava do intruso? A resposta era simples: se enfrentasse o Águia, poderia receber de volta vibrações que o prejudicariam. Preferiu ficar quieto e, com o tempo, o homem sumiu de cena.
Os amigos chiavam:
- Chico, todo mundo quer mandar em você.
Ele ia além:
- Todos mandam em mim. Eu já não me mando mais.
Outra assombração bastante real era o padre Sinfrônio. Quanto mais gente saía de outros estados à procura de Chico Xavier, mais o sangue do pároco subia à cabeça.
Os carros passavam direto pela igreja de Nossa Senhora da Conceição e estacionavam diante do centro, a cinqüenta metros de distância. Ele ficou tão irritado com o espiritismo, com o Dr. Bezerra de Menezes, com as curas e textos do além, que instalou na torre da igreja, em frente ao sino, um potente alto falante.
Entre uma badalada e outra o sacerdote convocava a população para a missa, rezava a ave maria, criticava a idéia de reencarnação. Só evitava pronunciar o nome de Chico Xavier. Uma medida estratégica: não queria transformar o filho de João Cândido em vítima.
Com sutileza e inteligência, Sinfrônio conseguiu convencer muitas beatas do quanto o espiritismo era arriscado. Chico Xavier era um exemplo: uma pessoa boa, educada, honesta. Mas como sofria o coitado. Era perseguido pela imprensa, processado na justiça, assediado por fantasmas e por forasteiros. Quem mandou se meter com o diabo?
Chico nunca tentou argumentar com o padre. Ignorava qualquer provocação, fugia de confrontos. Quando cruzava com o "rival" no meio da rua, tirava o chapéu e o cumprimentava, respeitoso. Muita gente ficava irritada com sua passividade. Ele se defendia das acusações de ser omisso comparando o ato de polemizar ao de remexer uma tina de água, "um serviço vão que cansa os braços inutilmente".
Nunca atacaria o catolicismo nem qualquer outra religião.
Pelo contrário. Faria questão de defender a Igreja Católica como fundamental ao país.
Por mais de quatrocentos anos, nós fomos e somos tutelados por ela na formação do nosso caráter cristão.
Chico estava longe de ser ingênuo. O catolicismo era útil para o espiritismo.
Multidões de católicos desembarcavam no Luiz Gonzaga todas as semanas.
Chico confidenciaria a um amigo sua estratégia: A Igreja Católica precisa sobreviver pelo menos mais cem anos. Nós não temos tempo nem recursos para receber todos os fiéis. Nossos centros são como choças, os católicos vêm dos palácios...
Sua tática pacifista e sua postura ecumênica funcionaram com o sacerdote. Quase quarenta anos depois, Sinfrônio participaria da festa de inauguração de uma praça batizada com o nome de Chico Xavier em Pedro Leopoldo.
Mulheres também atormentavam o balzaquiano mais casto da cidade. Uma vez, Chico abriu a boca numa sessão espírita em Belo Horizonte e deixou escapar uma voz encorpada, densa, vibrante. O rosto do rapaz ganhou ares aristocráticos. Após o discurso, o dono do vozeirão se identificou. Era Emmanuel. Azar de Chico. Uma das espectadoras, filha de um embaixador argentino, perdeu a cabeça. Tinha encontrado o homem de sua vida.
A sessão terminou, a moça se agarrou ao braço do médium e não soltou mais.
Quando Chico entrou na sala de passes, ela entrou atrás e trancou a porta. Para garantir a privacidade, arrancou a chave da fechadura e guardou no bolso. O dublê de Emmanuel não sabia o que fazer com aquela mulher entre os braços. Ela queria casar, ter filhos, recitar O Evangelho Segundo o Espiritismo para ele, ajudar todos os pobres do Brasil, doar... Chico tentou escapulir em tom paternal:
- Minha filha, não tenho programa de casamento. Não valho mais nada e seria sua infelicidade. Você se apaixonou por Emmanuel e não por mim. Tenha paciência. Jesus há de nos ajudar. Você encontrará um homem bom que a fará feliz. Eu já não sou mais homem. Nada posso fazer.
Naquela época, Chico, um solteirão com fala mansa e gestos femininos, sofria insinuações maliciosas. E recorria a respostas prontas para justificar seu celibato.
Devo me dedicar à família espírita, à família universal.
Não posso ficar preso a uma mulher.
A moça insistia. Chico sofreu para convencê-la a abrir a porta. Reza nenhuma adiantou. Tempos depois, ele recebeu uma carta educada do pai da apaixonada.
Em termos incisivos e delicados, o embaixador pedia a mão do espírita em casamento para a filha:
- Sei que o senhor é homem pobre, de cor, mas como tenho uma filha só e sempre lhe fiz todas as vontades, assim como desejo que ela seja feliz, conformo-me e peço-lhe que se case com ela. Darei todo o dinheiro necessário para que tenham conforto.
Chico agradeceu a generosidade do ex futuro sogro e recusou a oferta. Quanto mais rezava, mais assombração aparecia.
O espírita mais famoso do país vivia em outro mundo e, a cada ano, ficava mais íntimo dos mortos. Em fevereiro de 1948, Rômulo Joviano abriu sua casa para exibições extravagantes. A sala sobre o porão onde Chico Xavier escreveu Paulo e Estevão seria usada para as mágicas do médium carioca Francisco Peixoto Lins, o Peixotinho, um expert em fenômenos batizados de materialização. Após assombrar céticos e espíritas em várias capitais do Brasil, o visitante do Rio emprestaria seu ectoplasma aos seres invisíveis em Pedro Leopoldo. Com sua energia, os mortos ganhariam consistência física e poderiam ser vistos, e até tocados, por qualquer mortal.
No dia da reunião, marcada para um sábado, nenhum dos espectadores da sessão privê comeu carne, fumou ou bebeu. Todos cumpriram os pré requisitos do ritual. Rômulo Joviano reservou um quarto só para Peixotinho e o transformou, com a ajuda de uma cortina, numa cabine própria para as materializações. A escuridão ali tinha de ser absoluta e a janela deveria estar trancada. Na sala, a pouco mais de dez metros de distância, ficariam os espectadores.
Às oito da noite em ponto, uma lâmpada vermelha iluminou a platéia. Mais de quinze pessoas, entre elas Chico Xavier, iniciaram o rito, de acordo com o regulamento espírita: leitura de trechos evangélicos, seguida de comentários, "para atrair espíritos de ordem superior", acompanhada por música clássica, "para facilitar a aglutinação fluídica" e conduzir os participantes a uma vibração positiva. Ave Maria, de Gounod, tomou conta do ambiente.
Da cabine onde estava Peixotinho saíram clarões coloridos. O corredor foi atingido por reflexos verdes, roxos e azuis. De repente, apareceu na sala um visitante fluorescente. Diante de olhos atônitos, alguns deles desconfiados, começou o desfile de assombrações.
Um dos perplexos na platéia era o delegado de polícia paulista R. A. Ranieri.
Naquela noite, ele foi surpreendido pela visita de uma réplica iluminada de sua filha, Heleninha, morta três anos antes, com dois anos de idade. A garota "saiu" do corpo de Peixotinho e "ressuscitou", quase em neon, com a mesma fisionomia e estatura dos tempos de viva e com a voz semelhante à original. Cumprimentou o pai e colocou nas mãos dele uma flor brilhante.
Era ela, sem dúvida nenhuma - garantiu Ranieri.
E exigiu credibilidade.
Um delegado dificilmente se deixará embair por truque afirmou.
Ficou tão convencido da autenticidade dos fenômenos que escreveu um livro sobre o assunto, intitulado Materializações Luminosas.
Naquela noite, todos ficaram impressionados com o respeito demonstrado pelas aparições quando se aproximavam de Chico Xavier. Muitos dos seres fluorescentes só faltavam se curvar diante do matuto de Pedro Leopoldo.
Um dos visitantes do outro mundo naquela noitada estranha se apresentou como José Grosso e, às gargalhadas, tratou de honrar o apelido. Lançou numerosas pedras iluminadas sobre os espectadores. Nenhuma atingiu o alvo. Mas o recém-chegado deu provas de pontaria ao acertar, na penumbra, o nome de cada um dos quase apedrejados. O espetáculo durou pouco e foi até bem comportado perto dos shows promovidos por Peixotinho no Rio.
As experiências realizadas por ele e acompanhadas por Ranieri na capital eram ainda mais espetaculares. Algumas vezes, duas latas, com capacidade para vinte litros cada, ficavam lado a lado na cabine onde o médium dava à luz seres invisíveis.
Numa delas, parafina dissolvida fervia sobre um fogareiro aceso, à temperatura de até cem graus centígrados. A outra ficava cheia de água fria. As criaturas iluminadas enfiavam as mãos e os pés nas latas de parafina fervente e, depois, as mergulhavam na água. Resultado: esculturas perfeitas.
As surpresas se sucediam. Frases ditas pelos espectadores viravam, em segundos, letreiros luminosos suspensos no ar. As roupas e os cabelos dos participantes eram cobertos por luz fluorescente, produzida por uma mistura de radioatividade com outro elemento, desconhecido na Terra, capaz de anular as "contra-indicações" do rádio. Balas de açúcar cristalizado recebiam descargas radioativas, ficavam esverdeadas e soltavam luz a cada dentada ou a cada atrito contra o chão 24 horas seguidas. Os participantes da sessão prive levaram as balas para casa e exibiram seus poderes mágicos para a família.
Chico Xavier encarava aqueles espetáculos insólitos com naturalidade.
Personagens fantásticos faziam parte de sua rotina. E a "materialização" não era novidade alguma.
Já em 1870, o químico inglês William Crookes, descobridor de seis elementos e membro da Sociedade Real Inglesa, estudou o fenômeno. Tudo começou quando o cientista decidiu acabar de vez com aquela idéia absurda de que "espíritos" poderiam se materializar.
Vou provar tratar-se de uma ilusão vulgar anunciou.

CONTINUA AMANHÃ

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