terça-feira, 24 de maio de 2011

AS VIDAS DE CHICO XAVIER - HUMBERTO DE CAMPOS - O ESCÂNDALO - PARTE 4


CONTINUAÇÃO

Uma medida de segurança para evitar um "caso Humberto de Campos II".
Sorte dele. As herdeiras do ex milionário ficaram revoltadas com o texto. Não acreditaram numa só palavra sobre o dia a dia do pai no outro mundo. O morto vibrava com a bênção de ter se libertado das "correntes materiais" e comemorava o fato de estar mais vivo do que nunca. Para elas, tudo não passava de invenção de Chico.
O livro foi publicado. O título Continuou o mesmo, mas o nome do autor mudou bastante. Virou Irmão Jacob. Figner não conseguiu mostrar aos amigos empresários o quanto era imortal, indestrutível.
Chico Xavier fechava os olhos para os Céticos e jogava no papel frases assinadas por mortos ilustres. No dia 26 de julho de 1948, o desabafo atribuído a um certo Alberto Santos Dumont aterrissou nas páginas em branco. O chamado Pai da Aviação, que se suicidou após crise depressiva provocada pelos bombardeios aéreos durante a Revolução Constitucionalista de 1932, ainda lamentava os estragos causados por sua invenção na Segunda Guerra Mundial. Sob o impacto das carnificinas em Hiroshima e Nagasaki, ele avaliava, com algum atraso: "Facilitar comunicações às criaturas que ainda não se entendem possivelmente será acentuar os processos de ataque e morte, de surpresa, nas aventuras da guerra".
Para atenuar sua culpa, definia a evolução como uma fatalidade e se dedicava a conselhos elevados: "Outra deve ser a vocação da altura. Não há vôo mais divino que o da alma. Sejamos descobridores de nós mesmos".
Os vôos de Chico Xavier nesse ano foram turbulentos.
Enquanto passava para o papel o livro Libertação, assinado por André Luiz, ele sentiu-se na mira de uma rajada de assombrações.
Numa tarde, quando voltava da Fazenda Modelo, a pé e sozinho, parou no meio da estrada de terra e se jogou no chão, de joelhos. com os olhos voltados para o céu e as mãos enlaçadas em prece. Em sua direção, cada vez mais perto, avançava uma legião de quase seiscentas criaturas descontroladas, armadas com paus e aos berros:
Você é o Chico Xavier? Agora você vai ver. Miserável, protegido.
Os agressores já estavam a cinco passos de distância e nem sinal de Emmanuel, o protetor. Chico rezou, pediu perdão a Deus e se preparou para o linchamento. De repente, as figuras começaram a se desfazer. Não sobrou uma para contar a história. Chico se levantou, sacudiu a poeira da calça e, a caminho de casa, decifrou a lição do dia: a reza era um santo remédio.
Semanas depois, Chico foi surpreendido por três mulheres nuas se ensaboando embaixo do chuveiro em sua casa. Elas riam, jogavam água uma nas outras e encaravam o moço com olhares convidativos. O autor de Libertação fechou os olhos, rezou e, quando voltou à tona, estava sozinho de novo no banheiro, pronto para o banho.
Chico sempre se sentiu sob vigilância constante. Um dia, na Fazenda Modelo, arrancou uma laranja do pé e ouviu a censura:
- "Ladrão".
Emmanuel poderia pegá-lo em flagrante a qualquer momento. E entrava em cena contrariado quando seu protegido usava palavras inconvenientes, falava em tom áspero ou dava sinais de agressividade e impaciência. Com o tempo, Chico passou a apostar na frase "o mal é o que sai da boca do homem" e começou a construir um discurso sob medida. Logo ele se tornou um mestre em eufemismos.
No seu mundo, não havia prostitutas, mas "irmãs vinculadas ao comércio das forças sexuais". Os presos eram "educandos", os empregados eram "auxiliares", os pobres eram "os mais necessitados", os mongolóides eram "nossos irmãos com sofrimento mental", os adversários eram "nossos amigos estimulantes" e os maus eram os "ainda não bons". Ninguém fazia anos e sim "janeiros" ou "primaveras". Os filhos de mães solteiras deveriam ser encarados como filhos de pais ausentes. A nota de vinte cruzeiros, entregue com freqüência aos pobres, ganharia um apelido inspirado em sua cor: "laranjada".
O cuidado com as palavras não era mera formalidade nem prova de educação.
Tinha fins preventivos, quase terapêuticos. O uso de expressões agressivas era perigoso, arriscado. Os maus pensamentos também. Era Kardec quem ensinava: "Os maus pensamentos corrompem os fluidos espirituais, como os miasmas deletérios corrompem o ar respirável..."
Um dia, Chico andava esbaforido em direção à Fazenda Modelo quando foi chamado por uma vizinha. Desde a véspera ela tentava falar com o representante do Dr. Bezerra de Menezes. O moço tinha assumido o compromisso de ajudá-la naquela manhã.
Atrasado para o serviço, ele seguiu em frente e se limitou a dizer:
- Estou com pressa. Na hora do almoço passo aqui.
Deu cinco passos e ouviu a voz de Emmanuel.
- Cinco minutos não vão prejudicá-lo.
Chico voltou, tirou dúvidas da mulher sobre um remédio receitado pelo Dr. Bezerra e foi embora. A vizinha ficou feliz da vida.
- Obrigada, Chico, Deus lhe pague. Vá com Deus.
O rapaz despediu-se e, cem metros adiante, seguiu outro conselho de Emmanuel.
Olhou para trás para ver o que saía dos lábios da moça em sua direção. Enxergou uma massa branca de fluidos luminosos aproximando-se e entrando no corpo dele.
Emmanuel concluiu a lição daquele turno:
- Imagine se, em vez de "vá com Deus", ela dissesse "vá com o diabo". De seus lábios estariam saindo cinzas, ciscos, algo pior.
Chico passou a aconselhar os amigos no Centro Luiz Gonzaga:
- Até punhaladas e tiros temos recebido de volta por mau uso das palavras. Um dia, porque adverti um companheiro sem vestir-me da defesa da humildade, recebi, quando menos esperava, um tiro projetado sobre mim com a força de um pensamento carregado de ódio.
A humildade, para ele, funcionaria como escudo em várias ocasiões. Numa delas, ele levou um tombo, caiu de costas e bateu com a cabeça no chão. Já estava pronto para reclamar, quando Emmanuel ordenou:
- Agradeça.
Como?
- Agradeça.
Ainda no chão, Chico levantou um pouco a voz e acatou:
- Obrigado, muito obrigado.
A voz do amigo invisível decifrou o enigma:
- Se você se irritasse, emitiria vibrações quase iguais às deles e eles ficariam com mais força.
O tombo, segundo o amigo invisível, tinha sido provocado por "espíritos de baixa vibração".
Numa noite, quando já se preparava para dormir suas três horas de sono, Chico foi surpreendido pela visita de uma figura diabólica.
- Você me chamou?
A voz era arrepiante. Chico ia dizer a verdade, quando Emmanuel o aconselhou a trocar o "não" por um "sim" estratégico.
- Chamei, sim, senhor.
- E o que você quer?
Chico arriscou uma resposta política:
- É que a vida está tão difícil que eu queria que o senhor me abençoasse em nome de Deus ou em nome das forças em que o senhor crê.
O recém-chegado perdeu o rebolado e insultou:
- É só a gente aparecer que você cai de joelhos.
Depois sumiu.
As provações se sucediam.
Na noite de 11 de setembro de 1948, Chico Xavier e um amigo, Isaltino Silveira, admiravam Pedro Leopoldo do alto de um morro, na beira de um riacho. Sentado numa pedra, sob a luz de um poste, Chico lançava sobre o papel um poema assinado por Cruz e Sousa. Isaltino substituía as páginas preenchidas por outras em branco. Os dois estavam às voltas com o poeta do além quando escutaram um barulho no mato. Eram passos. O amigo de Chico olhou para trás e levou um susto: um homem enorme, com olhos injetados, avançava na direção deles com um pedaço de pau na mão.
Isaltino levantou-se rápido e se preparou para enfrentar o agressor. Chico, já escaldado, continuou sentado. Sugeriu arma mais contundente: uma boa reza para emitir vibrações positivas. A poucos metros, o agressor parou e começou a balbuciar com a língua enrolada e os olhos fixos em Chico:
- Esta luz nas suas pernas..., esta luz nas suas pernas...
Chico aconselhou:
- Vá para casa e fique na paz de Deus, meu filho.
Isaltino, já refeito do susto, viu o homem dar meia-volta e ficou perplexo diante de um fato insólito. O mato, em um raio de cinco metros ao redor do agressor, ficou todo amassado enquanto ele caminhava.
Chico Xavier tentou explicar a história toda: o homem era um médium poderoso, embora descuidado, e tinha sido arrancado da cama por espíritos obsessores, interessados em assassinar os dois e jogar seus corpos no rio. O plano daria certo se os benfeitores espirituais não tivessem envolvido a dupla com um cinturão de luz.
Isaltino ainda estava perplexo. Por que o agressor se referiu à luz nas pernas de Chico? A resposta veio rápida, como se fosse óbvia.
Ele percebeu o foco que os espíritos projetavam sobre o papel durante a psicografia.
Por que o capim em torno dele se amassava?
- As tais entidades eram tão ruins que se utilizaram dos fluidos do médium e Conseguiram peso específico para provocar o fenômeno físico. Eram aproximadamente duzentos espíritos.
Isaltino suou frio.

CONTINUA AMANHÃ

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