terça-feira, 31 de maio de 2011

AS VIDAS DE CHICO XAVIER - - CHUVA DE PÉTALAS - PARTE 3

CONTINUAÇÃO

O jornal O Globo estampou em manchete, com direito a ponto de exclamação, na primeira página de sua edição de 16 de julho: "Desmascarado Chico Xavier pelo sobrinho e auxiliar ! "
O texto, curto, era taxativo:
Depois de se submeter ao papel de mistificador durante anos, o jovem Amauri Pena, sobrinho de Chico Xavier, resolveu, por uma questão de consciência, revelar toda a verdade! Chico Xavier era, desde muito cedo, um devorador de livros.
A velha polêmica parecia à beira da ressurreição. Para piorar a situação, o Jornal do Brasil se dedicava a estampar na primeira página milagres da Igreja Católica.
Amauri colocava o espiritismo em xeque e o JB transformava em manchete a notícia da cura de uma menina, Ana Luísa que, ao ouvir pelo rádio informações sobre a agonia de Pio XII, fechou os olhos e pediu:
- Papa, lembre-se de mim, antes de morrer.
Tuberculosa, de acordo com a última radiografia, ela ficou curada em instantes.
O jornal Diário da Tarde decidiu apurar melhor a confissão do sobrinho de Chico Xavier e mandou um repórter a Sabará para entrevistar Amauri. O rapaz estava em Belo Horizonte, O delegado Agostinho Couto recebeu o jornalista e deu a folha corrida do "confessor " Alcoólatra inveterado,  "um desordeiro  ", ele já tinha sido apanhado tentando roubar uma casa e fora expulso da cidade várias vezes pelo policial. O pai de Amauri, Jaci Pena, confirmou as acusações:
- Meu filho é um doente da alma. Todo mundo sabe disso. É dado a bebidas. Ontem mesmo eu o apanhei caído no jardim no maior pileque. Chico conhece Amauri. As declarações dele não alteram nada.
Só faltava entrevistar o outro envolvido na polêmica: Chico Xavier. No dia 29 de julho, o repórter do Diário de Minas, responsável pelo furo jornalístico, conversou com o tio de Amauri Pena. Chico, na época bastante magoado, disfarçou a tristeza e exibiu seu talento para medir palavras. O discurso seguiu à risca o regulamento cristão.
Para começar, Chico negou, com humildade, que Amauri Pena fosse seu auxiliar:
- Meu sobrinho, até agora, não freqüentou reuniões espíritas ao meu lado, mas posso acrescentar que ele tem estado num grupo de espíritas muito responsáveis em Belo Horizonte, junto dos quais sempre recebeu orientação com muito mais segurança que junto a mim.
Em seguida, perdoou o autor da denúncia:
- Meu sobrinho é muito moço e, pelo que observo, é portador de um idealismo ardente, em sua sinceridade para consigo mesmo. De minha parte, peço a Jesus, com muita sinceridade, para que ele seja muito feliz no caminho que escolher.
Para encerrar, deu exemplo de respeito às crenças ou descrenças alheias:
- Não recebi as palavras dele como acusação nem desafio. Tenho a felicidade de possuir muitos amigos que, em matéria religiosa, não pensam pela minha mesma convicção.
Na despedida, ainda escreveu um bilhete para ser publicado no jornal do dia seguinte:
- Se algo posso falar ou pedir, nesta hora, rogo a todos os corações caridosos uma oração a Nossa Mãe Santíssima em meu favor, a fim de que eu possa se for a vontade da Divina Providência continuar cumprindo honestamente o meu dever de médium espírita sem julgar ou ferir quem quer que seja.
A calma era aparente. Em uma carta a Wantuil de Freitas, no dia 10 de dezembro, ele fez referência a um "familiar deliberadamente vendido aos adversários implacáveis de nossa causa ". E, mais uma vez, destacou Waldo Vieira como alguém capaz de livra-lo dos perigos que rondam a tarefa.
A polêmica acabou ali. Amauri, sempre bêbado, acabou internado em um sanatório na cidade de Pinhal em São Paulo e morreu pouco tempo depois. Seu último desejo: divulgar um documento com um pedido de desculpas ao tio. Os diretores da Federação Espírita Brasileira decidiram adiar a retratação. Os adversários podiam insinuar que o jovem havia sido forçado a se arrepender.
Amauri morreu e deixou como herança um mistério para os espíritas. Por que ele tinha atacado o tio? A versão mais aceita no meio é a de que ele assumiu a autoria dos poemas e levantou suspeitas contra Chico para impressionar e agradar uma moça católica por quem estava apaixonado. Outra versão, mais apimentada, coloca dinheiro na roda: ele teria sido subornado por um padre para desmoralizar o espírita de Pedro Leopoldo. Amauri nunca mandou explicações do além.
Chico Xavier ficou deprimido. A culpa tomou conta dele.
Os "espíritos inferiores " atacavam seus amigos e parentes como forma de atingi-lo.
Seus adversários eram punidos com mortes trágicas. Todos sofriam por sua causa.
Conclusão: ele era má companhia tanto para aliados como para os rivais.
Estava tão só e inconsolável que decidiu pedir a Emmanuel não um conselho, mas uma orientação da própria Maria de Nazaré. Alguns dias se passaram e o guia voltou com uma frase atribuída à mãe de Jesus:
- Isso também passa.
Chico se sentiu anestesiado. Escreveu o recado num papel e o colocou na cabeceira da cama. Todas as noites e manhãs ele lia a frase e se consolava.
Emmanuel tratou de fazer uma ressalva: a frase valia tanto para os momentos tristes como para os alegres.
O efeito da anestesia passou logo. O pessimismo voltou. Em outubro de 1958, Chico tomou uma decisão surpreendente: iria experimentar o ácido lisérgico.
Perguntou a Emmanuel se ele poderia fazer a experiência com amigos de Belo Horizote. O guia se ofereceu para promover a "viagem ". À noite, Chico se sentiu fora do corpo, Emmanuel se aproximou dele, colocou uma bebida branca num copo e explicou: era um alcalóide capaz de produzir o mesmo efeito do LSD.
Chico engoliu a bebida, um tanto amarga, e começou a se sentir mal, como se estivesse entrando num pesadelo. Animais monstruosos se aproximavam e cenas assustadoras desfilavam diante de seus olhos. Ele acordou com mal estar. O sol parecia uma fogueira e o irritava, as pessoas o cercavam, desfiguradas. À noite, Emmanuel reapareceu com a lição psicodélica: o alcalóide refletia seu estado mental.
Chico quis saber como recuperar a tranqüilidade e escapar da ressaca. Receita: oração, silêncio e caridade, para colher vibrações positivas.
Chico seguiu as dicas à risca. Começou a visitar doentes pobres, a atrair bons fluidos e, durante cinco dias, trabalhou para se refazer. No sexto dia ele se sentiu melhor. À noite, Emmanuel voltou e propôs repetir a experiência com o mesmo alcalóide. Mesmo desconfiado, o discípulo concordou. O efeito foi surpreendente: alegria profunda. Teve sonhos maravilhosos, visitou uma Cidade de cristal, olhou para o céu como se ele fosse de vidro. Até a Fazenda Modelo ficou deslumbrante. Os livros pareciam encadernados por safiras e ametistas, luzes saíam do corpo dos companheiros, das plantas e dos animais. Chico sentiu vontade de abraçar todo mundo. Ficou assim, em êxtase, quatro dias seguidos, em estado de alegria descontrolada, insuportável. Emmanuel apareceu com as explicações:
- Você está vendo seu próprio mundo íntimo fora de você. Moral da história: Nós estamos aqui para cumprir obrigações, não para gozar um céu imaginário nem para fantasiar um inferno que devemos evitar.
Na manhã de 3 de novembro de 1958, Chico saiu do ar. Viajava num avião de Uberaba para Belo Horizonte, quando o aparelho começou a trepidar com violência. Parecia fora de controle. Os passageiros começaram a gritar, a pedir socorro. O comandante apareceu para pedir calma: não havia motivos para alarme, os movimentos desordenados eram provocados por um fenômeno atmosférico chamado "vento de cauda ". E encerrou o discurso com a garantia de que chegariam ao destino mais depressa.
Alguém, completou irritado.
- Mais depressa no outro mundo.
Chico tentava manter o equilíbrio. Mas era difícil. Não entendia nada de "vento de cauda ". O avião sacudia, virava de um lado, do outro, só faltava fazer piruetas.
Muita gente começou a vomitar, quatro crianças abriram o berreiro, os marmanjos apertaram o cinto, se agarravam às poltronas, rezaram aos gritos. O protegido de Emmanuel se uniu ao coro.
- Valei-me, meu Deus. Socorro, misericórdia. Socorro, pelo amor de Deus. Tende piedade de nós.
Um padre, a poucas poltronas de distância, reconheceu o desesperado e gritou:
- O Chico Xavier está ali. Ele é médium, espírita, e está rezando conosco.
Chico gritou do outro lado:
- Graças a Deus, padre, eu também estou rezando.
E continuou a berrar:
- Valei-me, meu Deus.
Quando já estava fora de controle há quase dez minutos, viu Emmanuel entrar no avião e se aproximar dele. Queria saber o motivo da gritaria. Chico tinha uma dúvida mais urgente:
- O senhor não acha que estamos em perigo? O guia foi seco:
- Estão, e daí? Não tem muita gente em perigo? Vocês não são privilegiados.
Chico nem pensou duas vezes:
- Está bem. Se estamos em perigo de vida, eu vou gritar. Valei-me, socorro, meu Deus.
Os passageiros berravam ainda mais.
Emmanuel ficou horrorizado com a cena. O espírita mais importante do país, defensor da vida depois da morte, estava em pânico diante da hipótese de morrer.
- Você não acha melhor se calar? Dá testemunho da tua fé, da tua confiança na imortalidade.
Chico teimou:
- Mas é a morte. E nós estamos apavorados diante da morte.
E insistiu:
- Nossa vida não está em perigo?
Emmanuel repetiu a resposta:
- Está.
E Chico defendeu seu direito de estar em pânico:

CONTINUA AMANHÃ

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